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Críticas excessivas e injustas às violações dos direitos humanos no Qatar

Críticas excessivas e injustas às violações dos direitos humanos no Qatar

Por ROSI OROZCO. As denúncias de violações de direitos humanos no Qatar, atualmente sob a lupa do mundo todo, não são de modo nenhum infundadas. Mas será que o pequeno país peninsular tem mesmo uma das piores classificações em termos de direitos humanos?

CIDADE DO MÉXICO, 5 de dezembro de 2022 (IPS) – Peter Zimmermann é dono de um bar localizado na cidade alemã de Colônia, há trinta anos o favorito de quem quer assistir a um jogo de futebol.

Curiosamente, para a Copa do Mundo que está acontecendo atualmente em Doha, Qatar, o dono do Lotta, como é chamado o bar, decidiu se juntar a um movimento de protesto, e em vez de anunciar qualquer especial, ele pendurou uma faixa com a inscrição “#BoycottQatar2022”.

É interessante a posição assumida pelo segmento alemão, que se presume estar preocupado com a condição dos direitos humanos, considerando que os traficantes de pessoas para exploração sexual são tratados com benevolência naquele país.

No mais recente Relatório de Tráfico de Pessoas divulgado em julho de 2022 pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos (DOS), é reconhecido que o governo alemão cumpre “padrões mínimos” para resolver o problema.

No entanto, o relatório critica que “os juízes continuaram a emitir sentenças indulgentes resultando em 66% dos traficantes presos tendo suas penas totalmente suspensas ou recebendo penas de menos de um ano de prisão”.

Isto significa que na Alemanha os traficantes continuam a operar, causando problemas de segurança interna e injustiça. “Um alemão que rouba um carro vai passar mais tempo na cadeia do que um traficante de pessoas”, disse-nos recentemente John Cotton Richmond, que foi o embaixador geral dos EUA para monitorar e combater o tráfico de pessoas de 2018 a 2021.

O mesmo relatório do DOS destaca que o governo alemão ainda não tem um guia nacional de identificação de vítimas, fato que torna o processo complicado para aqueles que buscam refúgio ou solicitam asilo.

O governo também não informou se concedeu indenização ou restituição para as vítimas, o que é pouco frequente em casos naquele país, onde o financiamento de abrigos e ONGs para o cuidado e assistência às vítimas é escasso.

Tudo isso também é ignorado pelo jogador de futebol alemão Phillip Lahm, (campeão mundial do Brasil 2014), que também afirmou que “os direitos humanos deveriam desempenhar um papel mais importante na premiação de um torneio” e ficou surpreso que a competição ocorra “em um país que é um dos piores em termos de respeito aos direitos humanos”.

Diante de processos similares lançados em todas as partes do mundo, temos que nos perguntar: O Qatar é um dos países com pior classificação em termos de direitos humanos? Levando em conta o relatório de 2022 sobre o tráfico de pessoas, a pequena nação está localizada em um segundo nível em termos de tráfico humano, juntamente com países como Dinamarca, Israel, Itália, México e Suíça.

Também compartilha o segundo nível com outros países do Oriente Médio, como Egito, Marrocos e Tunísia, e está bem à frente de outros reconhecidos como violadores dos direitos humanos, como o Irã ou a Síria, muito menos o Iêmen ou a Líbia.

Embora o relatório denuncie que “o Governo do Qatar não cumpre totalmente os padrões mínimos para a eliminação do tráfico”, admite que “está a fazer esforços significativos para o fazer” e constatou que as autoridades têm aumentado seus esforços em comparação com o período anterior.

Atualmente, mais casos de trabalho forçado estão sendo investigados e um maior número de traficantes está sendo processado e condenado.

Onde o Qatar recebe as críticas mais duras é no recente relatório da Anistia Internacional (AI) que aponta que, apesar das reformas celebradas pelo governo, “a população trabalhadora migrante continuou a sofrer abusos trabalhistas”, sem poder “mudar de emprego livremente”, apontando também o aumento das restrições à liberdade de expressão no período que antecedeu a Copa do Mundo da FIFA 2022 “enquanto as mulheres continuaram a sofrer discriminação na lei e na prática”.

Mais uma vez, as críticas da IA ao Qatar parecem justas, mas deve ser notado que um país como o México – que recebeu o local da Copa do Mundo de 2026 juntamente com os Estados Unidos e o Canadá – relatou desaparecimentos, violência e impunidade, homicídios ilegais, prisão e detenção arbitrária, tortura e outros maus-tratos, violência contra defensores dos direitos humanos, violência contra refugiados e migrantes; um grande pacote de violações que não ocorrem no Qatar.

Desde 2009, a Organização das Nações Unidas tem um Centro de Documentação e Treinamento em Direitos Humanos (OHCHR) em Doha, a capital do Qatar. Não apenas para a nação onde a Copa do Mundo está sendo realizada, mas também para outras 21 localizadas no sudoeste da Ásia e regiões árabes.

Através de programas de treinamento, o centro concentra-se em leis e práticas judiciais para abordar, prevenir e reduzir cada vez mais as violações de direitos humanos na aplicação de padrões internacionais. O OHCHR treina juízes e outros para aumentar a responsabilidade por violações graves do direito internacional e dos direitos humanos em geral.

Testemunhei este treinamento em 2015 quando tive a oportunidade de participar do 13º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal realizado no Qatar, onde eu, como parte de um grupo de especialistas, exigi que as autoridades daquele país acelerassem as mudanças; exigências às quais eles foram bastante receptivos.

Finalmente, procurar sediar a Copa do Mundo, abrir-se para o mundo e ser examinado por uma lupa em todos os sentidos, permite-nos ver outra face da monarquia que governa o Qatar há mais de 70 anos.

Estou convencida de que levar a Copa do Mundo de 2022 foi uma excelente idéia porque, além de não excluir mais os países do Oriente Médio de eventos como este (o primeiro em quase 100 anos), é uma oportunidade de tentar entender suas tradições, mentalidade e costumes, às vezes tão distantes dos nossos “valores ocidentais”. O cancelamento da cultura não prepara o caminho para o progresso, a compreensão e a responsabilidade, ela afasta e abriga o ressentimento.


Rosi Orozco é presidente da União Contra o Tráfico de Pessoas e ex-congressista da Câmara dos Deputados do México.


Publicado originalmente pela IPS

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