Fome avança em Gaza, alertam especialistas da ONU
Ataques de Israel causaram mais de 24.000 mortes, 60.000 feridos e milhares de desaparecidos, forçando o deslocamento de quase dois milhões dos 2,3 milhões de habitantes da Faixa, de acordo com relatos das autoridades palestinas.
POR CORRESPONDENTE IPS
GENEBRA – Os palestinos que habitam a Faixa de Gaza representam 80% das pessoas ameaçadas pela fome ou fome catastrófica no mundo, como “continuação de um genocídio de longa data”, alertou um grupo de oito especialistas do sistema de direitos humanos das Nações Unidas.
Israel, com uma operação militar em larga escala na Faixa que já dura mais de 100 dias, “está destruindo o sistema alimentar de Gaza e utilizando os alimentos como arma contra o povo palestino”, apontaram os especialistas que trabalham sob o guarda-chuva do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Segundo a declaração deles, “Israel não está apenas matando e causando danos irreparáveis aos civis palestinos com seus bombardeios indiscriminados. Também está impondo consciente e intencionalmente uma alta taxa de doenças, desnutrição prolongada, desidratação e inanição ao destruir a infraestrutura civil”.
O exército israelense iniciou sua operação na Faixa depois que milicianos do movimento islâmico Hamas atacaram o sul de Israel em 7 de outubro, matando 1200 pessoas e mantendo cerca de 240 reféns, segundo as autoridades de Tel Aviv.
Os ataques de Israel desde então causaram mais de 24.000 mortes, 60.000 feridos e milhares de desaparecidos, forçando o deslocamento de quase dois milhões dos 2,3 milhões de habitantes da Faixa, de 365 quilômetros quadrados, de acordo com relatos das autoridades palestinas.
Além disso, foi imposto um bloqueio ao acesso à água potável, alimentos, serviços de saúde, educação, transporte, eletricidade e comunicações, e apenas de forma escassa e intermitente tem chegado auxílio humanitário pela fronteira com o Egito.
“Nenhum lugar é seguro em Gaza. Israel declarou e impôs um cerco total, privando 2,3 milhões de palestinos de água, alimentos, combustível, medicamentos e suprimentos médicos”, indica o documento dos especialistas da ONU.
Isso ocorre “no contexto de um bloqueio israelense de 17 anos, que já antes desta guerra colocava metade da população de Gaza em situação de insegurança alimentar e fazia com que mais de 80% dependesse de ajuda humanitária”.
Os especialistas signatários do documento, divulgado nesta cidade suíça, são os relatores especiais Michael Fakhri, sobre o direito à alimentação; Farida Shaheed, sobre o direito à educação; Tlaleng Mofokeng, sobre o direito à saúde, e Balakrishnan Rajagopal, sobre o direito à moradia.
Também Paula Gaviria Betancur, sobre os direitos das pessoas deslocadas; Francesca Albanese, sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados; Reem Alsalem, sobre a violência contra mulheres e meninas, e Pedro Arrojo Agudo, sobre o direito à água potável e saneamento.
Eles acusaram Israel de destruir 60% das casas em Gaza, a frota pesqueira que a Faixa possuía, e de impedir o acesso a alimentos e combustíveis que poderiam alimentar padarias e plantas de energia e tratamento de água.
Os especialistas insistiram que atualmente em Gaza todos passam fome e buscam desesperadamente comida e água potável, a vida das mulheres grávidas está em risco, pois não recebem a atenção e a nutrição necessárias, e as crianças menores de cinco anos correm perigo de desnutrição grave e emaciação.
Detalharam que desde 1º de janeiro apenas cinco das 24 entregas de ajuda, incluindo alimentos e outros insumos vitais, puderam chegar ao norte de Wadi Gaza, onde as pessoas enfrentam escassez prolongada de alimentos e acesso extremamente restrito a recursos essenciais.
Enquanto isso, no sul do território, há uma grande concentração de pessoas vivendo em abrigos inadequados ou em áreas desprovidas de serviços básicos.
Do seu lado, Cindy McCain, diretora executiva do Programa Mundial de Alimentos (PMA), disse que “as pessoas em Gaza correm o risco de morrer de fome a poucos quilômetros de caminhões cheios de alimentos”.
Com isso, ela se referiu ao bloqueio imposto por Israel, que limita a entrada de caminhões com ajuda de emergência pela fronteira com o vizinho Egito.
O Catar anunciou nesta quarta-feira, 17, que intermediou um acordo entre Israel e o Hamas para a entrega de medicamentos para os reféns israelenses em Gaza, em troca de um aumento na ajuda humanitária para os habitantes de Gaza.
Os especialistas relatores afirmaram que “o único caminho claro para alcançar a paz, segurança e estabilidade para israelenses e palestinos é permitir a autodeterminação palestina. E isso só pode ser alcançado por meio de um imediato cessar-fogo e do fim da ocupação israelense”.
No terreno, continuam os ataques israelenses e os combates com milicianos palestinos, com 163 mortos e 350 feridos em um único dia, segundo a agência palestina Wafa.
Ao intervir no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, o secretário-geral da ONU, António Guterres, reiterou que a comunidade internacional deve apoiar uma solução de dois estados, Israel e Palestina, para “resolver a crise duradoura de uma vez por todas”.
Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.
FOTO DE CAPA: Crianças e jovens se esforçam para alcançar uma porção de comida que chega com ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Especialistas em direitos humanos das Nações Unidas alertam sobre o risco de fome nesse território palestino ocupado e o consideram vítima de genocídio por parte de Israel. Imagem: Abed Zagout / Unicef.
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