Vozes da sociedade civil se unem no FSM para pedir justiça climática (Tanka Dhakal, de Katmandu)
O jovem ativista climático queniano Kiprotich Peter pede subsídios em vez de empréstimos para os países que enfrentam as crises induzidas pelo clima no Fórum Social Mundial, que acontece em Katmandu de 15 a 19 de fevereiro. (Foto: Tanka Dhakal/IPS)
POR TANKA DHAKAL
KATMANDU – O queniano Kiprotich Peter vem tentando transmitir a sua mensagem sobre a crise climática a partir da plataforma do Fórum Social Mundial (FSM), que reúne representantes da sociedade civil de todo o mundo no Nepal, um país montanhoso que também tem sofrido os efeitos da crise climática.
O jovem ativista, que trabalha para a Green World no Quênia, para promover a educação ambiental e o reflorestamento, segura um cartaz que diz: “Os países mais pobres do mundo são forçados a buscar créditos para lidar com uma crise climática que eles não causaram”.
Ele tem mostrado o cartaz desde quinta-feira (15), quando começou em Katmandu a edição deste ano do FSM, que vai até a próxima segunda-feira (19), e que acontece pela segunda vez na Ásia, desde que os encontros anuais começaram na cidade brasileira de Porto Alegre em 2001, sob o lema: “Outro mundo é possível”.
Os organizadores afirmam que mais de 30.000 pessoas se reunirão no FSM de Katmandu, com dezenas de atividades diárias se sobrepondo, desde assembleias e debates temáticos a várias manifestações ao ar livre de ativistas de todo o mundo – especialmente da região da Ásia e da África – neste pequeno país situado na região do Himalaia.
“Estou aqui para levantar minha voz contra os empréstimos para lidar com a crise climática. Países pequenos como Quênia e Nepal precisam de subsídios para combater e mitigar a crise climática, não de empréstimos”, acrescentou em seu diálogo com a IPS.
O ativista definiu a mudança climática como “uma crise em tempo real na África, e acredito que também no Nepal e em outras partes do Sul global”.
Países de baixa e média renda como Nepal e Quênia contribuíram com quantidades mínimas para as emissões de gases de efeito estufa que causam a mudança climática, mas estão na linha de frente de seus impactos sob a forma de secas, inundações repentinas e outros fenômenos meteorológicos extremos.
De acordo com o relatório de 2023 sobre o clima e o desenvolvimento do Quênia, para manter os avanços na redução da pobreza, o país deve agir para mitigar e se adaptar às alterações climáticas.
“A inação contra a mudança climática poderá resultar em um acréscimo de até 1,1 milhão de pessoas pobres em 2050, em um cenário futuro de clima seco e quente”, diz o relatório.
“A humanidade das pessoas é roubada”
Longe do Quênia, mas perto do Nepal, no sul da Ásia, um terço do Paquistão ficou submerso por causa de uma grande inundação em 2022, que afetou 33 milhões de pessoas.
O historiador e líder juvenil paquistanês Ammar Ali Jan descreveu as sequelas dessa inundação e o tratamento da comunidade internacional como “uma imagem feia da humanidade”.
“Uma província foi quase dizimada; nunca tínhamos visto uma inundação assim. As pessoas atacavam os caminhões de alimentos como se estivessem privadas de humanidade”, relatou nesta sexta-feira (16), o fundador e presidente do partido Haqooq-e-Khalq durante a sessão “Rumo a um movimento mundial pela justiça climática”.
“As pessoas estavam passando fome sem ter nada para comer, estavam presas. É como se tivessem se tornando seres humanos descartáveis, e suas mortes não fossem lamentadas porque suas vidas não são suficientemente valorizadas”, acrescentou o líder paquistanês do novo partido de inspiração “verde”.
Jan culpou o crédito do Fundo Monetário Internacional (FMI) pelo declínio econômico que se seguiu à catástrofe.
O empréstimo foi concedido seis meses após as trágicas inundações, mas com as mesmas condições de sempre e sem que fosse dito “vamos dar este subsídio e perdoar a sua dívida porque vocês estão sendo afetados por uma crise que não é culpa de vocês”, lamentou.
O ativista paquistanês argumenta que grande parte da humanidade carece de empatia, enquanto mantém recursos e poder político.
“Para alcançar a justiça climática, precisamos encontrar maneiras de fazer com que nossa agenda, a agenda das pessoas, seja ouvida”, acrescentou. Em sua opinião, para que isso aconteça, “os progressistas precisam assumir o poder”.
Shanti Devi ouvia Jan e concordava com a cabeça. “É o mesmo que acontece na nossa aldeia no estado de Bihar, na Índia”, explicou. “Não chove quando necessário, e as inundações vêm na época da colheita”, disse, ao acrescentar que decidiu participar do FSM para que a sua voz e a de outros líderes locais sejam ouvidas.
A Índia foi o outro país asiático que sediou uma edição do FSM, em 2004, realizada na cidade de Mumbai.
Shanti Decinis, uma das mais de 30.000 participantes esperadas no Fórum Social Mundial de 2024, defende um mundo justo para todas as pessoas. Ela relatou como em sua aldeia no estado de Bihar, na Índia, os agricultores enfrentam a imprevisibilidade causada pelas alterações climáticas. (Foto: Tanka Dhakal / IPS)
Nenhum Fórum sem resposta
A pesquisadora e ativista científica indiana Soumya Dutta fez um apelo por uma pressão permanente para que, em todos os fóruns, sejam ouvidas as vozes das comunidades que sofrem diretamente as consequências das mudanças climáticas.
“Há muito tempo estamos enfrentando os impactos das mudanças climáticas, estamos em uma crise climática”, afirmou durante um debate sobre a justiça climática. “Precisamos elevar o movimento social para criar um discurso político mais amplo”, propôs.
Outros palestrantes e participantes fizeram apelos à colaboração e ao apoio para enfrentar as crises mundiais, incluindo as mudanças climáticas. O secretário-geral da ONU, António Guterres, também instou à unidade em sua mensagem ao FSM.
“Precisamos de solidariedade global para resgatar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e reformar um sistema financeiro global obsoleto, disfuncional e injusto. Também devemos nos unir para enfrentar a crise climática”, exortou.
Ao expor a dura realidade dos impactos das mudanças climáticas nas comunidades, a pesquisadora nepalesa sobre água e mudanças climáticas Ajaya Dixit propôs um caminho a seguir.
“Ainda consideramos a natureza como um dado adquirido, e isso precisa mudar”, afirmou a pesquisadora que colabora com outros pesquisadores no sul da Ásia.
Em sua opinião, “para entender as mudanças climáticas, precisamos entender o ciclo hídrico e hidrológico, porque a crise que enfrentamos está relacionada com a água, de uma forma ou de outra”.
Segundo Dixit, para compreender a realidade fundamental das mudanças climáticas, a ciência e a comunidade devem se unir.
“Ainda hesitamos em reconhecer o conhecimento comunitário, especialmente o conhecimento histórico dos povos indígenas”, argumentou.
Ela acrescentou que “as ciências naturais, as ciências físicas e o conhecimento comunitário devem se combinar em nossos sistemas educacionais; então poderemos entender melhor as mudanças climáticas e agir de acordo”.
Artigo publicado na Inter Press Service.
Jornalismo e comunicação para a mudança global