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Mães de homossexuais protestam em Uganda contra lei draconiana contra eles

Mães de homossexuais protestam em Uganda contra lei draconiana contra eles

Ativistas dos direitos LGBTIQ se manifestam contra o projeto de lei draconiano que inclui pena de morte e prisão perpétua entre as punições contra homossexuais em Uganda. Foto: Wambi Michael/IPS

POR WAMBI MICHAEL

KAMPALA – Mães de pessoas LGBTIQ+ na Uganda se manifestaram contra o projeto de lei draconiano, aprovado pelo parlamento do país no mês passado, que pune com pena de morte a homossexualidade agravada, com prisão perpétua o “crime de homossexualidade” e até 20 anos de cárcere por “promoção da homossexualidade”.

A norma desumana foi aprovada em 21 de março pela Assembleia Nacional Legislativa do país, recebendo uma onda imediata de condenações internacionais e apelos para sua não aplicação no âmbito doméstico.

No último 19 de abril, o presidente Yoweri Museveni devolveu o projeto à Assembleia Nacional legislativa “com propostas para sua melhoria”.

Segundo o que foi revelado e o que se deduz de um comunicado divulgado na quinta-feira, dia 20, a intenção é incluir a questão da reabilitação e do “arrependido”, mas isso não significa, sublinha-se, que Museveni tenha objecções às punições aplicadas, por isso teme-se que a lei acabe sancionada ainda este ano.

Existe a preocupação de que, se for aplicada na Uganda, a norma extrema possa ser imitada no resto da África, um continente onde, segundo a organização internacional Human Rights Watch, 33 países ainda penalizam a homossexualidade.

Mawethu Nkosana Nkolomba, diretora do Fundo de Resposta à Crise e chefe de defesa da comunidade LGBTI do Civicus, conglomerado internacional de organizações da sociedade civil, disse à IPS que a aprovação da lei em Uganda não foi um incidente isolado.

“No Quênia, há uma ameaça de que os grupos da sociedade civil LGBTI sejam alvos em breve e, devido ao que aconteceu em Uganda, há temores de que o projeto de lei LGBTI volte com força total. Um projeto de lei semelhante foi apresentado no Níger”, argumentou.

“Também na Tanzânia grupos LGBTI e feministas estão na mira (incluindo testes anais), Gana tem um projeto de lei semelhante ao de Uganda, Burundi (está passando por) uma nova onda de prisões de grupos LGBTI”. Nkolomba acrescentou que “a situação dos grupos LGBTI na Tunísia e na Argélia também está piorando. No Egito, a polícia está usando aplicativos queer para atingir a comunidade LGBTI, então, definitivamente há uma tendência”.

Para o ativista Eric Ndaula, a questão é que a homofobia é uma mentalidade generalizada na qual políticos, líderes religiosos e até mesmo a família tomam partido contra as pessoas LGBTI. “Eles nos dizem que a homossexualidade é errada, que é uma abominação”, afirmou.

Mães pedem clemência ao presidente

Quando o parlamento de Uganda aprovou a lei, agora devolvida pelo presidente, um grupo de mulheres se identificaram, sem pedir anonimato, como mães de pessoas LGBTIQ+. São elas: Jane Nasimbwa, Sylvia Nassuna, Janet Ndagire, Patricia Naava, Jackie Nabbosa Mpungu, Florence Matovu Kansanze, Josephine Amonyatta e Shamim Nakamate

A “carta aberta ao presidente Museveni de mães de pessoas LGBTIQ+”, republicada pela mídia Monitor, surpreendeu muitos.

«Como mães de pessoas LGBTIQ+, não somos ‘promotoras’ de nenhum programa. Somos mães ugandenses que tiveram que superar muitos de seus próprios preconceitos para compreender, aceitar e amar plenamente seus filhos”, diz o texto.

Você pode ler a versão em inglês deste artigo aqui.

As mulheres expressaram o temor de que seus filhos possam sofrer violência coletiva, que apontam como consequência direta de viver em um país cujos legisladores estão legalizando “imprudentemente” a homofobia e a transfobia com a lei contra a homossexualidade.

“Também não escolhemos ser mães de crianças LGBTIQ+, mas escolhemos amar nossos filhos por quem eles são. Como mães, todas nós queremos e trabalhamos para garantir que nossos filhos sejam saudáveis, bem-educados, bem-sucedidos e realizados em suas vidas profissionais e pessoais.”

A carta foi compartilhada no Twitter por Catherine Kyobutungi, feminista e diretora executiva do Centro Africano de População e Pesquisa em Saúde, provocando um debate online.

Eles estavam pedindo a Museveni que não aprovasse o projeto de lei anti-homossexualidade, dizendo que não podiam ficar paradas vendo seus filhos continuarem a ser espancados e ameaçados de maneira tão perigosa e deliberada.

O presidente Museveni vai ouvir?

O presidente de 75 anos, no poder desde 1996, assinou e promulgou outra lei contra a homossexualidade em 2014, posteriormente anulada devido a críticas da comunidade internacional. Em diversas ocasiões, ele se declarou contra os homossexuais e as pressões dos países a favor de seus direitos, com comentários como «A Europa está perdida e eles querem que a gente também se perca.”

Por isso, há muitas dúvidas se o governante irá acatar o pedido das mães ugandesas.

Em comunicado divulgado na quinta-feira (20), o presidente foi citado exortando os parlamentares de seu partido, durante a noite anterior, a estarem “dispostos a se sacrificar para lutar contra os homossexuais”. E acrescentado: “É bom que vocês tenham rejeitados a pressão dos imperialistas. Esses imperialistas bagunçam o mundo há 600 anos, causando tantos danos.”

A devolução do projeto de lei não se deve a uma mudança de opinião, mas ao fato de o procurador-geral da República, Kiryowa Kiwanuka, ter afirmado que o projeto de lei, na sua forma atual, criminaliza mesmo aqueles que voluntariamente declaram que “praticaram a homossexualidade” e precisam de ajuda. Ele propôs uma provisão de anistia para este grupo.

Em encontro com parlamentares de 22 países africanos, Museveni repetiu que a homossexualidade “é um desvio” mais perigoso que as drogas.

Quando a lei de 2014 estava sendo debatida, ele também nomeou um comitê de cientistas para determinar se havia uma base genética ou científica para a homossexualidade e se ela poderia ser “aprendida e desaprendida”. A comissão pediu tempo para um estudo mais aprofundado, embora tenha dito que era uma condição que existiu ao longo da História.

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Flagrante violação de direitos

Zahara Nampewo, professora da Faculdade de Direito da Universidade Makerere e diretora do Centro de Direitos Humanos e Paz (HURIPEC), em debate um dia após a aprovação do projeto de lei em março, apontou que a lei tem implicações de longo alcance.

“Elevamos nossas vozes de preocupação sobre questões como a violação flagrante de direitos como a presunção de inocência, o direito inderrogável a um julgamento justo”, disse Nampewo.

“Temos pedido leis que protejam as crianças do abuso infantil; temos pedido a lei do casamento. Por que agora, dentro de um mês, (esta) lei foi aprovada?”, questionou.

O promotor do projeto de lei devolvido à Assembleia Nacional, Asuman Basalirwa, disse à IPS que planejava apresentá-lo a partir de agosto de 2022, mas foi apenas no final de fevereiro que o presidente da Câmara Única lhe concedeu espaço na ordem do dia.

“A questão do recrutamento, promoção e financiamento da homossexualidade. Não é assim que você provoca uma comunidade. Se essas pessoas apenas cuidassem de seus negócios, ninguém se incomodaria, mas veja, eles estão invadindo nossas escolas, estão atacando nossos filhos. E eles querem que a gente (apenas) assista?

Basalirwa disse à IPS que a criminalização da homossexualidade não é um fenômeno novo. «Os colonialistas foram os primeiros a trazer para cá uma lei sobre a homossexualidade, o artigo 145.º do código penal. Se pretende que seja uma lei penal. Então, querem uma lei penal que não a criminalize?”, questionou.

Momento da aprovação do projeto de lei

Alguns críticos argumentaram que a presidente da Assembleia, Anita Among, e seu vice, Thomas Tayebwa, apressaram o projeto de lei porque seus proponentes queriam que fosse aprovado antes de uma conferência interparlamentar sobre valores familiares sob a bandeira da “proteção à cultura africana e aos valores familiares”.

A conferência de dois dias foi realizada nas margens do Lago Vitória, entre 31 de março e 1º de abril.

Estiveram presentes funcionários da Family Watch International (FWI). FWI é uma organização cristã americana descrita por ativistas dos direitos civis como um “grupo de ódio, que se opõe à educação sexual abrangente”.

Entre os delegados do FWI estava Sharon Slater, que declarou na conferência: “estamos em chamas e devemos parar esta cultura do imperialismo que está destruindo nossos filhos.”

Slater e sua equipe, que incluía Henk Jan van Schothorst, CEO do Christian Council International, e Gregg Scot, um advogado americano, reuniram-se com Museveni e sua esposa, Janet Museveni, em sua residência em Entebbe.

Crime sem vítimas

Adrian Jjuuko, diretor executivo do Fórum de Conscientização e Promoção dos Direitos Humanos em Uganda (HRAPF), discorda de Basalirwa sobre o cronograma do projeto de lei.

“Esta é uma campanha que vem acontecendo há anos. E não é apenas uma campanha de Uganda. É uma campanha internacional”, disse Jjuuko, cuja organização presta assistência jurídica a pessoas LGBTIQ+.

Jjuuko, cuja organização teria sido listada pelo Departamento de ONGs de Uganda entre os grupos da sociedade civil passíveis de fechamento, disse à IPS que os crimes sugeridos nas leis não têm vítimas porque as relações são consensuais. “Se você tem um crime sem vítimas, por que você tem que criminalizar? Ninguém reclama; não há mal nenhum. Danos a quem? Ao honorável Basalirwa?”, provocou.

O texto do projeto de lei não promulgado limita o crime de homossexualidade a atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo. O crime é punível com penas elevadas que vão até à prisão perpétua e até à pena de morte em caso de reincidência, a chamada homossexualidade agravada.

“Se olharmos para a disposição sobre a promoção da homossexualidade. Ela essencialmente proíbe o que fazemos como advogados. Então, como advogado, você não pode representar uma pessoa LGBTIQ+ porque isso seria visto como uma promoção da homossexualidade”, disse Jjuuko.

“Reincidente significa que se você for condenado duas vezes por ser gay, você morrerá por isso. Ter relações sexuais consensuais sendo HIV positivo, você morre por isso; se você faz sexo com uma pessoa idosa, de 75 anos, você morre disso, independentemente de ser consensual”, continuou Jjuuko.

Jjuuko observou: “Se você quisesse combater a pedofilia, não focaria na orientação sexual. O que se procura é o crime que lhe interessa combater”.

As ONGs suspeitas de promover a homossexualidade correm o risco de uma multa equivalente a mais de US$ 264.000 ou vinte anos de prisão.

Restrições, ameaças e difamação de minorias sexuais em Uganda precederam a aprovação do projeto de lei anti-homossexualidade.

Em agosto de 2022, a organização da sociedade civil Minorias Sexuais de Uganda (SMUG) foi banida pelo Escritório Nacional de Uganda porque não estava registrada. Em 2012, o NGO Office rejeitou um pedido de registro do SMUG porque a organização era “indesejável e não registrável”.

Basalirwa, o patrocinador do projeto de lei, e outros parlamentares argumentaram que o país precisa da lei para proteger as crianças dos promotores da homossexualidade. Mas Jjuuko, em entrevista à IPS, disse que era um sentimento equivocado.

“Se você está falando sobre crianças, a maior ameaça para elas não é a homossexualidade. A maior ameaça para as crianças é a heterossexualidade. Porque se você olhar o relatório criminal anual da polícia, há mais de dez mil casos de defloramento de meninas por homens. E foram apenas 83 casos de relação carnal contra a natureza (conforme o crime está descrito no projeto de lei), contra a ordem da natureza”, detalhou.

Artigo publicado na Inter Presse Service.

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