Sistema político-partidário ideal
Quando eu (“independente”) e mais dois colegas (“organizados”) tomamos a iniciativa espontânea de criar o Núcleo de Economistas do Rio de Janeiro, era meados de 1979, logo quando foi divulgada, nacionalmente, a ideia de criação do Partido dos Trabalhadores, originária do sindicalismo do ABC paulista, sob liderança do Lula. Foi anterior à sua fundação oficial, em fevereiro de 1980, em processo de transição diante da ditadura militar com vistas à democracia.
Os militares pregavam uma “abertura lenta, gradual e segura”, para eles se protegerem contra a acusação de quebra do Estado de Direito e tortura sistemática, sob o manto da “anistia ampla, geral e irrestrita”. Jamais foram julgados em tribunais.
Mas foram julgados, e liminarmente condenados, pela opinião pública, durante a campanha nacional pelas Diretas Já. Unificou a oposição em uma Frente Ampla contra a ditadura militar, mas a emenda para garantir a realização de eleições presidenciais diretas, em 1985, não foi aprovada pela Câmara dos Deputados. Apesar dessa derrota, as eleições indiretas de 1985 foram vencidas por Tancredo Neves (governador de Minas Gerais), no Colégio Eleitoral, por pressão social sobre os congressistas.
O movimento político realizou campanhas em várias cidades brasileiras, por meio de comícios em praças públicas, reunindo milhares de pessoas. Não foi apenas “espontâneo”, pois contou com lideranças político-partidárias, inclusive os governadores do Sudeste. Os núcleos de base do Partido dos Trabalhadores, em conjunto com os demais movimentos identitários, religiosos e sindicais-corporativos, deram muita contribuição na mobilização de suas bases sociais para configurar a opinião pública.
A partir desse histórico movimento social, com a adoção da democracia eleitoral pela Constituinte de 1988 e a primeira eleição direta para presidente da República, no ano seguinte, na campanha eleitoral brotou uma questão-chave: qual deve ser o relacionamento dos núcleos de base social ou corporativa com a cúpula do partido? “Horizontal” com outros núcleos ou “vertical” com ela, isto é, “de baixo para cima – e vice-versa”? A esquerda deveria abandonar o “centralismo democrático”?
O centralismo democrático é um princípio de organização na qual se combina a democracia eleitoral e a discussão livre, com a disciplina política e uma direção executiva centralizada. O conceito foi divulgado no livro Que Fazer? de Vladimir Lenin.
O relacionamento entre os núcleos de base e a cúpula de um partido político desempenha um papel crucial na eficácia e coesão da organização. Para esse relacionamento ser estruturado, é essencial promover uma comunicação aberta e transparente.
A cúpula do partido deve compartilhar informações relevantes com os núcleos de base – e vice-versa. Isso ajuda a manter todos os membros informados sobre as estratégias, metas e decisões, tomadas pelos votos das representações no congresso do partido.
Incentivar a participação dos núcleos de base nas decisões do partido é vital para uma representação democrática. Mecanismos como assembleias, fóruns ou representantes dos núcleos devem ser estabelecidos para permitir as vozes da base serem ouvidas nas decisões do partido de âmbito nacional – e não de “aluguel” para ganhar dinheiro.
Fornecer capacitação e formação contínua, para os membros dos núcleos de base, fortalece a base do partido. Ajuda a criar uma compreensão mais profunda das questões políticas e das suas estratégias.
Estabelecer canais eficazes de retroalimentação também é importante. Os membros dos núcleos de base devem ter meios para expressar suas preocupações, sugestões e feedback à cúpula do partido, e a cúpula deve estar receptiva a essas contribuições.
É fundamental garantir a representação nos órgãos decisórios do partido ser proporcional à diversidade de membros, incluindo diferentes corporações profissionais, identidades e regiões. Isso ajuda a evitar a concentração excessiva de poder na cúpula e promove a representatividade.
Os núcleos de base costumam ter uma compreensão mais direta das questões locais e das necessidades de cada comunidade. Integrar essas perspectivas nas discussões e decisões do partido fortalece a abordagem política em níveis mais amplos até nacionais.
Ao oferecer incentivos para a participação ativa nos núcleos de base, como reconhecimento, oportunidades de liderança e envolvimento em campanhas locais, motiva os membros a contribuir de maneira significativa e criar lideranças.
Respeitar e valorizar as diferentes perspectivas dentro do partido é fundamental. Isso cria um ambiente inclusivo, onde diversas opiniões são consideradas na formulação de políticas e estratégias.
Para tanto, cabe realizar avaliações periódicas do relacionamento entre os núcleos de base e a cúpula do partido de modo a ajudar a identificar áreas de melhoria. A adaptação contínua é fundamental para fortalecer a coesão e a eficácia do partido.
Um relacionamento equilibrado e colaborativo entre os núcleos de base e a cúpula do partido contribui para a vitalidade e a representatividade da organização política. Propicia-o enfrentar outras questões-chaves mais amplas em termos nacionais.
Por exemplo, qual condição é mais adequada para a democracia: bi-partidarismo à americana ou fragmentação partidária com presidencialismo de coalizão à brasileira?
A adequação do sistema político para a democracia não pode ser determinada apenas pela presença de um número específico de partidos ou pela estrutura do sistema de partidos. Ambos os modelos mencionados podem ser compatíveis com a democracia – e a eficácia de cada modelo depende de vários fatores contextuais.
O bi-partidarismo facilita a tomada de decisões, pois há menos divergências políticas fundamentais. Cria estabilidade política e governabilidade. No caso, um partido pode obter a maioria clara no Congresso Nacional.
Porém, oferece menos diversidade de opiniões e representação política. Tem tendência a polarizações extremas, com menos espaço para vozes moderadas.
A fragmentação partidária com Presidencialismo de Coalizão reflete melhor a diversidade de opiniões na sociedade. Estimula o comprometimento e a negociação política através de coalizões.
No entanto, resulta em governos instáveis e frequentes mudanças de coalizões. Negociações muito prolongadas levam a atrasos na tomada de decisões.
É crucial para a democracia a capacidade do sistema de garantir representação efetiva, proteger os direitos individuais, promover a responsabilidade do governo perante os cidadãos e garantir processos eleitorais justos e transparentes. A eficácia desses modelos depende da capacidade do sistema político-partidário em lidar com sua estrutura.
Os sistemas políticos devem evoluir e se adaptar. A experiência democrática bem-sucedida envolve um equilíbrio dinâmico entre a estabilidade proporcionada por sistemas bipartidários e a representatividade e negociação oferecidas por sistemas mais fragmentados de acordo com o contexto cultural, social e histórico de cada país.
Daí surge nova pergunta: entre a república presidencialista, como nas Américas, ou a república parlamentarista à europeia, qual sistema político é mais eficaz?
A eficácia de um sistema político, seja ele presidencialista ou parlamentarista, depende de vários fatores, inclusive a cultura política, a estabilidade institucional, a história do país e as características da sociedade. Ambos os sistemas têm vantagens e desvantagens – e o possível de ser mais eficaz em um contexto pode não ser o melhor em outro.
Na República Presidencialista, o presidente é eleito diretamente pelo povo e tem poderes executivos consideráveis. O poder legislativo e o poder executivo são independentes e derivam sua legitimidade diretamente das eleições.
Há clareza na responsabilidade do presidente perante os eleitores e estabilidade do mandato presidencial para promover políticas consistentes. Porém, dificuldades na formação de coalizões e conflitos entre o presidente e o legislativo levam a impasses.
Na República Parlamentarista, o primeiro-ministro (chefe de governo, mas não chefe de Estado) emerge do parlamento e é responsável perante ele. O parlamento pode destituir o governo por meio de votos de desconfiança.
Há flexibilidade para mudanças no governo sem eleições antecipadas e possibilidade de formar coalizões mais facilmente. Porém, há menos clareza na responsabilidade do governo perante os eleitores e muita instabilidade se partidos não conseguirem formar coalizões estáveis.
Ilustração traz as siglas de partidos políticos brasileiros / Reprodução
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.