Debate sobre Taxa de Câmbio
“A Primeira Lei dos Economistas: para cada economista, existe um economista igual e oposto. A Segunda Lei dos Economistas: ambos estão errados!”. Esta é uma velha piada corporativa. Para ilustrá-la, basta analisar o debate recente entre correntes de pensamento econômico antagônicas sobre a taxa de câmbio no Brasil.
“A Primeira Lei dos Economistas: para cada economista, existe um economista igual e oposto. A Segunda Lei dos Economistas: ambos estão errados!”. Esta é uma velha piada corporativa – não confundir com “corporativista”, postura de representantes dos médicos brasileiros. Para ilustrá-la, basta analisar o debate recente entre correntes de pensamento econômico antagônicas sobre a taxa de câmbio no Brasil.
A sabedoria convencional lista três determinantes do câmbio: fundamento macroeconômico, forças do mercado e política cambial. O primeiro, por sua vez, se subdivide em três: paridade entre taxas de juros (interna e externa), saldo do balanço de transações correntes, e paridade entre poderes de compra (doméstico e estrangeiro). Didaticamente, é possível alinhar o pensamento ortodoxo com a ênfase nesses fundamentos e o pensamento heterodoxo com o foco no conflito entre a especulação no mercado de câmbio e a regulação estatal.
Segundo economista ortodoxo, o amplo déficit em conta corrente (segundo fundamento) e a inflação alta (terceiro fundamento) estão entre os problemas domésticos que têm alimentado o pessimismo dos investidores com o país. Essa conjunção de fatores faz com que o Brasil seja o país que mais sofre nesse processo global, referindo-se ao movimento de depreciação das moedas emergentes provocada pela expectativa de redução dos estímulos monetários do Federal Reserve, o banco central americano.
Para a ortodoxia, com o objetivo de conter a intensidade da depreciação da moeda nacional, as autoridades brasileiras deveriam se focar no controle da inflação (terceiro fundamento que determina o poder de compra local) e na recuperação da credibilidade fiscal. Com o corte dos gastos governamentais, diminuiria a absorção interna e, consequentemente, o que chama de “poupança externa: o déficit nas transações correntes do balanço de pagamentos – o segundo fundamento.
O Banco Central deveria trabalhar para conter as expectativas de inflação através de seu instrumento principal, a taxa de juros. Assim, além de controlar a demanda agregada, também elevaria o cupom cambial, isto é, a diferença entre o juro interno e o juro externo, descontada da variação esperada da taxa de câmbio. Isso corrigiria o primeiro fundamento.
Essa é a opinião daqueles que acham que todo movimento de câmbio sempre é um “overshoot”. Quando há uma nova notícia [news] ruim, O Mercado fica nervoso e testa o Banco Central. Consideram normal haver, em um primeiro momento, um “exagero”, pois a aversão ao risco aumenta muito, mas em longo prazo, avaliando os novos fundamentos, é certo que a auto regulação de O Mercado o levará a novo equilíbrio.
Overshoot cambial pode ser traduzido, literalmente, por “acima da linha de tiro”. É metáfora de que “acertar na mosca (do alvo)” seria os agentes econômicos retornarem, progressivamente, à “linha de tiro”, ou seja, à taxa de câmbio de equilíbrio em longo prazo. É aquela que os fundamentos macroeconômicos apontariam.
Os ortodoxos reconhecem que não sabem em que patamar o real vai se estabilizar, pois isso ainda não está determinado. A reação do Banco Central e do governo, o ritmo de desaceleração dos estímulos do Fed e o impacto disso no cenário global são os fatores que vão ditar o novo valor de equilíbrio do câmbio. Intervenções no mercado cambial, para eles, tendem a ter um efeito no curto-prazo, reduzindo a volatilidade da taxa de câmbio, mas são incapazes de conter o processo.
Economista heterodoxo discorda da opinião dos ortodoxos de que o principal motivo para o real estar se depreciando mais que as outras moedas emergentes é a incerteza com a política econômica doméstica. Segundo essa opinião discordante, é a grande abertura do mercado brasileiro aos investidores estrangeiros e o peso excessivo do mercado de câmbio futuro em relação ao à vista que acentuam a depreciação da moeda brasileira – uma tendência que faz parte de um movimento global provocado pela expectativa de mudança na política monetária do Federal Reserve. A melhor alternativa para conter a intensidade da desvalorização do câmbio, portanto, seria a imposição de um imposto sobre operações financeiras (IOF) nas posições compradas excessivas.
O principal determinante é o fator externo. O sistema monetário internacional é hierárquico. No Brasil, ao contrário do que ocorre em outros emergentes, o mercado futuro de câmbio tem mais liquidez e profundidade que o à vista, o que potencializa a possibilidade de especulação. O mercado é líquido e totalmente aberto para os estrangeiros, que têm um papel fundamental nos movimentos do real. A posição comprada desses investidores cresceu muito, depreciando o real.
Para resolver esse problema, a heterodoxia propõe impor um IOF sobre posições compradas excessivas, mesmo que essa não seja uma medida “market friendly”, que agrada O Mercado. Ela penalizaria os especuladores e ainda teria impacto fiscal positivo, ao contrário dos swaps cambiais, que oneram as contas públicas. Em geral, acha que mecanismos de gestão de fluxos de capitais e derivativos cambiais ampliam a eficácia da política cambial em regime de flutuação suja, ao contrário do suposto pelos modelos macroeconômicos convencionais.
Nos momentos de aversão ao risco, para a heterodoxia, não são os fundamentos macroeconômicos que determinam o movimento dos ativos, mas os fluxos de capitais. A economia brasileira continua tendo um grau de abertura muito grande, é necessário diminuir a mobilidade do capital. O real torna-se vulnerável em função da capacidade dos estrangeiros de fazer apostas no mercado futuro com facilidade.
E quanto à Segunda Lei dos Economistas, que afirma que “ambos estão errados”? Nenhuma das correntes levou em consideração uma das evidências empíricas: a que diz respeito à queda do fluxo comercial de dólares. O déficit apenas no balanço das transações comerciais de petróleo de janeiro a agosto saltou de US$ 2,5 bilhões em 2012 para US$ 16,3 bilhões nesse ano corrente. Excluindo petróleo do balanço comercial de 2013, haveria um superávit de US$ 12,6 bilhões. Uma das explicações do forte desempenho negativo no acumulado de 2013 é o registro de aproximadamente US$ 4,6 bilhões importações de petróleo e derivados realizadas no fim de 2012, mas que foi feito apenas no começo do ano. Esse casuísmo afetou o segundo fundamento macro e as expectativas das forças do mercado de câmbio. Economistas pregam mais o que deveria ser do que analisam o que é.
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.