Uma tragédia que não tem fim
No mar do Sul da Itália contaram-se esta semana 59 mortes por afogamento em mais um triste capítulo da tragédia dos refugiados. Num barco de pesca, viajavam entre 150 e 200 pessoas que fugiam do Iraque, Irão, Síria e Afeganistão. O governo neofascista de Giorgia Meloni prometera reduzir o número de migrantes que chegam à Europa e adotou medidas para limitar o socorro de ONGs aos refugiados.
No mar do Sul da Itália contaram-se esta semana 59 mortes por afogamento em mais um triste capítulo da tragédia dos refugiados. Num barco de pesca, viajavam entre 150 e 200 pessoas que fugiam do Iraque, Irão, Síria e Afeganistão.
O governo neofascista de Giorgia Meloni prometera reduzir o número de migrantes que chegam à Europa e adotou medidas para limitar o socorro de ONGs aos refugiados.
O Jornal de Montreal descreveu os momentos finais no meio da forte tempestade: “a embarcação quebrou-se não muito longe da praia provavelmente ao chocar-se num banco de areia, mergulhando todos os passageiros nas águas geladas do mar em fúria”.
“Quando chegamos ao local, vimos cadáveres a flutuar por todo lado e socorremos dois homens que estavam com um bebê nos braços. Infelizmente o bebê estava morto” disse à agência de notícias Ansa a médica Laura de Paoli, que participava das operações de resgate.
Desde o início do ano 14 mil migrantes desembarcaram na Itália, o triplo do que foi verificado no ano passado neste mesmo período. É um sinal de que a crise humanitária tende a crescer neste ano de 2023, ao mesmo tempo em que se aproxima o verão europeu, época mais propícia para a tentativa de atravessar o Mediterrâneo.
A Europa teme a repetição de 2015, quando 1.300.000 refugiados deram entrada em seu território e 3.700 morreram na travessia do Mar Mediterrâneo.
Massa de manobra
Há milhares de pessoas hoje nas fronteiras da Turquia tentando chegar ao abrigo dos países da União Europeia. A
Turquia tem funcionado como uma comporta das levas de retirantes que partem dos países em crise no Oriente. Procuram asilo na Europa e são rejeitados. Os sírios, principalmente, a partir da chegada à Turquia.
A Turquia tem usado os refugiados como massa de manobra e ora abre, ora fecha suas fronteiras para dar ou impedir a passagem dos fugitivos da guerra, famílias com crianças, idosos doentes e toda sorte de desesperados. É uma tragédia humana que a humanidade procura não ver. A mobilização de apoio e suporte de opinião pública na Europa diminui na medida em que a angústia daquelas famílias vai sendo retirada das manchetes ou caindo no esquecimento da mídia.
Há no momento mais de cem mil refugiados na fronteira entre a Turquia e a Grécia, a maioria vinda da Síria, o belo e trágico país que se nega a ter a mesma sorte da Líbia. Um palco banhado de sangue onde desde 2011 se defrontam exércitos regulares e forças mercenárias a serviço das potências que não querem mostrar a sua própria cara. Uma guerra por procuração, desde quando os Estados Unidos passaram a apoiar e traçar estratégias para as milícias de oposição ao governo de Bashar Al-Assad e o governo da Turquia acionou a execução dos seus planos geopolíticos de assumir a liderança regional. A expectativa de queda rápida do regime frustrou-se quando se deu a intervenção da Rússia.
Confinamento
A Turquia deseja confinar na região de Idlib, na Síria, cerca de dois milhões de refugiados que se encontram, segundo Erdogan, em território turco. O mundo assiste, mais uma vez, vidas humanas como peças de um vergonhoso jogo de interesses geopolíticos.
Bashar Al-Assad, com todas as letras, chamou Erdogan de “ladrão”, pois estaria a roubar o território que pertence à Síria.
Enquanto isso os refugiados tentam a travessia da fronteira entre a Turquia e a Grécia ou a Itália com vistas ao asilo em algum país da Europa. Desde 2014 mais de vinte mil migrantes morreram afogados tentando a travessia do Mediterrâneo, segundo a Organização Internacional para as Migrações, da ONU. Em alguns momentos a polícia turca abre por algum tempo as barreiras, algumas pessoas conseguem passar mas uma multidão continua contida e em desalento e frustração.
Sabha e a sua família, o mais novo dos filhos, Taha, portador da Síndrome de Down, continuvam retidos na fronteira. Sem recursos e sem ajuda. O médico Abdulhameed al-Mohammad ia de carro com sua família em busca da travessia mas seu carro foi apreendido e todos tiveram de terminar a caminhada a pé. “Eu não sei o que dizer. É um tratamento muito desumano. Eles obrigaram as crianças a andarem a pé 20 quilómetros. Viemos no nosso carro e eles nos pararam a 20 quilómetros do nosso destino. Estamos a andar desde então até à fronteira”, disse ele à Euronews, enquanto tentava descansar as crianças à beira da estrada. Eles eram fugitivos dos pesados e ininterruptos bombardeios em sua cidade.
O governo grego anunciou que não aceitava mais pedidos de asilo, pois na ilha de Lesbos encontravam-se 20 mil migrantes à espera de solução para os seus pedidos de permanência. As entidades de defesa dos direitos humanos criticam essa decisão enquanto a Turquia dizia abrigar atualmente quatro milhões de refugiados sírios e pedia ajuda em dinheiro da União Europeia. Se não vier essa ajuda, ameaçava abrir as fronteiras.
“Esta é uma tentativa flagrante da Turquia de usar pessoas desesperadas para promover sua agenda geopolítica e desviar a atenção da horrível situação na Síria” (…) A Europa não será chantageada pela Turquia por causa da questão dos refugiados. Estamos prontos para apoiar a Turquia a lidar com o seu problema dos refugiados e encontrar uma solução para o dilema sírio, mas não sob estas circunstâncias”, afirmou o Primeiro Ministro grego Kyriakos Mitsotakis.
Enquanto isto a humanidade assiste pela televisão ou pela internet, quase impassível, à maior tragédia humanitária do nosso tempo.
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).