Cubanos esperam avanço na mobilidade de baixas emissões
Por Luis Brizuela
HAVANA – Jorge Sarmientos garante que fez um bom investimento quando comprou uma moto elétrica para se locomover e evitar as angústias que o deficiente sistema de transporte público em Cuba ou os altos preços das alternativas privadas causam ao cidadão comum.
“Custou caro, mas ganhei autonomia. O transporte nunca foi bom aqui. Quando não faltam os ônibus, são as peças ou o combustível. Eles deveriam baixar os preços ou oferecer facilidades para que mais pessoas adquiram meios elétricos”, confessou a IPS Sarmientos, um contador residente em Havana.
Dados oficiais indicam que meio milhão de motocicletas elétricas em suas diferentes variantes circulam pelo país insular do Caribe de 11 milhões de habitantes, uma opção que favorece o transporte de pessoas e famílias.
Durante a última década, o uso de veículos elétricos em Cuba aumentou, a partir de autorizações alfandegárias para sua importação.
A indústria nacional assumiu mais recentemente a montagem de diferentes modelos, incluindo bicicletas e triciclos, a partir de peças importadas principalmente da China.
A comercialização fundamentalmente em moeda estrangeira é um obstáculo para uma aquisição mais ampla.
Os modelos mais baratos nas lojas estatais superam os 1.000 dólares, enquanto alguns protótipos podem chegar a 6.000 dólares.
Em Cuba, o salário médio mensal equivale a cerca de 35 dólares pela taxa de câmbio oficial; cerca de 16 dólares se levarmos em conta a conversão no mercado informal.
À deteriorada frota de ônibus públicos de Havana foram incorporados nos últimos anos quase 40 equipamentos híbridos (que alternam diesel e eletricidade), uma tecnologia que economiza de 25 a 30% de combustível e com menos carga poluente, indicam relatórios.
Mas a profunda crise econômica interna e a escassez de divisas freiam as ações para multiplicar os meios 100% elétricos, a fim de descarbonizar gradualmente o transporte público.
Algumas empresas e instituições adicionaram carros elétricos com reduções nos custos de manutenção.
Os triciclos elétricos aliviam os problemas de transporte no município de Boyeros, um dos 15 que compõem a capital cubana. Imagem: Jorge Luis Baños/IPS
Soluções locais
No caso de Havana, de 2019 a 2023 foi implementado o projeto Neomobilidade que, entre vários objetivos, propunha fortalecer o marco regulatório para uma transição eficiente para um sistema de transporte urbano com baixas emissões.
Além de priorizar variáveis como a abordagem de gênero e a inclusão de diferentes grupos etários, o projeto forneceu uma estação piloto de aluguel de bicicletas públicas, regida por um projeto de desenvolvimento local liderado por jovens.
Também concretizou três rotas dos chamados triciclos elétricos, ecotaxis conduzidos principalmente por mulheres em bairros periféricos de Boyeros, um dos 15 municípios que compõem Havana.
Esses triciclos são veículos leves e motorizados de três rodas, com capacidade para seis passageiros na parte traseira, semelhantes aos autorickshaw ou tuktuk muito comuns na Ásia e aos que localmente também são chamados de motocarro ou mototaxi.
“Acho que são uma ótima opção para se locomover rápido em curtas distâncias, e a preços acessíveis. O ruim é que são poucos equipamentos para a demanda que existe, carregam poucas pessoas e há horários em que eles ‘desaparecem’”, comentou a IPS a aposentada Gloria Almaguer, moradora do bairro de Fontanar, em Boyeros.
O projeto Neomobilidade foi executado pela Direção Geral de Transporte de Havana, implementado pelo escritório em Cuba do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente.
Outras frotas de ecotaxis prestam serviços nos municípios da capital de Havana Velha, Centro Havana, Guanabacoa, Playa e Plaza de la Revolución, também com o apoio do PNUD. São todas iniciativas que colaboram no compromisso nacional de ações de mitigação frente às mudanças climáticas.
Com percursos de dois a quatro quilômetros, e preços acessíveis, os pouco mais de uma centena desses meios são uma solução para a micromobilidade sustentável em áreas urbanas.
Em outras cidades cubanas, triciclos semelhantes prestam serviço, mas com motores de combustão interna.
Como elemento contra os ecotaxis e os veículos elétricos em geral, na sua imensa maioria, dependem da rede elétrica nacional para recarregar as baterias. Os ecotaxis recarregam durante a noite em suas bases, dentro das entidades públicas, e os privados e particulares em suas casas.
Isso porque ainda não existe uma infraestrutura que permita o recarregamento dos veículos elétricos em uma rede de postos de serviço.
Além disso, cerca de 95% da geração elétrica em Cuba depende de combustíveis fósseis.
O governo considera uma questão de segurança nacional transformar a matriz energética, e aspira para 2030 que mais de 30% da eletricidade venha de energias limpas, uma meta de difícil cumprimento diante da necessidade de um elevado volume de investimentos.
Passageiros tentam embarcar em um velho veículo que opera como táxi privado em Havana. Na capital cubana, cerca de 25% do total de passageiros estimados recorrem a transportadores privados, como os chamados almendrones (táxis privados com rota fixa), grandes consumidores de gasolina ou diesel e com preços não acessíveis a todos os bolsos. Imagem: Jorge Luis Baños / IPS
Novos preços do combustível
A maioria da população cubana depende do sistema público de transporte, baseado principalmente em ônibus e outros veículos consumidores de combustíveis fósseis.
Em Havana, com 2,1 milhões de habitantes, “estão trabalhando menos de 300 ônibus, uma cidade que na década de 80 chegou a ter 2.500 ônibus e há apenas quatro anos tínhamos 600”, reconheceu em outubro de 2023, durante uma aparição televisiva, o ministro dos Transportes, Eduardo Rodríguez Dávila.
Os maiores impactos pelas reduções do serviço recaem nas pessoas com menos poder aquisitivo, por se tratar dos meios de transporte com preços mais acessíveis.
Nas outras 14 províncias cubanas, o panorama é semelhante. A mobilidade em assentamentos urbanos, suburbanos e rurais encontra alternativas em caminhões modificados, carruagens tradicionais puxadas por cavalos e bicitaxis, unidades com um ou dois assentos impulsionados pelo pedal do condutor.
Em Havana, as estimativas estabelecem que cerca de 25% do total de passageiros recorrem a transportadores privados, geralmente em carros antigos de fabricação americana, os chamados “almendrones (táxis privados com rota fixa)”, consumidores de gasolina ou diesel e com preços não acessíveis a todos os bolsos.
Nos últimos cinco anos, a escassez de combustíveis tem sido uma das principais causas do serviço irregular de transporte público, agravado pela deterioração do parque automotor, pelo crônico déficit de peças de reposição, lubrificantes e outros insumos, e pela migração de motoristas para setores com maiores benefícios econômicos.
“Você pode esperar uma hora ou mais. Muitas vezes chego atrasado às aulas, mesmo acordando muito cedo. Não tenho dinheiro para pagar por um veículo todos os dias. Está cada vez mais difícil se deslocar para qualquer lugar”, enfatizou a estudante de arquitetura Yenia Hernández ao conversar com a IPS, enquanto esperava em um ponto de ônibus com dezenas de pessoas no município de Centro Habana.
Trem passa por uma ferrovia na capital de Cuba. A maioria dos cidadãos depende do sistema público de transporte, baseado principalmente em ônibus, caminhões e trens, consumidores de combustíveis fósseis. Imagem: Jorge Luis Baños/IPS
As crises energéticas se tornaram mais recorrentes desde 2019, paralelamente à deterioração da situação econômica interna e à falta de divisas.
De acordo com as autoridades, tal situação tem múltiplas causas, desde o descumprimento de contratos por parte dos fornecedores, até as sanções do governo dos Estados Unidos que dificultam o acesso a créditos e serviços de bancos internacionais.
Em 2021, Cuba importou 126 mil toneladas de gasolina, em 2022 cerca de 192 mil toneladas, e em 2023 cerca de 203 mil toneladas. Apesar do aumento, o número permanece abaixo da demanda de cerca de 360 mil toneladas, detalhou em 8 de janeiro durante uma intervenção televisiva o ministro de Minas e Energia, Vicente de la O Levy.
Por outro lado, a ilha precisa de 1,8 bilhão de dólares para cobrir as necessidades de diesel em um ano.
“Em 2023, foi possível importar 609 mil toneladas de diesel, que são cerca de 600 milhões de dólares (um terço)”, acrescentou o ministro.
A partir desta quinta-feira, 1º de fevereiro, estava previsto um aumento no preço da gasolina e do diesel, a fim de equiparar o preço de venda em pesos cubanos com a taxa oficial de cotação do dólar, regular a comercialização e vender uma parte apenas por meio de cartões com respaldo em dólares, com o objetivo de garantir o reabastecimento com a moeda, de acordo com o informado.
Mas a medida foi adiada até novo aviso devido a um “incidente de cibersegurança” causado por “um vírus vindo do exterior” que afetou o sistema de comercialização de combustível, o que está sendo investigado, adiantam informações oficiais.
A estratégia para eliminar subsídios prevê, a partir de 1º de março, um aumento nas tarifas de transporte interprovincial com aumentos de quase o triplo do custo da passagem nos ônibus e de seis a sete vezes nos trens nacionais.
Embora parte do serviço público de transporte mantenha os preços atuais, no caso de Havana, os triciclos elétricos modificarão a tarifa de quatro para 10 pesos (0,3 a 0,08 dólares).
Os aumentos de preços dos combustíveis e tarifas de transporte somam-se ao pacote de disposições que inclui modificações tributárias e de tarifas a partir de 1º de janeiro e que, segundo funcionários do governo, visam “corrigir distorções” na economia e impulsionar sua recuperação.
“A única coisa que vejo é que parte do transporte será mais cara, mas não necessariamente haverá maior oferta de veículos, mais modernos ou com melhor serviço. Os salários permanecem os mesmos e com isso não posso sonhar em comprar nem uma bicicleta”, disse à IPS Reynaldo Martín, engenheiro elétrico residente em Havana Velha.
*Imagem em destaque: Passageiros embarcam em ônibus público em Havana. Imagem: Jorge Luis Baños/IPS
**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução de Marcos Diniz
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