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Rússia x Ucrânia – 1 ano

Rússia x Ucrânia – 1 ano

*O alerta de Oliver Stone (2022)*Oliver Stone entrevista Vladimir Putin (2017)*Doc: Ucrânia em Chamas (2016)

O alerta de Oliver Stone em 2022 republicado em Russia Today:

 “É com muita emoção que vejo ódio puro dirigido à minoria russo-ucraniana. Trata-se de uma triste história que vem ocorrendo desde o golpe de estado de 2014 co-iniciado pelos Estados Unidos, que despojou a Ucrânia de sua neutralidade convertendo-a em um vespeiro de vozes anti-russas”, escreveu em 2 de maio de 2022, o cineasta e documentarista norte-americano Oliver Stone na sua conta no Twitter.

As observações de Stone, reproduzidas pelo site Rússia Today, estão ganhando grande repercussão mundial. O respeitado cineasta vem acompanhando há oito anos o desenrolar dos acontecimentos políticos na Ucrânia. E a série de entrevistas que fez, em 2017, com o presidente Vladimir Putin, em Moscou e adjacências, já naquela época preanunciavam os riscos geopolíticos dos acontecimentos que, finalmente, se concretizaram em conflito armado em 24 de fevereiro de 2022.

Hoje, Stone relembra ”os incêndios em Odessa, a perseguição aos direitos legais e assassinatos a jornalistas, prefeitos, políticos e cidadãos e a repressão contra partidos políticos de oposição ao governo”.

Importante ouvi-lo.

“Cerca de 14 mil pessoas inocentes foram assassinadas na Ucrânia desde então e nenhum desses crimes foram cobertos de modo sério pelos meios de comunicação ocidentais”, analisa o cineasta premiado com três Oscar. Agora, Stone desenha os possíveis cenários que Washington poderia levar a cabo organizando um ataque nuclear em Donbass para responsabilizar e culpar a Rússia por ele.

Stone chama a atenção para a advertência, nas últimas semanas, da subsecretária para Assuntos Políticos do Departamento de Estado dos EUA, Victoria Nuland, sobre o possível uso de armas nucleares por parte de Rússia nas suas operações militares, ameaçando que, caso isto ocorra, ”ela terá que pagar alto”.

Esta mensagem foi fartamente distribuída pelos funcionários da administração estadunidense e pelos meios de comunicação promovendo a ideia de uma ”Rússia nuclear”, constata Stone lembrando que Putin reafirma, a respeito da política nuclear russa, que esta não é tão agressiva ”como nossa (N.R. a americana) postura nuclear”.

“Por que repetir isto novamente? Então me perguntei: e se os Estados Unidos estão preparando o cenário para uma explosão nuclear de baixo rendimento, de origem desconhecida, em algum local da região de Donbass, que mate milhares de ucranianos”? ele escreve.

“Se isto ocorrer, que Deus não o queira, todos os olhos do mundo estariam treinados, como um cão de Pavlov, para culpar a Rússia. Uma culpa estabelecida de antemão, independente de quem tenha lançado o dispositivo”.

“Omite-se fatos principais quando não é conveniente. Tenha em mente que é difícil saber de onde é disparado um dispositivo nuclear especialmente em uma situação com movimentos rápidos como nesta guerra em que a Rússia pode ser acusada de qualquer comportamento sem importar o quanto ele possa ser repugnante”, continuou.

Stone assinala que é possível que a verdade seja exposta alguns dias depois do episódio, mas sublinha que neste caso ” a verdade não é importante”, já que os EUA estão ” levando a cabo uma guerra de percepção com grande habilidade e uma força contundente”.

Segundo o cineasta, o principal objetivo de Washington consiste em “isolar a China da Rússia para converter o país asiático no seu alvo seguinte. Creio que este é o cenário sonhado pelos anarquistas neoconservadores no nosso governo para fazer o que eles consideram um ‘mundo melhor’ baseado em regras

Oliver Stone entrevista Vladimir Putin

(Publicado em Carta Maior em 2017 e atualizado em 24/02/2023)

Muito além de uma caricatura grosseira 

As perguntas são muitas e embaraçosas no que se refere à guerra na Ucrânia. A primeira delas, na medida estritamente humana: quantos milhares de mulheres, homens, idosos, crianças, morreram nesse último ano nessa guerra? Quantos e como estão vivendo aqueles que se refugiaram no Ocidente? E na Rússia? Será que o impacto das sanções aplicadas contra a potência da Rússia foi eficaz? – não só no âmbito econômico, essencial, sim, mas também no ambiente geopolítico?  

E agora, um ano após o início da guerra, como o chamado ”Sul Global”, incluído o Brasil como uma das lideranças mais significativas, resistirá à formidável pressão desencadeada pela indústria armamentista ocidental? Conseguirá manter-se na neutralidade que deseja? Isso será possível? E as ideologias das direitas, no Ocidente, continuarão unidas assistindo a dissensões nas esquerdas? 

Desde o último dia 24 de fevereiro a pauta planetária é esta: estamos no limiar da Guerra Nuclear, a terceira guerra mundial e talvez a última, ou os contendores sentarão na mesa para negociarem a paz? 

A propósito, recolhemos três manifestações ligadas à cinematografia, de anos atrás para cá, que funcionam como contraponto de informação ao severo bombardeio atual da mídia corporativa ocidental posicionada pró-governo ucraniano/estadunidense que celebra com seus parceiros a continuação do massacre. 

A primeira lembrança, atualizada, é do dia 10 de outubro de 2017 quando Carta Maior publicou a resenha do documentário As entrevistas de Putin, um  encontro do diretor Oliver Stone com Vladimir Putin, em Moscou e nos arredores da cidade onde o presidente russo tem sua dacha, exibido no canal americano Showtime quatro meses antes.  

Na época, os direitos de exibição para o Brasil foram adquiridos pelo jornalista e escritor Fernando Morais e apresentado em uma série de quatro episódios. Trata-se de programa sugerido pela sua qualidade cinematográfica e pelo retrato respeitoso do presidente da Rússia.  

“Quando o apresentador da CBS, Stephen Colbert, entrevistou o cineasta Oliver Stone, há três meses, procurando desqualificá-lo com ironias baratas e criticando-o pela primorosa série de quatro episódios, Putin’s Interviews, que acabava de estrear nos Estados Unidos, a ignorância americana foi desafiada e exposta em um dos seus momentos mais ridículos”. Na ocasião, o respeitado jornalista John Wight escreveu isso no site Russia Today, na contramão da grosseira caricatura do presidente da Rússia vigente nos Estados Unidos. 

 “Assistir a série de documentários de Oliver Stone sobre Vladimir Putin é absolutamente necessário para que o público ocidental tenha uma visão da visão de quem governa a Rússia, o maior país da Europa, grande potência nuclear e alvo de profundas tensões decorrentes das diferenças geoestratégicas do país e da rivalidade com Washington nos últimos anos,’’ Wight acrescentou. 

A habilidade e o talento de Stone em conciliar a linguagem da televisão com a gramática cinematográfica lhe conferem controle efetivo na direção do filme e uma dinâmica peculiar nas sequências dos seus encontros com Putin, 63 anos*, avô e pai de três filhas cientistas. Foram 50 horas de conversas com ele e ao longo de quase dois anos: de julho de 2015 a fevereiro deste ano.  

Nos escritórios do presidente, no Kremlin, na dacha onde vive a 20 quilômetros de Moscou, visitando juntos museus, alimentando os seus cavalos, um rápido flash de sua presença no tradicional desfile militar do Dia da Vitória ( É emocionante,” Stone diz. “O orgulho das formações militares, sua precisão, a organização’’) e em outros momentos especiais: a visita (sozinho) ao mausoléu de Lênin; circulando pelas ruas da capital russa com Putin dirigindo carro e ele ao lado; no haras do presidente e os dois assistindo Dr. Strangelove, numa sala do Kremlin, filme que Putin nunca vira antes.  

No final da sessão, Stone oferece um DVD do filme de Kubrick a Vladimir (como chega a chamá-lo), mas o estojo, por um lapso da sua produção, está vazio. Ao que Putin revida, rindo e  divertido: ”Típico presente de americano”. 

Semelhante às matrioskas de várias camadas, essas entrevistas de Stone com Putin alternam senso de humor, cultura, inteligência e fina ironia dos dois lados.  

Vida pessoal, visão filosófica da vida, além de momentos significativos sobre assuntos reais e sensíveis da época. Snowden, terrorismo, espionagem de massa, traições entre aliados e geoestratégia – Ucrânia, Criméia, Síria, Chechênia, Albânia, Afeganistão. 

De pessoal, Putin lembra o pai, engenheiro morto na guerra defendendo Stalingrado, o irmão abatido no histórico cerco à cidade pelos alemães e fala da sua formação universitária na Faculdade de Direito. Comenta os netos, silencia sobre o casamento na juventude que perdura até hoje, e sobre a temporada em que trabalhou na KGB em Berlim Oriental. Ressalta sua paixão pelo judô que o ensinou a ser flexível – de corpo e de espírito, diz ele.  

Flashes dos diálogos: 

Sobre as diversas etnias que vivem na Rússia. ‘’Elas convivem sem conflitos. É um assunto delicado, mas aqui, pessoas de várias religiões e etnias são russos; não são imigrantes, como ocorre nos Estados Unidos. Sempre houve uma cultura de interação. Há feriados cristãos e muçulmanos, por exemplo, celebrados conjuntamente, no mesmo dia. ’’ 

Confiança entre parceiros. “É essencial. No Afeganistão, na Chechênia e na entrada da OTAN, na Albânia, ela foi perturbada. Tinha sido acertado que a atuação da OTAN na Europa não seria mudada. Tudo de boca. Na política tudo tem que ser escrito.”

Petróleo. A piada: sobre o roubo de petróleo por parte dos terroristas que atuam nas fronteiras da Turquia com a Síria, Stone pergunta: ‘’Você avisou ao Erdogan?’’ Putin, rindo:” É sempre um prazer conversar com você… ’’  

Ucrânia. “O timing dos protestos foi calculado. A grande violência, o massacre em Maidan, a criação do caos com a CIA de olho lá, e os atiradores de elite que mataram pessoas que protestavam. Quem eram eles? Até hoje não se sabe. Tínhamos informações que havia grupos armados pela OTAN treinados na Polônia. ’’ (Imagem da embaixadora Victoria Nuland, com voz frívola de festa, oferecendo sanduíches às idosas, na praça: ‘’quer pão? ’’) ’’Se isto não foi um golpe de estado, uma tomada do poder pela força… e a mídia enganando o tempo todo. Havia Soros, as ONGs dele, Nuland… ’’ 

A auto-armadilha americana. ‘’É preciso sempre um inimigo externo para justificar a permanência de um mundo unipolar. É o discurso permanente da política externa dos Estados Unidos. Há traços da mentalidade imperialista na sociedade americana. Mas os EUA acabam caindo numa auto-armadilha. ‘‘A estratégia americana é destruir a economia russa e neutralizar o poder nuclear dos russos, ’’ diz Stone. Putin, enfático, e repete isto três vezes: ‘’Pessoas que pensam assim não estão vendo o futuro daqui a 25 anos. ’’  

OTAN. Putin: ‘’O que nos preocupa são as ondas da expansão da OTAN na Ucrânia, Geórgia, nos países balcânicos. Quem disse que a guerra fria is over? (Imagem de Bush filho, bombástico, declarando: ‘A Rússia não é nossa inimiga!’ e logo depois desse discurso é instalada a barreira de antibalistícos rodeando e cercando a Rússia! É preciso diálogo para o equilíbrio nuclear porque no caso de guerra ninguém sobreviveria com ou sem escudos. ’’ 

URSS na Segunda Grande Guerra. Stone: ‘’Foi uma participação determinante para a vitória contra o nazismo. Os russos lutaram com valentia. ’’ Putin: ‘’Os russos lutaram até o ultimo suspiro, não até o ultimo tostão. Hoje, os russos não gastam 600 milhões de dólares na sua defesa, como ocorre com os Estados Unidos. ’’ 

Hillary. ‘’É uma neoconservadora. Fundamentalista. Repete que a Rússia é a ameaça número um aos EUA. Invocou questões de geopolítica no processo eleitoral. Foi um erro.” E adiante: ‘’Somos um país democrático mesmo que hoje demonizem a Rússia como fazia Catão, o Velho, no passado, com o seu Delenda est Carthago.’’ 

Machismo. A tradição machista é muito forte na Rússia, diz Stone. Putin replica: “Até certo ponto, sim.” 

KGB. Putin: ‘’Não espionamos tanto quanto os americanos, nem tanto quanto gostaríamos… A espionagem em massa deveria ser dirigida ao terrorismo e não a aliados. ’’ (Imagens de chefes de governos espionados pelos EUA. Dilma Rousseff e Angela Merkel entre eles.) 

Snowden. ‘’O Sr. Snowden é um peão nesse jogo. Aqui, ele vive seguro. ’’ Respondendo a Stone se concorda com o que Snowden fez.  Monossilábico,  diz: ‘’Não’’. 

Bernie Sanders.  Quem ganhará as eleições? pergunta Stone. Resposta: ‘’Os americanos escolherão aquele que eles mais merecem. ’’ O pequeno grupo da produção, atrás das câmeras, dá gargalhadas. ”E se for Sanders?” Putin: ‘’O importante é o peso que o presidente sente quando se senta no seu primeiro dia de eleito para trabalhar. ’’ Stone: ‘Você não respondeu minha pergunta.’’ Putin: ‘’Respondi, sim.’’ 

As grandes questões do mundo de hoje. ‘’Terrorismo, degradação do meio ambiente e pobreza.  

Em entrevista ao site Sputnik, Oliver Stone disse que não sabe se Vladimir Putin foi completamente aberto durante as entrevistas, mas ressaltou: “É um homem orgulhoso do seu país e trabalha firmemente em prol dos interesses da Rússia. Lamentavelmente, é criticado com frequência pelo ocidente, o que é injusto em muitos sentidos. Acho que ele se cansou de ouvir isso constantemente. Os russos se cansaram de ouvir o que os americanos ou europeus dizem porque eles simplesmente pensam de outro modo. ’’  

* Os quatro episódios com uma hora cada um estão no Youtube/Blog Fernando Morais. O Youtube retirou do ar o vídeo Ukraine on fire, produzido por Oliver Stone, que comenta o financiamento aos insurgentes que derrubaram o governo ucraniano em 2014 pelos americanos. O vídeo também explicita o trabalho subversivo da onipresente Victoria Nuland em Maidan. 

2016: Ucrânia em Chamas

Ukraine on Fire (Ucrânia em Chamas)* é um documentário de 2016 dirigido por Igor Lopatonok que apresenta Oliver Stone, o produtor executivo do filme, entrevistando figuras próximas da revolução ucraniana de 2014. Putin e Victor Yanukovich entre elas.

Sobre o seu trabalho, escreveu Lopatonok, que é nascido na Ucrânia, cidadão com dupla nacionalidade americana-ucraniana, que fez estudos universitários em seu país e hoje vive em Los Angeles:

“Eu era um defensor da revolução laranja na Ucrânia em 2004, mas com o tempo encontro cada vez mais evidências de que todas as “revoluções” foram roteirizadas e encenadas com muito dinheiro e governos estrangeiros e grupos não governamentais envolvidos. O resultado foi horrível para a Ucrânia. As pessoas perderam o seu sonho de democracia livre. Os democratas mostram tanta fome de poder e dinheiro que parecem muito piores que os antecessores”.

“Lembro de um amigo me telefonando de Odessa durante os primeiros dias do evento Euromaidan, em novembro de 2013 e me perguntando: “Onde está a cobertura da CNN?!” A cobertura foi entregue em seguida. Naquela época, novembro de 2013, eu e minha equipe já tínhamos começado a coletar imagens e evidências, mas mesmo em um pesadelo eu não imaginava esse golpe de estado tão sangrento e violento”.

Não posso chamar isso de revolução. Este foi um culpa d’ Itaú organizado, preparado, financiado e encenado, e todos que participaram desse evento procuravam seus próprios objetivos. Meus colegas ucranianos foram usados ​​como uma força contra o governo. Arranjou-se uma cobertura para essas ações, e a polícia e o governo foram responsabilizados, mas eles lutaram sem hesitar porque já havia sangue em suas mãos”.

Eu, como cidadão, não podia apenas sentar e assistir. Decidimos lançar alguma luz sobre os bastidores que trabalhavam com objetivos geopolíticos. Então, prestamos atenção a esse tipo de ação e encontramos um padrão comum em todo o mundo o que nos leva a uma séria conclusão: em um mundo livre as pessoas precisam saber como seus governos usam dinheiro de impostos para financiar jogos de mudança de regime”.

Minha maior preocupação é essa: somos tão estúpidos que vamos deixar nossas diferenças e ideologias colocarem o mundo à beira da 3ª Guerra Mundial? Podemos impedir nossos políticos de armarem perigosos jogos de poder? Acho que sim, se todos nós estivermos atentos e conscientes, e não ficarmos calados vendo neonazistas se apresentando como combatentes da liberdade, manipuladores de neoconservadores como  sendo neoliberais e usando não apenas os cidadãos da Ucrânia, mas todos nós, no mundo, para atingir seus objetivos”.

A encenação colorida de Maidan
Documentário Ucrânia em chamas é o roteiro de uma revolução teatral

(Publicado em 2022 no Facebook de Carta Maior e atualizado em24/02/2023)

Em 2016 foi lançado no Brasil o documentário de uma hora e meia, Ucrânia em chamas, que procurava, com seriedade, apresentar a revolução colorida que ocorrera na Praça Maidan, em Kiev, dois anos antes. O evento deixou um rastro de violência e de sombrias reminiscências históricas na região que ressurgiram com força. A desinformação midiática promovida pela aliança Otan/CIA/Estados Unidos tinha sido competente, e o Ocidente ia seguindo os acontecimentos dessa guerra híbrida com pasmo e ansiedade. Os eventos se atropelavam na Ucrânia e constituíam o foco de um momento de transição que se iniciava, o qual, como acontece em todas as épocas em processo de mudança, é nebulosa e até sombria.

Agora, diante de um novo clímax na crise que vem se desdobrando desde então, Ukraine on Fire volta a ser um filme novo em folha. Importante para ser (re)visto porque relembra, de modo atraente e com montagem ágil, as raízes históricas dos eventos atuais, na região, e as bases sobre as quais a tal revolução colorida de 2014 foi planejada e posta em prática.

Produzido pelo diretor americano Oliver Stone e dirigido por um amigo do cineasta, o americano-ucraniano Ígor Lopatonok, radicado na Califórnia, o doc desvenda a implicação dos EUA e da CIA no processo revolucionário em Kiev – com direito à célebre distribuição de sanduíches americanos para supostamente mitigar a fome da população, em plena Maidan, pelas mãos da vice-secretária de Estado americana para a Europa, Victoria Nuland. Uma imagem histórica, ridícula.

O documentário mostra a guerra sangrenta na região separatista pró-Rússia de Donbass, ao leste do país, e a reocupação da Península da Crimeia, único porto russo aberto durante todo o ano a despeito dos rigorosos invernos locais, e onde se situam estaleiros estratégicos para a Rússia.

Ígor Lopatonok e Stone repudiam a versão grosseira de “rebelião popular” vendida por organizações públicas financiadas pela ONG norte-americana NED (National Endowment for Democracy) e pelos jornalistas financiados pelos EUA, e discutem o que determinou as ações do presidente russo e do ex-presidente da Ucrânia Viktor Yanukovitch, derrubado no processo do euromaidan e hoje refugiado na Rússia.

Ambos estão no filme (transmitido na época pela TV russa), entrevistados em Moscou por Oliver Stone, assim como o célebre jornalista investigativo americano Robert Parry, falecido dois anos depois dessa sua participação no documentário.

Oliver Stone apresenta as revoluções ucranianas de 2004, a ”laranja”, e a de 2014 como revoltas instigadas e planejadas fora do país e com a participação dos EUA.

Para quem não lembra: Oliver Stone é o autor do clássico Platoon, sobre a guerra do Vietnã, do polêmico JFK, a pergunta que não quer calar, onde ele esmiúça os eventos que levaram ao assassinato do Presidente John Kennedy, de Snowden, herói ou traidor, de Wall Street e do doc As entrevistas de Putin, o seu longo encontro com Vladimir Putin, em Moscou e nos arredores da cidade, resultado de dois anos de viagens ao Kremlin.

Num rápido prólogo, o seu filme sobre a Ucrânia adverte: ”Quando se trata de política, qualquer que seja o assunto, o tema é sempre o dinheiro”. No caso, o crucial abastecimento de gás natural russo diretamente para a Alemanha através de um novo gasoduto, o Nordstream 2, já concluído (que não atravessa a Ucrânia), o qual contribui para enfraquecer a exportação do gás liquefeito americano para os europeus.

Ucrânia em chamas ressalta a profunda divisão ideológica, histórica, existente no país. Partidários da extinta União Soviética, hoje, da Rússia (população de origem e idioma russos) de um lado, e do outro, nacionalistas neonazistas, inimigos ferozes de Moscou, como as cruéis milícias Galitizien, de extrema direita, manipuladas e usadas pela inteligência norte-americana desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e o radical grupo Setor Direito.

No filme, outro lembrete importante: em 1946, os nacionalistas nazis ucranianos que lutaram junto com as tropas de Hitler, nunca foram levados para serem julgados em Nuremberg por pressão e obra da CIA.

Em uma entrevista a Stone, Putin comenta: ”Logo após a Ucrânia se tornar independente, começaram a privatização selvagem e o roubo escancarado da propriedade pública. O padrão de vida do povo ucraniano caiu imediatamente”.

Quando Stone pergunta se Yanukovitch “percebeu o dedo dos EUA” no levante de 2014, o ex-presidente responde: “Diversas delegações de países aliados aos americanos chegaram ao país e tomaram o partido dos manifestantes de Maidan, o que exacerbou o conflito”.

”Quando os manifestantes tomam prédios do governo, isso é aceitável? Seria aceitável se o embaixador ucraniano tivesse se aproximado dos manifestantes na cidade de Ferguson durante os tumultos de ruas nos Estados Unidos para distribuir biscoitos”? provoca Yanukovitch.

Em outra importante entrevista, o jornalista Robert Parry, célebre por ter coberto o caso Irã-Contras, fala sobre ”as ONGS que prepararam a revolução colorida de Kiev; algumas são entidades que, mais do que servir as pessoas necessitadas atendiam aos interesses de governos”.

”ONGs políticas e empresas de mídia financiadas pelos EUA surgiram a partir dos anos 80 e substituíram a CIA na promoção da agenda geopolítica dos EUA no exterior”, diz Parry.

Há oito anos, a ”revolução popular ucraniana”, assim vendida pela mídia ocidental, na verdade terá sido um golpe de Estado roteirizado e encenado por grupos nacionalistas radicais e pelo Departamento de Estado dos EUA.

Hoje, a crise, que nunca se resolveu, recrudesce com o governo desorientado de Biden necessitando criar novo conflito para neutralizar o fiasco da sua saída desonrosa do Afeganistão. Mas Putin parece que perdeu a paciência com as tropas da Otan cercando, cada vez mais, as suas fronteiras. E também porque a Rússia precisa dar um impulso à sua economia com o Nord Stream 2 funcionando rapidamente.

* O filme está disponível em Rede Brasil Atual e no YouTube. Foi retirado da Netflix

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