Os ciganos
A história dos ciganos é uma saga de violência, fuga e perseguições. Embora sejam considerados o povo mais antigo da Europa, a União Europeia, nos seus fundamentos, não reconheceu a sua existência e muito menos os seus direitos. (Foto: SecultBA / Cassi Coutinho)
A história dos ciganos é uma saga de violência, fuga e perseguições. Embora sejam considerados o povo mais antigo da Europa, a União Europeia, nos seus fundamentos, não reconheceu a sua existência e muito menos os seus direitos. Deixou-os de fora do estado de bem-estar social, sem emprego, saúde, educação e liberdade de circulação.
Eles têm origem misteriosa, pois parecem ter vindo da Índia, mas alguns estudiosos dizem que não. Teriam vindo da antiga região da Caldéia, no território onde hoje se encontra o Iraque. É certo, no entanto, que há novecentos anos começaram a chegar à Europa percorrendo o caminho dos Balcãs, passando pela Bulgária. Hoje estão espalhados pelos vários países do Continente europeu e também pelo mundo. São quase invisíveis, perambulam pelas ruas das grandes cidades, as mulheres com seus vestidos longos e coloridos abordam os turistas e oferecem a leitura e a revelação do futuro. Marginalizados e alvos de fortes preconceitos, procuram a subsistência da forma que lhes for possível, nem sempre por meios absolutamente legais. São chamados nas diversas regiões do mundo de romi, boêmios, gitanos, romnichals, calons, calés ou calós. O termo cigano é considerado por alguns deles como um insulto. Sua população na Europa é estimada em 11 milhões de pessoas, o que representa um número superior à população de Portugal ou o dobro dos habitantes da Noruega, por exemplo. Formam o maior grupo entre as minorias existentes e oitenta por cento da sua população vive abaixo do limiar da pobreza.
Na Alemanha
Considerados como uma raça inferior pela Alemanha nazista, seu destino pode ser de alguma forma comparado ao dos judeus. Fichados pela polícia, eram obrigados a usar no peito, como distintivo, um triângulo marrom. Foram perseguidos e mortos. Aproximadamente 500 mil foram assassinados nos campos de concentração do regime. Durante o regime hitlerista a vida dos ciganos foi marcada por perseguição brutal e genocídio, conhecido como Porajmos (“devoramento”) pela comunidade cigana. Estima-se que entre 220.000 e 500.000 ciganos, cerca de 25% da população cigana da Europa, foram assassinados, o que configura o Porajmos como o segundo maior grupo alvo do Holocausto, logo após os judeus.
A ascensão de Hitler ao poder em 1933 intensificou a discriminação contra eles. Leis foram promulgadas para restringir sua locomoção, acesso à educação e trabalho. As Leis de Nuremberg classificaram-nos como “raça ariana impura”, negando-lhes direitos básicos e abrindo caminho para perseguição mais severa. A polícia alemã foi autorizada a prender ciganos “preguiçosos” e “associais”, enviando-os para campos de trabalho forçado.
A “Noite de Cristal”, violento pogrom antissemita em 1938, na Alemanha e na Áustria, se estendeu aos ciganos. Suas casas foram saqueadas e incendiadas.
Em 1940 começou a deportação em massa de ciganos para campos de concentração. Auschwitz-Birkenau se tornou o principal centro de extermínio. Milhares de ciganos foram mortos em câmaras de gás e fuzilamentos. Himmler, chefe da SS, ordenou o seu extermínio total. Foram dizimados em condições desumanas e trabalho forçado nos campos. Alguns tentaram se esconder, enquanto outros lutaram ao lado da Resistência contra os nazistas. A maioria, no entanto, foi presa, deportada ou morta. Estima-se que apenas 20.000 ciganos sobreviveram na Alemanha.
O Porajmos foi por muito tempo negligenciado e silenciado, mas nas últimas décadas tem havido um crescente reconhecimento da perseguição aos ciganos durante o Holocausto. Memoriais foram erguidos, museus foram abertos e estudos acadêmicos aprofundaram a compreensão do seu genocídio.
Num espaço entre o Parlamento e o Portão de Brandemburgo, em Berlim, foi erguido em 2012 o Memorial aos Sinti e Roma da Europa Trucidados sob o Nacional-Socialismo. “Sinti” é o termo usado para designar os membros de um dos três troncos em que se divide o povo cigano. Os outros são os “romi” e os “caló”. A língua falada pelos sinti é um dialeto da língua romani cujo vocabulário tem grande influência do alemão.
Na cerimônia de inauguração do memorial, a chanceler Angela Merkel disse que “cabe à Alemanha e à Europa dar apoio ao povo roma, onde quer que ele viva, não importa qual seja o país”.
Na França
Durante o governo do Presidente Nicolas Sarkozy, começaram a ser expulsos da França. O pretexto foram os protestos às vezes violentos que fizeram depois da morte pela polícia de um jovem cigano que não parou durante uma operação policial na estrada. Sob o protesto dos movimentos e partidos de esquerda, embora com o apoio de 79% da população, Sarkozy justificou a expulsão como uma ação de reintegração dos ciganos em seus países de origem. Um eufemismo. Como incentivo à saída da França, o governo ofereceu 300 euros a cada adulto e 100 euros a cada criança. Muitos aceitaram e depois retornaram ao país.
Na Itália
Em 2018 o neofascista Matteo Salvini, enquanto Ministro do Interior, ordenou o recenseamento da população cigana para providenciar sua expulsão do território italiano. Segundo declarou, pretendia “verificar a presença de campos ilegais para elaborar um plano de expulsão”. Calcula-se que a Itália tenha em torno de 180 mil roma e sinti, uma das menores populações ciganas da Europa. Metade deles possui cidadania italiana e tem empregos nas diversas cidades e regiões do país.
A Associazione 21 Iuglio, de defesa dos direitos dos ciganos, denunciou uma manobra de Salvini, pois seu Ministério fez o levantamento de todos os campos de refugiados, ciganos ou não, com o objetivo de expulsá-los a todos. Sabe-se da obsessão dos partidos da extrema-direita europeia, entre eles a Liga, de Salvini, em relação aos imigrantes e refugiados.
Na Hungria
“Eles estão a reproduzir-se como ratos, como parasitas”, foi o comentário mais replicado nas redes sociais húngaras em 2019, referindo-se aos ciganos. A Hungria é governada hoje pelo mais radical líder neofascista da Europa, Viktor Orbán, amigo do peito de Jair Bolsonaro e seus filhos. Ele conseguiu implantar uma ditadura de fato no país, fazendo uso e pretexto da epidemia do coronavírus.
Estimulado pelo governo, o racismo é crescente na Hungria e multiplicam-se os crimes relacionados ao preconceito. Há uma espiral de ataques violentos contra as comunidades ciganas. Há pouco, grupos neofascistas mataram seis pessoas dessa etnia, feriram vários, incendiaram casas e espalharam o terror em Budapeste.
A população cigana representa em torno de 10 por cento dos dez milhões de habitantes da Hungria. O governo Orbán tem aumentado a segregação, a começar das escolas primárias. Nevsija Durmish, responsável pelo programa de húngaro da Fundação de Educação Romani, diz que a segregação se manifesta de diversas formas. “Desde a colocação desproporcionada de alunos ciganos em escolas especiais para crianças deficientes, passando por aquelas destinadas apenas a ciganos, até à separação de turmas específicas de ciganos nas escolas comuns”.
Em todos os países da Europa repete-se a mesma história de preconceito e discriminação.
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).