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A Hora e a Vez do Meio Ambiente

Embora tratado de forma secundária na campanha eleitoral, a questão ambiental vai emergir como uma das grandes questões a serem enfrentadas pelo próximo governo Lula. Vejamos rapidamente alguns problemas que exigirão atenção imediata

Vista área da Amazônia (Foto: Neil Palmer/ Wikipedia)

Embora tratado de forma secundária na campanha eleitoral, a questão ambiental vai emergir como uma das grandes questões a serem enfrentadas pelo próximo governo Lula. Vejamos rapidamente alguns problemas que exigirão atenção imediata.

Com apoio descarado do atual Governo, aumentou de forma descontrolada e criminosa o desmatamento da Amazônia. Um dos efeitos é a diminuição do transporte da água evaporada da floresta pelos “rios voadores” que garantem, por exemplo, o equilíbrio climático no sudeste que se encontra na mesma latitude do deserto de Atacama no Chile. Ou seja, não há deserto no sudeste do Brasil pela ação benéfica da umidade transportada da Amazônia pelos “rios voadores”.

Em 2022, cerca de 40.000 km2 de floresta tropical foram devastados na Amazônia. Todos os dias, 1,5 milhão de árvores são derrubadas. O Governo estimula a extração ilegal de ouro, que polui com mercúrio os grandes rios que cortam a Amazônia. É o caso do Rio Tapajós, no Estado do Pará. As invasões de terras indígenas triplicaram entre 2019 e 2021. Em 2022, o desmatamento bateu novos recordes: 74 mil queimadas já foram registradas na Amazônia, 51% a mais que em 2021.


No Cerrado, a taxa de desmatamento explodiu em 34% em três anos; o Pantanal foi devastado por gigantescos incêndios em 2020. 1.700 novos agrotóxicos foram autorizados, muitos dos quais banidos do mercado europeu. Diversos cientistas e organizações da sociedade civil, como o Greenpeace, denunciaram que quase um quinto da floresta amazônica já foi destruída. Ela está se aproximando de seu ponto de “não retorno” que resultaria na transformação de trechos inteiros de selva em savana. O antigo Ministro do Meio Ambiente apoiou diretamente o tráfico ilegal de madeira, ouro e fechou os olhos para o tráfico de drogas. O assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Araujo no Vale do Javari é um episódio dessa política do Governo (dados colhidos pelo jornal Le Monde, 30/9/2022).


Nos anos 80, dirigentes de direita, adeptos do neoliberalismo, comprometidos com a produção econômica predatória da natureza e com a tese do Estado mínimo, chamavam os defensores do meio ambiente de “alfacinhas”. Reduziam a questão ecológica à dieta vegetariana. Dirigentes de partidos de esquerda, adeptos do desenvolvimentismo, diziam “pérolas” como, por exemplo, “No Brasil não existe questão ambiental, o problema é social”. Ou então, “Meio ambiente não tem nada a ver com a realidade brasileira. É uma questão importada da Europa”.


Atualmente, ninguém mais diz descalabros desse tipo, a não ser os idiotas bolsonaristas. A crise climática, provocada principalmente pela emissão de gases de efeito estufa e pela destruição da biodiversidade em função da atividade produtiva, leva à destruição dos recursos naturais e ameaça a sobrevivência da humanidade no planeta. Ocorre que, no Brasil, as políticas econômicas que se alternaram no poder, o neoliberalismo e o desenvolvimentismo, desprezaram ambas a questão ambiental. O meio ambiente como questão política não existia nos manuais e catecismos do liberalismo e do socialismo. O liberalismo no Brasil ainda acredita no mito da “mão invisível do mercado” formulado por Adam Smith no século XIX. E durante os governos do PT muitos desenvolvimentistas diziam que “o meio ambiente é entrave para o desenvolvimento”.

Essa concepção equivocada está na origem do conflito entre a ex-Ministra Marina Silva e o governo do PT.


Hoje, a situação mudou muito. Numa linguagem hegeliana, o “espírito do tempo” ou a “astúcia da

razão” acabaram prevalecendo. Como sempre, reconhecendo fatos já consumados. Afinal, ainda segundo Hegel, “a coruja de Minerva só levanta voo ao anoitecer”.


Mas, até hoje, para muitos políticos, meio ambiente é visto como questão secundária, fica numa caixinha à parte, no Ministério do Meio Ambiente, ignorado pelos outros Ministros. Tendo em vista a gravidade da crise climática e a devastação da biodiversidade ameaçando a destruição dos recursos naturais e a sobrevivência da humanidade, o meio ambiente não pode ser tratado como assunto secundário. É uma questão transversal que atravessa as políticas públicas.


Durante décadas, os cientistas discutiram na ONU a existência ou não das mudanças climáticas causadas pela emissão de gases de efeito estufa. Muitos cientistas – a maioria financiada pelas empresas petrolíferas – negavam a existência da crise climática. Mas há muito tempo a ONU bateu o martelo: A mudança climática é real. Vamos ultrapassar o aumento de temperatura de 1,5º C, acarretando eventos climáticos extremos com efeitos dramáticos. Mantido o ritmo atual, ultrapassaremos 2º C, o que acarretará consequências trágicas para a humanidade, ameaçando no limite sua própria sobrevivência.


O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC, órgão das Nações Unidas, lançou em 28/2/2022 seu Sexto Relatório de Avaliação advertindo sobre as graves consequências se a temperatura global ultrapassar 1,5º C. De acordo com o Relatório, no que se refere ao Brasil as consequências previsíveis são as seguintes, segundo o site Clima Info:


O calor e a umidade ultrapassarão os limites da sobrevivência, se a humanidade não for capaz de fazer a necessária redução das emissões de gases de efeito estufa.


Secas e enchentes devastarão as casas e os meios de subsistência no Brasil se governos e empresas não cortarem radicalmente as emissões de gases de efeito estufa.


– A produção de alimentos será afetada pelas mudanças climáticas.


– O Brasil enfrentará grandes prejuízos econômicos se as emissões nacionais e globais não forem reduzidas rapidamente.


– O Brasil será atingido pelos efeitos de eventos extremos que acontecem em outros lugares.


A devastação ambiental traz consequências graves em termos de eventos climáticos extremos. O que já sabemos é que não basta discutir apenas a transição energética para reduzir e no limite suprimir os combustíveis fósseis em favor de energias renováveis. Isso é um grande passo, mas será necessário enfrentar o desafio de uma transformação ecológica que vai exigir um novo modo de vida e de produção. O quadro abaixo mostra a origem e o destino do gás carbônico, um dos gases de efeito estufa que mais contribui para o aquecimento global:

Não é de hoje que os cientistas vêm alertando sobre a grave ameaça da devastação ambiental. Em seu livro Something New Under the Sun: An Environmental History of the Twentieth-Century World, publicado em 2002, J.R. McNeill afirmou que a humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso total da capacidade de o planeta suportar as atividades humanas. (Something new under the Sun, McNeill, 2002).

Um artigo da revista Nature – A safe operating space for humanity – (Rockström, Nature, setembro 2009)) afirma que pode estar sob grave ameaça a longa era de estabilidade – conhecida como Holoceno – em que a Terra foi capaz de absorver de maneira mais ou menos suave as perturbações internas e externas. Um novo período, o Antropoceno, vem emergindo desde a Revolução Industrial e seu traço característico é a centralidade das ações humanas sobre as mudanças ambientais globais.


Apesar das advertências dos cientistas e das recomendações dos Relatórios do IPCC, os governos nacionais, reunidos todo ano para discutir a crise climática nas chamadas COP (Conferência das Partes), não tomaram medidas concretas e efetivas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. O Gráfico abaixo mostra a evolução da concentração de gás carbônico de junho de 1958 a junho de 2022.

O mundo caminha para uma crise civilizatória profunda que exigirá mudanças drásticas no modo de produção e no modo de vida. O atual modelo de produção industrial, seja capitalista ou socialista, é altamente poluidor. Nos países baseados no neoextrativismo e na economia primária voltada à exportação, os métodos predatórios de produção agropecuária e extração de matérias primas, como minérios, terão de ser modificados.


No caso do Brasil, o destaque cabe ao desmatamento, o grande vilão das nossas emissões de gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global. O desmatamento na Amazônia foi principal responsável pela elevação de 9,5% nos gases de efeito estufa verificada em 2020, indicam dados do Observatório do Clima, enquanto no mundo inteiro elas despencaram em quase 7% devido à pandemia de Covid-19.


Em julho de 2022, Relatório do Observatório do Clima aponta a mudança de uso do solo (relacionada ao desmatamento) como principal causa das emissões brasileiras para o período. De acordo com Tasso Azevedo, coordenador geral do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a principal fonte de emissão é a agropecuária, tanto por conta das emissões específicas, quanto ao desmatamento associado a essas atividades. Segundo ele, “em geral, no Brasil, cerca de 75% das nossas emissões estão vinculadas a esse setor da economia: o agronegócio”. Um estudo publicado em 7/3/2022 na revista Nature Climate Change afirma que a Amazônia se aproxima de um ponto em que a devastação será irreversível, ou seja, um “ponto de não retorno”.


Pelas projeções das Nações Unidas, teremos 200 milhões de refugiados do clima até 2050. Outras estimativas são ainda mais pessimistas: 1 bilhão de pobres vulneráveis sem

condições de sobrevivência. O Protocolo de Kyoto, firmado em 1997, considerava que 2% C de aquecimento global era o limiar da catástrofe: cidades inundadas, secas destrutivas, ondas de calor, furacões e monções, enfim os antes chamados “desastres naturais” vão se tornar regras e não exceção. Em 2016, o Acordo de Paris estabeleceu o aumento de 2º C como meta global para evitar desastres naturais, escassez de água e alimentos. Hoje, alguns cientistas afirmam que 2º C seria o melhor resultado possível.


Os países desenvolvidos são responsáveis por 77% de todas as emissões desde meados do século XVIII. As economias desenvolvidas, com uma pequena fração da população mundial, usam cerca de metade dos recursos globais e continuam a causar a maior parte da degradação ambiental. Enquanto isso, os 37% por cento mais pobres da população mundial responderam por apenas 7% por cento das emissões de CO2. Como o IPCC apontou: enquanto a África representa menos de 4 por cento das emissões de gases de efeito de estufa no mundo, este continente tem entre 70 milhões e 400 milhões de pessoas expostas à escassez de água causada pelas alterações climáticas.


A civilização do combustível fóssil ameaça a sobrevivência humana no planeta. Produz calor letal, fome pela redução e encarecimento da produção agrícola, destruição das florestas por incêndios, esgotamento da água potável, morte dos oceanos, tufões, inundações, ar irrespirável, pragas, colapso econômico, conflitos climáticos, guerras, crise de refugiados. A sobrevivência da humanidade está em risco pelo esgotamento, em futuro previsível, de matérias primas essenciais à vida humana, tendo em vista o uso abusivo de recursos naturais que destroem a biodiversidade e liberam gases de efeito estufa, com enorme impacto nas mudanças climáticas.


A História nos ensina que, entre os fatores que causaram o colapso de civilizações, o primeiro deles é a destruição ambiental. Para um grupo de pesquisadores da Universidade de Cambridge, os fatores para um possível declínio da humanidade estão visíveis: as mudanças climáticas, a degradação ambiental, as desigualdades econômicas e governos autoritários que atropelam os direitos civis, sociais e culturais. O “capitalismo tardio” e seu perverso modelo neoliberal não apenas exploram a maioria da população mundial, mas também destroem os recursos naturais necessários à vida humana.


As sanções, ainda brandas ou mesmo inexistentes, a serem aplicadas aos países que não cumprem os compromissos assumidos em conferências internacionais do clima, tendem a tornar-se mais severas, o que acabará punindo as exportações agrícolas brasileiras. Pela sua grandeza e biodiversidade, o Brasil poderia assumir liderança internacional no combate às mudanças climáticas.

Mas isso exige consciência da importância da sustentabilidade, ignorada pelos recentes Governos, principalmente pelo atual, comprometido exclusivamente com os interesses econômicos do mercado e com seu projeto autoritário de índole neofascista. Uma das principais tarefas que irão desafiar o novo governo Lula será assumir uma liderança mundial na defesa da sustentabilidade socioambiental para reduzir drasticamente a desigualdade social e os riscos que ameaçam a sobrevivência humana no planeta.

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