O Equador e a legalização das drogas
Os acontecimentos recentes no Equador junto com a crise da segurança no Brasil e a tragédia das sociedades reféns das narco-milícias em quase toda a América Latina trazem para o centro das preocupações, mais uma vez, o problema das drogas.
O crime financiado pelo tráfico infiltra-se cada vez mais no poder político e já chega ao poder, como aconteceu, por exemplo, no Panamá de Manuel Antônio Noriega.
Na sua eterna busca da felicidade inatingível e em troca de breves momentos de euforia, a humanidade descobriu a intoxicação pelas drogas. Criou com elas um mercado de perto de um trilhão de dólares por ano e favoreceu a intensidade do crime, da violência e da corrupção nos países do mundo. Em alguns, como na Indonésia, o comércio ilegal é punido com a pena de morte e em outros, como é o caso de vários do continente europeu, procura-se um modo de conviver pacificamente com o consumo por parte da população, principalmente os mais jovens. O seu combate sistêmico, planejado pelo programa estadunidense Guerra às Drogas, mostrou-se incapaz de chegar até mesmo perto do objetivo para o qual foi concebido, o de vencer o inimigo, que é objetivo de todas as guerras. Os americanos devem perder mais essa.
Os estudiosos do assunto chamam a atenção para a força de uma mercadoria dentro do sistema econômico capitalista. Ela se impõe mesmo contra a lei, os costumes e a moral da sociedade. São 2 trilhões de dólares que representam o mercado anual das drogas somado aos outros gerados pelos principais crimes. Equivalem a 3,6 por cento de tudo o que é produzido e consumido no mundo durante um ano. São quatro vezes o PIB da Argentina e quase dez vezes o da Colômbia. O Global Financial Integrity (GFI), um centro de estudos baseado em Washington, levantou o valor das atividades ilegais e as cinco primeiras são, pela ordem, narcotráfico, falsificação, tráfico humano, tráfico ilegal de petróleo e tráfico de vida selvagem. A se considerar que a maioria das transações são feitas em dinheiro vivo, a lavagem do dinheiro do crime também se transforma ela própria num poderoso negócio que subsidia e garante enormes lucros ao mercado financeiro mundial.
O riso fabricado
Todos os anos mais de cem novas drogas são lançadas no mercado. Uma novidade nos principais países da Europa e que tem trazido novos e expressivos lucros para seu comércio tem sido conhecida como “a droga do riso”. Trata-se do óxido nitroso, também conhecido pela ciência como protoxido de nitrogênio ou protoxido de azoto, um anestésico descoberto em 1772 e que acaba de ser redescoberto pela juventude como droga de consumo recreativo. Também chamado “gás hilariante”, provoca riso e gargalhadas enquanto dura o seu efeito. As autoridades sanitárias e policiais procuram uma forma de regulamentar ou reprimir o seu consumo por tratar-se de um produto que não é ilegal, mas que pode levar à dependência psicológica e a anoxia cerebral, que é a falta de oxigênio no cérebro.
O uso desse “gás hilariante” não é novo. Há notícias de sua presença em festivais musicais, teatros e clubes na Inglaterra durante a Era Vitoriana, mas só nos dias de hoje começa a invadir a Europa como um modismo entre os consumidores mais jovens. Após a inalação, que é feita através de balões do gás contido em cartuchos ou latas ou em descarga direta na boca, vem a euforia, desinibição psicomotora, alteração do estado da consciência e dissociação com sensação de desconexão do ambiente em volta. O testemunho dos usuários diz que pode também ocorrer a impressão de calor, frio e aumento de energia e também relaxamento e sedação.
Como os efeitos duram pouco tempo, a maioria repete várias vezes o consumo. Os médicos dizem que a longo prazo pode causar alterações na memória, perda de vitamina B12, parestesia, depressão e psicose.
O consumo de cannabis, a droga mais consumida, manteve-se estável mesmo durante a pandemia de coronavírus. Embora tenha sido considerada como uma droga leve, já descriminalizada ou legalizada em vários países, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência emitiu um alerta sobre a crescente potência do cannabis consumido na Europa devido à adulteração com canabinóides sintéticos que triplicam a sua potência. O consumo passou a ser preocupante por causa do alto grau de toxidade dessas substâncias. No ano passado foram registradas 20 mortes atribuídas ao consumo de canabinóide sintético.
Outras drogas mais pesadas têm sido oferecidas online e nas ruas com alto teor de pureza e novos aditivos cada vez mais potentes e preocupantes, disse a Comissária Europeia dos Assuntos Internos, a sueca Ylva Johansson.
Alguns países já criaram salas de consumo assistido onde os dependentes em casos grave aplicam-se e são supervisionados por profissionais de saúde. Previnem a disseminação de outras doenças como aids e Hepatite B e ajudam na recuperação e reinserção social. Em Portugal elas se chamam “salas de chuto”. As autoridades, acusadas de assim promoverem o consumo, defendem-se afirmando que, ao contrário, é uma forma de controlá-lo.
Legalização ou criminalização
Nunca o tema da descriminalização ou mesmo da legalização das drogas foi tão discutido como tem sido atualmente. Descriminalizar é entendido como deixar de classificar o consumo como crime na legislação penal e legalizar significa pôr um fim na proibição do consumo, venda, distribuição e produção. As drogas hoje consideradas ilícitas seriam comparadas às bebidas alcoólicas, com tributação, regras e algumas restrições de venda. A maconha tem sido a mais discutida por ser de longe, embora ilícita em vários lugares, a droga mais consumida. Seu uso já não é considerado crime em vários estados americanos, no Canadá, na Holanda e em outros países que passaram a conviver com o consumo natural da cannabis.
Até o bilionário investidor George Soros está presente no debate com um investimento de mais de 200 milhões de dólares para apoiar iniciativas no sentido da legalização das drogas. Depois do 11 de setembro, uma organização associada a Soros, o Senlis Council, fez campanha – sem sucesso – para que a produção de ópio no Afeganistão fosse legalizada, de modo a cortar essa fonte de rendimento aos talibãs e Al Qaeda; depois de ter, em 2010, num artigo no Wall Street Journal, defendido a legalização da cannabis nos EUA, ele financiou algumas iniciativas nesse sentido em vários estados.
O economista liberal Milton Friedman disse que tudo o que a guerra às drogas conseguiu fazer foi garantir nas mãos de criminosos um negócio bilionário. O filósofo também liberal Ludwig von Mises é de opinião que, embora o consumo de drogas possa gerar prejuízo à saúde, não seria papel do estado tutelar os indivíduos. Ele acredita que os males que uma pessoa pode infligir à sua mente e à sua alma são tão graves quanto os danos corporais, mas não há impedimento para que ela possa assistir a filmes e espetáculos de mau gosto. Não há proibição de ouvir músicas de baixa qualidade ou de ler livros ruins. As consequências causadas por ideologias nocivas são, em sua opinião, muito mais perniciosas, tanto para o indivíduo como para a sociedade, do que as causadas pelo uso de drogas. “Um homem livre deve ser capaz de suportar que seu vizinho aja e viva de modo diferente de sua própria concepção de vida”, sentencia.
Vai longe a discussão. Os economistas favoráveis à legalização usam basicamente três argumentos: a guerra às drogas beneficia criminosos, a guerra às drogas prejudica a saúde pública, e o grande potencial econômico da legalização das drogas. Gary Becker, o economista que ganhou o Prêmio Nobel de Economia de 1992, é de opinião que da mesma forma como os mafiosos foram expulsos do mercado de álcool com o fim da proibição, os traficantes de drogas violentos serão expulsos do mercado depois da legalização. É o que de fato está ocorrendo nos Estados Unidos nos vários estados que legalizaram o uso medicinal e recreativo da maconha.
A legalização também secaria uma fonte bilionária de recursos, responsável por financiar a corrupção das polícias, os verdadeiros exércitos paramilitares, e toda sorte de violência. Além de garantir mais segurança aos consumidores com produtos de melhor qualidade.
*Imagem em destaque: Ministerio de Gobierno Ecuador/Flickr
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).