O ano que acaba num mundo perturbado
Dois mil e vinte e três encerra-se como mais um ano de sangue, desespero e dor nas várias partes do mundo. Vem, portanto, juntar-se a outros capítulos da trágica história do homem.
Guerras e crises humanitárias, fome, desespero e morte são as marcas do ano de 2023 que termina deixando o seu rastro de sangue. Sua maior representação é o suplício de Gaza e suas crianças. Se no Brasil a democracia equilibra-se entre o permanente conflito de duas forças políticas que se confrontam, comemora-se também o resgate do país de um abismo de quatro anos em que se viu mergulhado. Depois de ter afastado uma canhestra e absurda tentativa de golpe de estado logo no princípio do ano.
A extrema direita cresceu em todo o mundo e afia as suas garras para assumir o poder nos países em crise. A Argentina elegeu para presidente um energúmeno fanático que ameaça a destruição de todas as instituições do país.
Em 2023 houve na Europa 11 ataques classificados como terroristas. Segundo aEuropol, seis foram de responsabilidade da extrema-direita, três de jihadistas e dois atribuídos a grupos de extrema-esquerda.
O mundo fecha esta etapa do calendário diante dos desafios que não conseguiuaté hoje superar, quais sejam a desigualdade, a pobreza, a fome e a crise climática que continua a ameaçar o futuro da humanidade. A ciência venceu uma avassaladora pandemia e a mantém sob controle mediante o recurso da vacinação que é contestado pelo caráter medieval de uma mentalidade obtusa ainda presente na sociedade.
A inflação traz consigo o receio de uma recessão econômica se continuar na sua marcha e a desigualdade aumentará trazendo consigo a instabilidade social da qual nenhum país estará isento.
Refugiados
O drama dos refugiados mantem sua intensidade. Continuam a morrer às centenas os que se arriscam à travessia do Mediterrâneo enquanto políticos europeus emitem declarações e afirmam que resgatar os náufragos é incentivar as migrações. O governo da Itália proibiu que embarcações italianas ajudem no resgate. É a banalidade do mal de que falou Hannah Arendt.
Nos últimos dias do ano o governo da França informou a adoção de uma nova lei que endurece a política de imigração do país. Limita o acesso dos imigrantes a benefícios sociais e a nacionalidade francesa não será mais concedida automaticamente aos nascidos na França de pais estrangeiros. A lei prevê medidas para tornar mais fácil a deportação e pune com pesada multa o que chama de “delito de permanência irregular”.
O slogan nacional da França “Liberté, Égalité, Fraternité“ – Liberdade – Igualdade – Fraternidade, foi transformado num paradoxo diante dessa nova realidade.
A Agência da ONU para Refugiados calcula que a quantidade de refugiados no mundo, incluindo as pessoas deslocadas internamente, atingiu 114 milhões em 2023. Este é o maior número já registrado na história.
Os refugiados são frequentemente submetidos a violência, pobreza e discriminação. E para eles é difícil acessar educação, saúde, emprego e àpossibilidade de reconstruir suas vidas.
As guerras
De acordo com o Instituto de Pesquisa de Paz de Estocolmo (SIPRI), o ano que termina assiste a pelo menos sete grandes guerras em andamento no mundo sem que se possa vislumbrar o seu fim e a paz restaurada. Além dessas sete guerras há uma variedade de conflitos regionais a causar também sofrimento e dor, como é o caso do morticínio em Gaza.
A invasão russa da Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro de 2022, é o conflito mais significativo. Já causou a morte de milhares de pessoas e a deslocação de milhões de outras.
A guerra civil no Iêmen começou em 2014 e é o conflito mais mortal do mundo atualmente. Envolve o governo do Iêmen, apoiado pela Arábia Saudita, e os rebeldes houthis, apoiados pelo Irã.
A guerra civil na Síria começou em 2011 e já causou a morte de mais de 500.000 pessoas. Envolve o governo sírio, apoiado pela Rússia, e uma variedade de grupos rebeldes.
A guerra civil na Etiópia começou em 2020 e já causou a morte de milhares de pessoas. Envolve o governo etíope, apoiado pela China, e a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF), que controla o estado de Tigray.
A guerra civil no Mali começou em 2012 e já causou a morte de milhares de pessoas. Envolve o governo do Mali, apoiado pela França, e uma variedade de grupos rebeldes, incluindo grupos jihadistas
A guerra civil na República Democrática do Congo começou em 1998 e já causou a morte de mais de 5 milhões de pessoas. Envolve uma variedade de grupos, incluindo governo, grupos rebeldes e milícias.
A guerra civil no Sudão começou em 2011 e já causou a morte de milhares de pessoas. Dela participam o governo sudanês, apoiado pelo Egito, e váriosgrupos rebeldes.
Dois mil e vinte e três encerra-se como mais um ano de sangue, desespero e dor nas várias partes do mundo. Vem, portanto, juntar-se a outros capítulos da trágica história do homem.
Feliz Ano Novo.
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).