Discussão de relacionamentos entre epifenômenos sistêmicos
O economista especialista em Psicologia Econômica (ou Economia Comportamental) se transformou em um economista-terapeuta (ET). Percebeu ser mais conveniente uma terapia de grupo para discussão de relacionamento (DR) entre quatro epifenômenos – o neoliberalismo, a globalização, a desindustrialização e a financeirização – com a finalidade de compartilharem experiências e questões relacionadas aos seus relacionamentos.
Essa terapia de grupo para discussão de relacionamento se tornou uma oportunidade valiosa para o processo de autoconhecimento deles. Cada qual se considerava um produto acidental, acessório, de um fenômeno sistêmico essencial sobre o qual não tinha capacidade de controle de seus efeitos.
Na reflexão de alguns cientistas, psicólogos behavioristas e filósofos materialistas ou positivistas, a consciência humana é um fenômeno secundário e condicionado por processos fisiológicos. Por isso, é incapaz de determinar por si só o comportamento sistêmico emergente, no caso, das interações entre o neoliberalismo, a globalização, a desindustrialização e a financeirização.
Inicialmente, o ET selecionou esses participantes com proximidade para formar o grupo. Queria examinar com maior profundidade seus problemas de relacionamento. Desde logo, estabeleceu normas para o grupo, como confidencialidade, respeito mútuo e participação ativa.
Os membros do grupo tiveram a oportunidade de compartilhar suas experiências e dificuldades relacionadas aos relacionamentos. O ET facilitou a discussão, encorajando a expressão aberta de sentimentos e preocupações.
Com a identificação de problemas, passou à análise de dinâmicas relacionais. O ET ajudou o grupo a explorar as dinâmicas subjacentes aos problemas de relacionamento, como padrões de interação, expectativas não atendidas e conflitos não resolvidos.
Os membros do grupo ofereceram feedback uns aos outros e deram apoio mútuo de caráter emocional durante as discussões. O compartilhamento ajudou os participantes a ganhar perspectiva sobre seus próprios problemas e a se sentirem menos isolados em suas lutas.
Ao longo das sessões, os membros do grupo aprenderam novas habilidades de interação, resolução de conflitos e empatia, capazes de ajudá-los a melhorar seus relacionamentos fora do grupo. Com esse aprendizado talvez consigam melhor entendimento com seus críticos desenvolvimentistas. Devem lhes transmitir serem componentes interativos de um complexo sistema emergente com configurações dinâmicas, ou seja, necessitarem todos serem compreendidos como partes de uma evolução sistêmica progressiva.
O grupo passou a trabalhar em conjunto para identificar metas e estratégias e resolver problemas específicos, melhorando os relacionamentos. O ET deu orientação e suporte nesse processo com o planejamento das ações intervencionistas.
No fim das sessões, o ET facilitava um processo de encerramento, onde os participantes tinham a oportunidade de refletir sobre o progresso feito e discutir planos futuros para manter os ganhos obtidos na terapia de grupo. Vejamos como, de acordo com a análise do ET, cada qual se identificou, como percebeu sua própria identidade – e o relacionamento com o outro epifenômeno.
O neoliberalismo surgiu como uma resposta a várias mudanças no cenário político, econômico e social. Durante o pós-guerra, o modelo econômico predominante era o keynesianismo.
Os keynesianos defendiam a intervenção do Estado na economia para promover o pleno emprego e a estabilidade econômica. Em reação ideológica costumeira, críticos pró-mercado argumentaram o excesso de intervenção estatal levar a ineficiências e distorções no funcionamento do livre-mercado para o equilíbrio do sistema de preços relativos permitir a mais adequada alocação de capital sem necessidade de planejamento de nenhum Comitê Central.
O neoliberalismo nasceu da crítica reacionária contra o aumento dos programas de bem-estar social com a expansão do papel das políticas públicas na sociedade. Seus adeptos fiscalistas viam tudo isso como gastos sociais excessivos, demostrando diuturnamente, na imprensa, suas preocupações a respeito da sustentabilidade fiscal e da higidez econômica.
Ele reconheceu seu papel-chave no avanço da globalização e a abertura dos mercados internacionais. Esses movimentos tornaram-se motores para a adoção de políticas econômicas mais liberais, pressupondo aumentar a competitividade e atrair investimentos estrangeiros.
Da mesma forma, examinou seu relacionamento com a financeirização. Sua intenção explícita de fortalecimento do sistema financeiro e o aumento da influência das instituições financeiras globais levaram à promoção de políticas favoráveis à desregulamentação e à liberalização dos mercados financeiros.
Nesse processo de autoconhecimento, viu ser um filho natural do liberalismo clássico por seu ressurgimento ter sido apenas como uma ideologia econômica. Não à toa foi apelidado de “liberismo”. A ideologia deturpada desempenhou um papel chave na ascensão do neoliberalismo, promovendo a crença na primazia do mercado e na minimização do papel do Estado na economia.
Crises econômicas e altas taxas de inflação, em várias partes do mundo nas décadas de 1970 e 1980, foram vistas como falhas do modelo econômico vigente, na época, incentivando a busca por novas abordagens. No caso, o neoliberalismo praticou um economicismo por ver a política – eleição de Ronald Reagan e Margareth Thatcher – sendo diretamente determinada pela economia.
A globalização também se reconheceu com um fenômeno complexo impulsionado por uma série de fatores inter-relacionados. O desenvolvimento da tecnologia da informação e comunicação, especialmente, a internet, reduziu as barreiras de comunicação e facilitou a troca de informações e recursos em escala global.
A redução de tarifas e barreiras comerciais entre países, resultante de acordos comerciais bilaterais e multilaterais, facilitou o comércio internacional e incentivou a especialização produtiva. A liberalização dos mercados financeiros permitiu maior mobilidade de capitais entre países, facilitando investimentos estrangeiros diretos e especulação financeira em nível global, relacionando a globalização e a financeirização.
Somou-se ao relacionamento promíscuo a adoção de reformas neoliberais. Promoveram a liberalização dos mercados, a privatização de empresas estatais e a redução do papel do Estado na economia, facilitando a integração das economias nacionais na economia global.
Avanços no transporte marítimo, aéreo e terrestre reduziram os custos e o tempo de envio de mercadorias entre diferentes partes do mundo, incentivando a globalização da produção e distribuição. A fragmentação da produção e o surgimento de cadeias de suprimentos globais permitiram empresas fabricarem componentes em diferentes países próximos, devido ao menor custo de transporte, aproveitando os custos e vantagens comparativas de cada localização.
Nessa DR grupal, chamou-se a atenção para o deslocamento populacional. O aumento da migração de pessoas em busca de oportunidades de emprego, educação e qualidade de vida também contribuiu para a globalização, criando redes de conexão e intercâmbio cultural em escala global.
A desindustrialização, por sua vez, examinou seu relacionamento com a globalização. A competição global, especialmente com países com custos de mão de obra mais baixos e políticas fiscais mais favoráveis, levou à transferência de indústrias para locais com custos mais baixos.
A automação e a robotização reduziram a necessidade de mão de obra industrial, levando à diminuição da produção em certos setores. Em processo de vitimização, acusou uma série de políticas econômicas por terem favorecido outros setores em detrimento da indústria, como políticas fiscais desfavoráveis, subsídios desiguais ou políticas comerciais inadequadas, todas contribuíram para sua expansão.
Mudanças nos padrões de consumo, como o aumento da demanda por serviços em detrimento de bens manufaturados, reduziram a necessidade de indústrias tradicionais. Viu esse deslocamento da demanda como efeito do maior conhecimento na área de ciência de dados para traçar perfis dos consumidores.
Os custos crescentes de energia, transporte, regulamentação e mão de obra foram acusados de tornar a produção industrial menos viável em determinadas regiões. Da mesma forma, a falta de investimento em infraestrutura, como transporte e logística, dificultou a competitividade das indústrias locais.
Até mesmo as restrições ambientais mais rigorosas aumentaram os custos de conformidade para as indústrias, levando algumas delas a buscar locais com regulamentações mais brandas. Esses fatores, levantados durante o processo de autoconhecimento da desindustrialização, evidentemente, variaram em importância de acordo com o contexto econômico e político de cada país ou região.
Finalmente, a financeirização “entrou na roda”. Ela se referiu ao fato de o aumento da importância do sistema financeiro, abrangente de toda a economia, não ter sido feito em detrimento de setores de atividade produtiva, mas sim ser atribuível a várias causas interligadas.
Acusou a liberalização dos mercados financeiros, isto é, o neoliberalismo. Ocorreu em muitos países desde as décadas de 1970 e 1980, eliminou muitas restrições regulatórias sobre as atividades financeiras, permitindo as instituições financeiras se expandirem e diversificarem suas operações.
O desenvolvimento da tecnologia da informação e das comunicações possibilitou a criação de novos produtos financeiros, bem como a automatização e a globalização das transações financeiras, impulsionando o crescimento do sistema financeiro. A inovação financeira é intrínseca a essa evolução sistêmica.
Reconheceu fazer par com a globalização financeira. A integração dos mercados financeiros globais permitiu o capital fluir mais livremente entre os países, aumentando a interdependência entre os sistemas financeiros e facilitando o surgimento de instituições financeiras transnacionais.
Quando os Estados nacionais passaram a adotar o regime de câmbio flexível, depois do fim do padrão-ouro, houve o crescimento dos mercados de derivativos, como futuros e opções. Permitiu os investidores assumirem posições em uma ampla gama de ativos financeiros e commodities, ampliando as oportunidades de especulação conjuntamente com certa proteção, em especial, hedge cambial.
Foi cíclico o aumento do investimento em ativos financeiros em comparação com o investimento em ativos tangíveis, como fábricas e infraestrutura. Após a CGF-2008, o excesso de capacidade produtiva ociosa se refletiu na mudança na alocação de recursos em direção à guarda de reservas financeiras para futuro autofinanciamento em uma retomada do crescimento sustentado. Pessoas Físicas, analogamente, investem em reservas financeiras para se aposentarem.
Todos esses fatores combinados, segundo o ET, contribuíram para o aumento da influência do sistema financeiro na economia global, levando à financeirização de muitos aspectos da vida econômica e social. Ter sido fruto de um desejo coletivo, antes reprimido, foi a grande conclusão dessa DR!
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.