Giancarlo Summa: “Devemos ter respostas para a campanha de medo da direita”
O pesquisador, jornalista e especialista em comunicação ítalo-brasileiro Giancarlo Summa alerta sobre o avanço da extrema direita e explica nesta palestra os pontos em comum de todos esses grupos que fervilham nos países ocidentais. Publicado em Tiempo argentino. Por: Alberto López Girondo@algirondo Por: Ricardo Gotta@ricardogotta
É pesquisador da Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais (EHESS) de Paris e um dos fundadores no Brasil da rede Multilateralismo e Direita Radical na América Latina (MUDRAL). Embora Giancarlo Summa tenha nascido na Itália e agora faça seu dever de casa na França, grande parte de sua carreira aconteceu no Brasil, onde trabalhou nas campanhas de Lula da Silva. De passagem por Buenos Aires, a convite do Centro de Estudos Jurídicos e Sociais (CELS), ele visitou a redação do Tiempo para falar sobre o tema que o ocupa e preocupa: o avanço da direita radicalizada no mundo. “O que as investigações mostram é que existe uma extrema-direita ideológica que tem um programa estruturado e que embora não sejam todas iguais, têm alguns pontos de contato”, sustenta.
-Como quais?
-Existe uma exploração do medo, que é um sentimento muito forte, muito mais do que a categoria da esperança, que normalmente é o que a esquerda trabalha: a esperança de um mundo melhor. O medo é muito forte porque para o nosso cerebelo é algo primitivo de quando lutávamos na savana como humanos para viver. O medo é essencial para o neoliberalismo em um mundo de insegurança no trabalho, incerteza sobre o futuro, se teremos trabalho, se vamos comer. Diante dessa incerteza existencial, uma reação é encontrar culpados pela situação. Na América Latina, o medo por questões de segurança é muito forte. Na Europa, por migrantes, estrangeiros, principalmente africanos. Outro ponto é o da comunidade homogênea. A ideia da nação ou pátria como uma unidade em que alguns são os verdadeiros autorizados a se definirem como patriotas porque pertencem a determinados grupos étnicos ou têm uma determinada religião ou pele. É uma visão de mundo também patriarcal, heterossexual.
–Isso não existia com o nacionalismo do século XX?
–Isso era parcialmente verdade na época da direita tradicional, quando o mundo era muito menos globalizado. Hoje tem gente do mundo todo que está no mundo todo e nas últimas décadas houve uma mudança social muito forte com o feminismo e a reivindicação dos direitos LGBT. Isso põe em questão o modelo tradicional de sociedade. Há uma reação a tudo isso.
– O que também está em jogo é o papel do homem branco e europeu.
–Isso é uma coisa que você percebe na Argentina, no Brasil temos uma sociedade muito mais mestiça.
–Isso chama a atenção, porque tem afrodescendente que apoia Jair Bolsonaro .
–Porque não se sentem um grupo minoritário. Sua principal representação não é como afrodescendentes, mas como homens, ou como trabalhadores para os pobres que vivem de subsídios sociais. Há uma série de categorias que se sobrepõem e que nada têm a ver com a visão de classes sociais com a qual trabalhamos. Existem outros níveis de percepção relacionados às mudanças sociais, que são algo planetário, a desindustrialização. Se falamos da região, onde estão as indústrias? Não há mais, é algo marginal. Então não há mais sindicatos como antes, não há mais lugar onde homens e mulheres conviviam com os colegas.
Não aconteceu na Europa?
-É uma das razões é a crise da esquerda na Europa. Na América Latina tivemos que lidar com outras coisas como a democratização, como os golpes militares até anteontem. Eles têm uma vantagem de 15 anos, mas chegamos a isso: sociedades desindustrializadas onde os grupos sindicais não têm nem a sombra do poder de barganha, da representação, da construção de uma visão de mundo. São elementos centrais: um lugar homogêneo, a família em crise, a tradição de um passado como um lugar onde as coisas eram boas e as relações sociais eram diferentes.
–Onde as mulheres eram mulheres e os homens eram homens, eles diriam.
–E os países da Europa tiveram o seu papel superior e os países do sul do mundo conheceram o seu lugar. Ou como acontece na Argentina, aquele orgulho de dizer “nós viemos da Europa”.
–Todos esses direitos são mais radicalmente neoliberais do que aqueles que se dizem assim.
–Por isso é uma nova direita, onde há um conservadorismo social muito agressivo, uma visão nacionalista xenófoba, uma rejeição racista. A direita tradicional tinha uma visão nacionalista, mas com um papel muito importante para o Estado na manutenção de seus privilégios. Este direito é contrário aos direitos individuais. O único direito que reivindicam é a propriedade e o único que importa é a liberdade econômica. Eu analisei 30.000 tweets de (Javier) Milei, que é um exemplo de manual, e as palavras que mais aparecem são “liberdade do caralho”. Mas que liberdade? O de fazer qualquer coisa sem o controle do estado.
-Como vender uma criança.
–Ou um rim, sem controle, sem regras. A liberdade é apenas empreender, o único papel que o Estado reconhece é o de arbitragem de contratos e de polícia, para reprimir qualquer tipo de oposição social.
Por que não há uma nova esquerda?
– Temos 40 anos de decomposição social provocada pelo neoliberalismo. É o amadurecimento das mudanças sociais que ocorreram devido à mudança do sistema econômico global. O sistema não se estabeleceu da mesma forma no mundo e por isso é um fenômeno das Américas e da Europa. E depois há a Internet, para o bem mas também para o mal, para acelerar a discussão de certas ideias. Do nosso lado, o da esquerda, ninguém conseguiu inventar nada de novo depois da queda do Muro de Berlim. Isso foi em 1989, e na América Latina quase não notamos porque o segundo turno das eleições estava acontecendo no Brasil, quando Lula quase ganhou. Quando o mundo saiu disse “e agora o que fazemos?” aqui eles falaram “olha, aqui a esquerda ganhou as eleições, não é problema nosso”. Mais tarde descobrimos que agora a esquerda tem os votos, mas não as ideias. Qual é o modelo que a esquerda conseguiu propor depois da repressão, das ditaduras, da retomada da democracia? É essencialmente o mesmo modelo econômico um pouco mais civilizado. Porque não queremos que ninguém passe fome, por isso temos alguns programas sociais.
– Um capitalismo amigo.
–Funcionou na Europa, em anos melhores. Os anos gloriosos de 1945 a 1975, de reconstrução, mas 40 anos depois estamos apenas defendendo o que restou. A extrema esquerda desapareceu da Europa. No Brasil, Lula foi reeleito, mas por muito pouco: Bolsonaro poderia ter vencido. O que propõem os governos progressistas? Na França, onde a economia não está tão ruim – quase pleno emprego – as forças que estão crescendo são de direita e há uma convulsão social desorganizada, que não se reflete nas eleições. E na América Latina, após o ciclo das ditaduras, cresceram a desigualdade, a desindustrialização e a reprimarização da economia.
– Como a mídia influencia?
–A importância da mídia em geral na definição da agenda desapareceu. Trabalham para inflamar o discurso, com sensacionalismo, simplificando a informação. E as redes sociais são terra de ninguém, não há regulamentação e são geridas por multinacionais, os governos não se atrevem a combatê-las. Há uma aceleração na circulação de ideias extremas, que sempre existiram mas antes não havia tecnologia para disseminá-las. Não defendo nem um pouco que a esquerda tem que trabalhar da mesma forma mas que o caminho é justo, ético e aceitável.
-Parece que é para cortar as veias.
-Para nada. Ainda estamos jogando o jogo com a extrema direita na América Latina. Em nossa região estão, hoje, os partidos e movimentos sociais de esquerda mais fortes e organizados do mundo, e a nova direita radical ainda está sendo articulada. Há espaço para resistir e até mesmo seguir em frente. Mas a esquerda e os progressistas precisam ter respostas para as questões econômicas para pressionar por uma mudança de modelo, sair do neoliberalismo, reduzir a desigualdade e proteger o meio ambiente. E você tem que ter respostas reais para a campanha de medo da direita. O que aconteceu na Espanha? Que a direita do PPO e do Vox não teve a afirmação avassaladora que todas as pesquisas sugeriam. É verdade que o país foi para a direita, mas não como se temia e houve maior participação eleitoral, talvez porque os espanhóis democráticos, progressistas, eles votaram nos socialistas para evitar uma vitória esmagadora da extrema-direita. Quem sabe isso seja uma lição importante para a Argentina em outubro.