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Violência contra a mulher cresce no Brasil, por conta da política adversa e da Covid

Violência contra a mulher cresce no Brasil, por conta da política adversa e da Covid

Protesto das mulheres de Ceilândia, cidade satélite de Brasília, contra os feminicídios no Brasil, em 28 de janeiro. Mulheres assassinadas pelo motivo de ser mulher chegaram a 1.410 em 2022, 34,8% a mais do que cinco anos antes. (Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília)

A violência contra a mulher no Brasil tornou-se mais doméstica e praticada por ex-maridos e ex-companheiros. Uma média diária de 50.962 mulheres sofreram algum tipo de violência em 2022.

POR MARIO OSAVA

RIO DE JANEIRO – A violência contra a mulher no Brasil tornou-se mais doméstica e praticada por ex-maridos e ex-companheiros, com aumento atribuído às políticas negativas do governo de extrema-direita (2019-2022), à pandemia de covid-19 e outros fatores.

Uma média diária de 50.962 mulheres sofreram algum tipo de violência em 2022, segundo o estudo “Visíveis e invisíveis: a vitimização da mulher no Brasil“, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com base em pesquisa com 2.017 pessoas, do sexo masculino e feminino, em janeiro de 2023.

Ao longo do ano foram 18,6 milhões de vítimas de agressões que vão desde insultos verbais e perseguições a agressões físicas e sexuais, passando por estrangulamento e ataques a tiros ou facas. O número corresponde a 28,9% das mulheres com 16 anos ou mais, o recorte da pesquisa.

Houve um grande aumento em relação a dois anos antes, quando 24,4% delas sofreram algum tipo de violência.

“Todas as formas de violência, seja ela física, psicológica ou sexual, foram taxadas.

A pandemia foi um dos muitos fatores por trás desse ressurgimento, avaliou Juliana Brandão, uma das autoras do estudo, e pesquisadora sênior da FBSP. A covid-19 já havia amenizado, dada a vacinação massiva desde o início de 2021, mas as restrições sanitárias continuaram, obrigando a uma permanência mais longa em casa.

A violência doméstica, praticada em casa, passou de 43,3% em 2020 para 53,8% em 2022, enquanto a violência nas ruas caiu de 39,1% para 17,6%.

Pela primeira vez, ex-cônjuges ou ex-companheiros ultrapassaram os atuais maridos e namorados na pesquisa realizada pela FBSP desde 2017. Eles chegaram a 31,3% do total. A separação não impediu os ataques.

Omissão do estado

“Todas as formas de violência, seja ela física, psicológica ou sexual, foram agravadas. Outro fator relevante foi a redução da atenção ao tema por parte de órgãos públicos subfinanciados e diminuídos durante o governo de Jair Bolsonaro”, disse Brandão à IPS, presidente do Brasil de 2019 a 2022, da capital paulista.

“Rebaixou-se o orçamento para conter a violência contra a mulher, abandonaram-se políticas específicas com uma perspectiva diferente” do combate a outros crimes, disse a pesquisadora graduada em Direito, e com doutorado em Direitos Humanos.

Isso se refletiu no fato de que a maioria das vítimas recorreu à família (127,3%), aos amigos (15,6%) e não a órgãos públicos como a Delegacia da Mulher (14%) e o Telefone para denunciar à polícia (4,8%) e ao Centro de Atendimento à Mulher (1,6%).

A escassez de delegacias femininas, presentes em apenas cerca de 7% dos 2.570 municípios brasileiros, limita a proteção almejada, neste país sul-americano de 208 milhões de habitantes e o quinto maior do mundo.

Além disso, a extrema direita no poder com Bolsonaro gerou um ambiente ultraconservador que “naturaliza toda violência contra a mulher”, com um Ministério da Mulher alheio à luta pela igualdade de gênero e inclinado ao “discurso de ódio”, lembrou Brandão .

“Os discursos conservadores e misóginos disseminados nas redes sociais, nas Igrejas neopentecostais e em outras religiões, com a pregação da mulher submissa, e a autorização de autoridades do governo, repercutem nas famílias”, afirma Luanna de Souza, professora da pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Pará.

Essa política “antimulher” contribuiu para a derrota de Bolsonaro nas eleições de outubro passado. A maioria feminina votou no opositor Luiz Inácio Lula da Silva que, desde que assumiu o cargo em 1º de janeiro, vem tentando reconstruir as instâncias de promoção dos direitos humanos, especialmente dos direitos das mulheres, que já havia criado em seu governo anterior (2003-2010).

Aparecida Gonçalves tomou posse como Ministra da Mulher no dia 3 de janeiro, em Brasília, acompanhada de alguns dos 11 ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva. É um número inédito, mas longe da paridade, já que os atuais ministérios somam 37. Foto: Ministério da Mulher

Mulheres negras mais pobres e agredidas

Além de ministra da Mulher, a ativista Aparecida Gonçalves, Lula restabeleceu o Ministério da Igualdade Racial, colocando no comando outra líder das lutas sociais, Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, cujo assassinato em 2018 chocou o país e teve repercussão internacional repercussões.

Ontem, 4 de abril, ela sancionou uma lei que estabelece que todas as delegacias da mulher devem funcionar 24 horas, mesmo nos finais de semana, quando ocorre a maior parte dos casos de violência. Nas delegacias comuns, as vítimas devem ser atendidas por uma agente do sexo feminino.

A legislação foi uma iniciativa do Legislativo do Congresso Nacional alinhada às intenções do novo governo.

A desigualdade racial faz com que as mulheres negras constituam a maioria das vítimas de violência, 65,6%. Mais que o dobro das mulheres brancas, com 29%, segundo o relatório da FBSP. Essa proporção se repete em relação aos homicídios, em um país onde 56% da população é negra ou parda.

“A expansão da fome e a crise econômica, com mais desemprego, causaram mais conflitos nas famílias empobrecidas. É por isso que a maioria das vítimas são mulheres negras, que são as mais pobres”, disse Souza à IPS de Belém, capital do estado do Pará, no norte da Amazônia.

O levantamento da FBSP não inclui os homicídios de mulheres, que chegaram a 3.930 em 2022, segundo o Monitor de Violência, monitoramento estatístico feito pelo G1, portal de notícias da Globo, maior grupo de mídia do Brasil, em parceria com a FBSP e Centro de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.

Os homicídios têm como vítimas 10 homens para cada mulher. Mas, enquanto seu total, incluindo homens e mulheres brancos, caiu 30,9% desde 2017. No caso das mulheres, a redução ficou limitada a 13,7%, segundo o Monitor.

A tendência é muito pior em feminicídios, assassinatos de mulheres com base em seu gênero. Eles aumentaram 34,8%, passando de 1.046 em 2017 para 1.410 em 2022.

As diversas formas de violência, como ameaças e agressões físicas, “podem culminar em feminicídio”, sem os mecanismos de prevenção e proteção que se pretende instituir, alertou Brandão.

Marcha das mulheres pela democracia em Manaus, capital do estado do Amazonas, no norte do Brasil, durante o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, refletindo a esperança de políticas públicas favoráveis aos direitos e ao empoderamento das mulheres. (Foto: Alberto César Araújo / Amazônia Real).


Medidas recomendadas

Os dados apontam para a necessidade de políticas públicas, programas e orçamento suficiente para combater esses crimes. A FBSP recomenda especialmente medidas de prevenção e assistência às vítimas.

Garantir acolhimento e escuta adequados, ampliar abrigos para mulheres ameaçadas e seus dependentes, gerar empregos e transferir renda para mulheres pobres e vítimas de violência doméstica, promover campanhas de prevenção e fortalecer redes de proteção são algumas das recomendações.

A mobilização da sociedade é fundamental nessa batalha e pela defesa dos direitos das mulheres, concordaram Brandão e Souza.

No Pará, centenas de movimentos de diversos setores, rural, urbano e ribeirinho, foram decisivos para o pioneirismo daquele estado da Amazônia Oriental na criação de delegacias da mulher e varas de violência doméstica.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher é conhecida como Convenção de Belém do Pará, onde foi aprovada em Assembleia da Organização dos Estados Americanos em 1994.

O governo progressista de Lula deu esperanças de mudanças nessa questão, que não haja mais perseguição aos movimentos de mulheres e que gênero e sexualidade voltem a ser tema de escolas nos estados de governos conservadores que os proibiram, concluiu Souza. (ED: GE)

Confira artigo original publicado na Inter Press Service:

https://ipsnoticias.net/2023/04/grece-violencia-contra-mujer-en-brasil-por-politica-adversa-y-la-covid/
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