Um mergulho no desconhecido
Os franceses acusam os que vieram dos países árabes de se recusarem à integração e se agarrarem a sua própria cultura, língua e tradições. Os árabes acusam os franceses de recusarem a sua presença e suas manifestações culturais e religiosas.
A Alemanha tem em seu território 12 milhões de imigrantes legais vindos dos mais diversos países. Está em segundo lugar no mundo, depois dos Estados Unidos, entre os que têm acolhido populações estrangeiras. A França tem quase oito milhões e a Espanha quase sete milhões de imigrantes. Estes são apenas três dos vinte e sete países que compõem a União Europeia, de um total de 50 que formam o continente. Esta chegada de povos estrangeiros tem provocado desequilíbrios internos, xenofobia e o crescimento dos partidos de direita oportunistas que procuram fazer capital político disseminando ódio aos imigrantes.
As sobras da guerra
Foi depois da Segunda Guerra Mundial que começaram com intensidade essas transferências de levas e levas de refugiados econômicos entre os países. Com a reconstrução, principalmente da Alemanha e da França, após os desastres da guerra, os trabalhadores e suas famílias dos países mais pobres foram atraídos pela esperança dos empregos que vieram com a retomada da industrialização. E também com as oportunidades na agricultura e na reconstrução das cidades destruídas pelos bombardeios. Trabalhadores principalmente de Portugal, Espanha, Itália e Grécia transferiram-se em massa. Para uma vida dura em subempregos dividindo a pobreza com a existente miséria dos nativos. Vítimas das desigualdades sociais e entre os países centrais e periféricos.
Outros movimentos de transferência em grandes correntes migratórias já haviam ocorrido com a Europa no centro delas. Italianos, espanhóis, portugueses, franceses, gregos espalharam-se pelo mundo. O Brasil implantou a política de atração de europeus para a substituição da mão de obra escrava logo após a abolição da escravatura em seu território, com interesse também no “branqueamento” da sua população. Outros países também fizeram campanhas de atração de mão de obra estrangeira. Essa emigração de europeus diminuiu ou foi interrompida durante e logo após a Segunda Guerra e a Europa passou a ser a atração das novas correntes, em movimentos contrários, iniciadas pelos refugiados dos conflitos no Oriente e as invasões que países europeus, sob comando dos Estados Unidos, praticaram nos países árabes. E dos refugiados da África, vítimas da violência, da miséria e da fome.
A França e a Argélia
Para a França vieram os nascidos no seu antigo e imenso império colonial. É grande a presença dos que saíram da Argélia em direção às cidades francesas. E também dos que chegam das ex-colônias da África. Já são muito evidentes os problemas de convivência entre as populações. Os franceses acusam os que vieram dos países árabes de se recusarem à integração e se agarrarem a sua própria cultura, língua e tradições. Os árabes acusam os franceses de recusarem a sua presença e suas manifestações culturais e religiosas.
Yves Lacoste, professor do Instituto de Geopolítica da França, diz que com a independência da Argélia, depois de uma penosa guerra de libertação, pensou que os argelinos jamais iam por os pés no território francês. Mas deu-se o contrário. A imigração argelina na França, que crescia em ritmo acelerado antes da guerra pela independência, continuou a crescer depois. Em 1946, haviam 50 mil argelinos na França; em 1956, eles eram 300 mil; atualmente, contando os descendentes, são mais de 3 milhões.
Lacoste aponta a Guerra da Argélia, entre 1954 e 1962, como a raiz da convivência difícil entre os argelinos e os franceses na França atual. Mas as causas podem estar mais longe no tempo. A violenta conquista empreendida pelos franceses, que começou em 1830, custou um terço da população argelina. Durante a ocupação que durou quase um século, a população local era tratada como formada por cidadãos de segunda classe. Apenas os franceses podiam votar para eleger deputados e senadores e as principais mesquitas foram transformadas em templos católicos.
Atualmente são os refugiados das guerras no Oriente e da permanente crise na África que lotam as precárias embarcações que atravessam o Mediterrâneo em busca da salvação na Europa. Muitos morreram ou estão morrendo pelo caminho. São as vítimas da maior tragédia do nosso tempo.
Os que chegam pelas vias legais também não estão livres dos problemas que terão de enfrentar com documentação, moradia, adaptação a uma cultura diferente da sua e também com a xenofobia que é crescente na Europa.
A direita e a xenofobia
Os partidos políticos de cunho neofascista ou de extrema-direita acusam os imigrantes da falta de emprego, da criminalidade crescente, pelo ódio religioso e pelos ataques terroristas. O discurso populista e demagógico atrai grande parte dos eleitores de classe média e aqueles partidos radicais estão a chegar ou já estão no poder na Hungria, Polônia, Áustria, Itália, Suíça, Dinamarca, Noruega. Na França, o neofascista Rassemblement National (em português ‘Reagrupamento Nacional’), liderado por Marine Le Pen, é o novo nome do Front National (‘Frente Nacional’). Chegou perigosamente em segundo lugar nas duas últimas eleições para a Presidência da República.
Os refugiados de hoje são originários principalmente da Síria, Afeganistão, Somália, Sudão e Sudão do Sul. Partem para a Europa em busca da salvação, de emprego e de comida. Dão um salto no desconhecido e vão enfrentar na maioria das vezes rejeição e uma existência difícil à margem da vida dos europeus que se recusam a aceitá-los.
Imagem em destaque: Arte de Helen Zughaib, artista libanesa, em sua série “Migrações” divulgada em https://www.hzughaib.com/helen-zughaibs-artwork-collection/
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).