Viagem sem refúgio
Os partidos de direita e, principalmente, os de extrema-direita fazem uso político do que chamam de “invasão” de imigrantes e assustam a classe média que já se defronta com a crise econômica, assiste em sobressalto a guerra na Ucrânia e toma conhecimento do grande genocídio em Gaza.
POR CELSO JAPIASSU
A violência contra um grupo de argelinos no Porto, na semana passada, colocou Portugal no mapa da violência contra imigrantes que outros países da Europa já bem conhecem. Neonazistas, como sempre, são os responsáveis, estimulados pelos partidos de extrema-direita que, legalizados, ocupam os espaços que podem nas redes sociais da internet e na comunicação social, a mídia convencional. Fugitivos da miséria e das guerras em seus países, esses migrantes conhecem mais um tipo de violência nos países onde lhes é difícil ou recusada a integração. E onde as diferenças culturais são aprofundadas.
Enquanto isto, a Europa, mais uma vez horrorizada, toma conhecimento de mais um naufrágio no Mediterrâneo. Das setecentas pessoas confinadas numa pequena traineira quase todas morreram afogadas no mar que se transformou no grande cemitério de um continente que se recusa a as acolher. São fugitivos das guerras e da miséria do Oriente e da África. Embarcados na Líbia, um país destruído pela intervenção da OTAN em 2011, tentam o asilo na Europa conduzidos por traficantes de seres humanos.
A grande crise
Dois mil e quinze foi o mais cruel dos anos para os refugiados e os governos da Europa que se viram diante do maior deslocamento de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial. Naquele ano, mais de um milhão e meio de fugitivos do caos no Oriente Médio viajaram em busca de proteção e quase 4 mil pessoas morreram afogadas no Mediterrâneo. Tentavam a travessia em barcos precários, lotados de adultos e crianças em desespero, mas com alguma esperança. Recusados por vários países que proibiram o desembarque, foram depois de muita pressão acolhidos pela União Europeia. No ano passado, mais de 2.500 pessoas morreram afogadas no Mediterrâneo. Sem contar os que desapareceram. Uma tragédia recorrente.
Os partidos de direita e, principalmente, os de extrema-direita fazem uso político do que chamam de “invasão” de imigrantes e assustam a classe média que já se defronta com a crise econômica, assiste em sobressalto à guerra na Ucrânia e toma conhecimento do grande genocídio em Gaza. A extrema-direita diz estar em defesa de uma Europa cristã ameaçada pela invasão muçulmana. E a Europa assiste ao crescimento dos partidos neofascistas e neonazistas, como se fosse a repetição de um passado sombrio. Crescem os movimentos políticos que apresentam como programa o ódio aos imigrantes, radical nacionalismo, euroceticismo, “democracia iliberal”, restrições à liberdade de imprensa e limitação das liberdades em nome do interesse nacional. Assiste-se ao crescimento de partidos nazifascistas na Bélgica (Vlaams Belang), Bulgária (VMRO – Movimento Nacional Búlgaro), Croácia (Partido Croata dos Direitos (HSP), República Checa (Partido da Liberdade e da Democracia Direta (SPD), Dinamarca (Partido Dinamarquês do Povo), Estônia (Partido Conservador da Estônia (EKRE), Finlândia (Os Finlandeses), França (União Nacional (RN), Alemanha (Alternativa para a Alemanha (AfD), Grécia (Aurora Dourada), Hungria (Fidesz – Partido da União Cívica Húngara), Itália (Irmãos de Itália (FdI), Países Baixos (Partido para a Liberdade (PVV), Polônia (Lei e Justiça (PiS), Portugal (Chega), Eslováquia (Partido Nacional Eslovaco (SNS), Espanha (Vox) e Suécia (Democratas da Suécia (SD).
A nova crise
A intervenção americana no Afeganistão resultou em mais de 18 milhões de pessoas a precisar de ajuda humanitária, com necessidade imediata de comida e água potável, sem falar de educação e cuidados de saúde, segundo o International Rescue Committee. São números que certamente aumentarão na medida em que não diminui a escalada de violência. O medo, a repressão das mulheres e a violação dos direitos fazem com que para um número cada vez maior de pessoas não reste alternativa a não ser empreender a fuga e procurar asilo em outro país.
Se em 2015 a crise dos refugiados teve origem nos fugitivos da guerra na Síria, surge uma nova crise provocada pela guerra da Ucrânia, o genocídio em Gaza e pelo recrudescimento do caos e da violência instalados no Afeganistão desde a derrota estadunidense. Os que são considerados de oposição ao Talibã ficaram entregues à própria sorte. Resta o caminho da fuga, repetindo o êxodo de 2015. O mundo assiste o replay dos barcos precários e superlotados tentando a travessia do Mediterrâneo na direção da Europa. Nos números anunciados não estão contabilizados os que escaparam até agora enfrentando as difíceis condições das fronteiras do Paquistão e do Irã.
A Turquia tem em seu território mais de cinco milhões de refugiados desde a guerra da Síria e seu presidente Recep Tayyp Erdogan avisou à União Europeia que seu país não continuará a servir de muro de contenção. O que deseja Erdogan é negociar a política em relação aos novos refugiados em favor da aprovação da Turquia como país membro da União Europeia. As negociações nesse sentido estão paralisadas desde 2016, depois que a UE denunciou a Turquia por violar direitos humanos e desrespeitar o Estado de direito.
A polarização
Na Alemanha, o professor Edgar Grande, diretor do Centro de Investigação da Sociedade Civil, no Centro de Ciências Sociais de Berlim, manifesta sua preocupação e diz que o tema dos refugiados recoloca o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) no centro da política, reacendendo a polarização no país.
O primeiro governo a anunciar que não vai acolher refugiados foi o da Áustria, logo em seguida à proposta da Comissão Europeia de criar rotas e canais legais para migrantes poderem receber proteção nos países da União Europeia.
A Áustria é governada pelo partido de direita ÖVP – Oberösterreichische Volkspartei/Partido Popular Conservador, que lidera a coligação governamental com os verdes do Alternativa Verde (Die Grüne Alternative).
Os países governados pela extrema-direita – como a Hungria, Polônia e seus congêneres – vão adotar a mesma posição que tiveram durante a crise de 2015: fecharão suas fronteiras aos refugiados.
Na contramão, coerente com a sua política de solidariedade e apesar dos protestos da direita em crescimento, Portugal anunciou que poderá receber refugiados. O país acolheu mais de 4.000 refugiados desde 2015, incluindo muitos provenientes da Síria, Ucrânia e Afeganistão. Apesar dos problemas que têm ocorrido, Portugal é considerado modelo de boas práticas na área da política de refugiados.
(Foto: Irish Defence Forces – Serviço Naval Irlandês realiza resgate de imigrantes em barco superlotado como parte da Operação Tritão, junho de 2015, em plena Crise migratória na Europa – Wikipedia)
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).