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Israel-Palestina: um affaire francês?

Israel-Palestina: um affaire francês?

Quando colonos judeus incendiaram a aldeia de Huwara em março deste ano, o general israelense Yehuda Fuchs denunciou o « terrorismo » dos extremistas judeus e classificou de « pogrom » o ato de limpeza étnica. Ele alertou que futuros enfrentamentos poderiam causar também vítimas israelenses.

Desde que comecei a cobrir de Paris, a partir de 2001, o « conflito » Israel-Palestina – como são designados na mídia ocidental  as recorrentes guerras, atentados e massacres desde a ocupação ilegal, do ponto de vista do direito internacional, da Cisjordânia e Gaza por Israel – entrevistei escritores israelenses, escritores e jornalistas franceses de origem judaica e pude constituir uma biblioteca especializada.
        Há alguns anos, os especialistas do « conflito » denunciam uma espécie de normalização da ocupação da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental (designada pela ONU, em 1947, como a capital do futuro Estado Palestino) e a naturalização do bloqueio de Gaza, enclave 100% controlado por Israel.
        A Faixa de Gaza, onde vivem 2,4 milhões de pessoas, é um verdadeiro gueto, a « maior prisão a céu aberto » do mundo. Mas a situação dos habitantes de Gaza não emociona os governos do Ocidente, que deixaram de se preocupar com o principal problema do Oriente Médio. De vez em quando, desde 2008, Israel bombardeia Gaza até uma volta à « normalidade » do status quo e à invisibilidade dos palestinos.
        Dia 7 de outubro deste ano, o mundo redescobriu o « problema palestino », como alguns comentaristas designam a ocupação por Israel, desde 1967, da Cisjordânia, de Gaza e de Jerusalém Oriental. Gaza foi desocupada pelos colonos judeus em 2005, por iniciativa de Ariel Sharon, e se transformou num gueto palestino depois que o Hamas venceu as eleições de 2006, passando a governar Gaza a partir de 2007.
        A realidade da ocupação colonial cada vez mais acelerada da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental vinha sendo ocultada pelo Ocidente – Estados Unidos e Europa em total sintonia – que ignorava sem grandes consequências a opressão e as mortes de palestinos na Cisjordânia, onde o exército executa adultos e crianças em confrontos cada vez mais violentos.
        Quando colonos judeus incendiaram a aldeia de Huwara em março deste ano, o general israelense Yehuda Fuchs denunciou o « terrorismo » dos extremistas judeus e classificou de « pogrom » o ato de limpeza étnica. Ele alertou que futuros enfrentamentos poderiam causar também vítimas israelenses.
        Dia 7 de outubro, o Hamas atacou Israel de maneira espetacular e inesperada, superando muros e barreiras considerados inexpugnáveis, matando centenas de israelenses e fazendo  203 reféns.
        Terrorismo ou resistência?

BBC SE EXPLICA

        A BBC não designa o Hamas como grupo terrorista.       
        O grupo Britânico de Comunicação explicou a seus ouvintes através do redator-chefe do Serviço Internacional do grupo de mídia público, John Simpson, que “terrorismo é uma palavra carregada de significado que as pessoas utilizam para designar um grupo que eles desaprovam moralmente”. E acrescentou: “Não cabe à BBC dizer às pessoas quem elas devem apoiar ou condenar, quem são os bons e quem são os maus. Deixamos claro que o governo britânico assim como outros condenaram o Hamas como uma organização terrorista mas isso é um problema deles. Nós fazemos entrevistas com pessoas diversas e citamos os que qualificam o Hamas como terrorista”.
        A BBC é um dos poucos órgãos de comunicação que não cedeu às pressões para designar o Hamas como « grupo terrorista » e um dos raros que mantêm um correspondente em Gaza, Rushdi Abu Alouf, que ainda enviava reportagens, apesar das dificuldades extremas como falta de água, de eletricidade e dos constantes bombardeios.

MARINE LE PEN, A FILOSSEMITA

        A partir de 8 de outubro, um debate acalorado passou a sacudir a França: “O ataque do Hamas penetrando em território israelense e matando centenas de pessoas é terrorismo ou resistência?”
        Esta questão foi um divisor de águas no país que tem a maior comunidade judaica e a maior comunidade de muçulmanos da Europa. Depois de ter por muito tempo uma política clara de apoio a uma solução com dois Estados, vivendo lado a lado pacificamente, a França foi se alinhando cada vez mais a Israel, desde o governo de Nicolas Sarkozy.
        O presidente Macron, que combate a extrema-direita em casa, recebe Benjamin Netanyahou com tapete vermelho, sem considerar que ele representa  a extrema-direita racista e colonialista de Israel, que não tem outro objetivo senão a anexação de fato da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental. Gaza seguiria como um gueto espremido entre o Egito e Israel. Com a vitória do Hamas nas eleições de 2006 e o consequente bloqueio total da parte de Israel, o enclave recebeu toneladas de bombas em 2008, 2012, 2014 e 2021, nas chamadas « guerras de Gaza », que destruíram infra-estruturas de saúde, educação, transportes e mataram milhares de palestinos.
        Inicialmente, o governo francês proibiu toda manifestação pró-Palestina até ceder à decisão de autoridades jurídicas que julgaram a medida contrária à  liberdade de expressão.
        O partido « La France Insoumise » sofre desde o dia seguinte do ataque do Hamas a Israel um linchamento midiático porque Jean-Luc Mélenchon ousou lamentar o ataque e as mortes israelenses sem chamar os atacantes de “terroristas”.
        Ora, tanto a União Europeia quanto os Estados Unidos consideram o Hamas (que governa Gaza desde 2007) como um grupo terrorista. Desde o início desta nova guerra, o debate político na França ficou poluído pela caça às bruxas (os deputados insubmissos do partido de Mélenchon) que não designaram o Hamas como um “grupo terrorista”, mas condenaram o ataque e os mortos civis israelenses.
        A França fez do conflito mais desequilibrado do planeta (de um lado, uma potência nuclear que tem um dos maiores e mais bem equipados exércitos do mundo e, do outro, um povo que luta com armas limitadas, fabricadas em túneis de Gaza) um divisor de águas de política interna para combater a esquerda e a Nupes (Nouvelle Union Populaire Écologique et Sociale). Os socialistas, comunistas e ecologistas – que fazem parte da união das esquerdas que se prepara para enfrentar a extrema-direita nas próximas eleições – se afastaram de Jean-Luc Mélenchon por discordarem de suas posições consideradas “ambíguas”. Ele sempre teve posições claras de defesa do Estado Palestino, como muitos intelectuais franceses de origem judaica.
        A explosão da Nupes é vista com grande satisfação por Marine Le Pen, que se apressou em denunciar o Hamas como “grupo terrorista islamista” e declarar seu apoio incondicional a Israel, tentando apagar o passado de seu partido fundado por seu pai, diversas vezes acusado de antissemitismo.
        Marine Le Pen e o novo presidente do Rassemblement National (ex-Front National), o jovem e ambicioso Jordan Bardella, aparecem agora como os mais filossemitas entre os franceses.
        Uma forma de se alinhar a Israel, tentando transformar um problema colonial em cruzada contra o islamismo radical, obsessão  da extrema-direita francesa.

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