COP 27: êxito ou fracasso?
Na COP 27, mais uma vez o lobby do combustível fóssil mostrou seu poderio. O acordo final falha ao ignorar a necessidade de propor o fim dos combustíveis fósseis. A meta de não ultrapassar 1,5º na temperatura global está ameaçada. As consequências para a humanidade seriam catastróficas.
A 27ª Conferência das Partes (COP), organizada pela ONU, foi realizada de 6 a 20 de novembro de 2022 em Sharm El-Sheikh, no Egito. As duas semanas de negociações deram origem a um acordo final “minimalista” que decidiu pela criação de um fundo para os danos irreversíveis causados pelo aquecimento global. Mas a eliminação dos combustíveis fósseis não é mencionada no texto. Um do pontos mais importantes dessa COP foi o discurso do presidente Lula, aclamado e reconhecido internacionalmente como estadista.
As Conferências do Clima da ONU foram tachadas de “fábrica de lentidão” por Amy
Dahan, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França. Ela pede mecanismos para obrigar os países a respeitarem seus compromissos climáticos, sob pena de sanções (Media Part, 20/11/2022).
A COP 27 teve o grande mérito de reconhecer pela primeira vez a necessidade de ajudar financeiramente os países mais vulneráveis a enfrentar os danos causados pelo aquecimento global, já que sofrem os impactos climáticos causados pelas emissões dos países desenvolvidos. Pela primeira vez, foi reconhecida a necessidade de ajudar financeiramente os países mais vulneráveis. “A COP27 fez o que nenhuma outra COP fez”, disse Mohamed Adow, diretor executivo da ONG Power Shift Africa (Le Monde, 20/11/2022). Os Estados vulneráveis têm insistido na cobrança da “dívida climática”: eles são as principais vítimas de secas, inundações ou furacões, que causam perdas humanas e econômicas, embora tenham contribuído menos para as emissões de gases de efeito estufa.
Mas a grande decepção foi que, mais uma vez, os 196 países presentes não conseguiram ou não quiseram enfrentar os impactos ambientais causados pelos combustíveis fósseis. Ou seja, nenhum avanço em matéria de combate às mudanças climáticas. Apesar das conclusões do último Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a decisão final da COP27 não menciona um pico de emissão de gases de efeito estufa até 2025 e não compromete os países a reduzir drasticamente suas emissões.
Além disso, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) estão abaixo do que deveriam para que seja cumprida a meta do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C. Segundo a plataforma Climate Watch, mantida pela World Resource Institute (WRI), 99 países fortaleceram seus compromissos assumidos no Acordo de Paris em 2015. Alguns, infelizmente, não fizeram nada, inclusive o Brasil. Embora tenha havido melhorias em relação às NDCs anteriores, os atuais compromissos climáticos reduzirão as emissões atuais em apenas 7% até 2030, percentual muito inferior à meta de 43% em relação aos níveis de 2019.
As emissões globais de gases de combustíveis fósseis provavelmente atingirão níveis recordes em 2022 e não mostram sinais de declínio. A tendência coloca os países ainda mais longe de sua meta de conter o aquecimento global. Este ano, os países deverão emitir cerca de 36,6 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO₂) que aquece o planeta devido à queima de carvão, gás natural e petróleo para geração de energia, conforme dados do Global Carbon Project. Isso é 1% a mais do que o mundo emitiu em 2021 e um pouco acima do recorde anterior em 2019, que ocorreu antes de a pandemia de coronavírus causar uma queda temporária no uso e nas emissões globais de energia.
Um relatório recente da Agência Internacional de Energia afirma que a demanda global por combustíveis fósseis provavelmente atingirá o pico e depois se estabilizará em algum momento desta década. Uma das principais razões é que muitos governos responderam à Guerra da Ucrânia adotando políticas para começar a se desligar do petróleo, gás e carvão. A agência também calculou que o aumento deste ano nas emissões de combustíveis fósseis teria sido três vezes maior se não fosse a rápida implantação de turbinas eólicas, painéis solares e veículos elétricos em todo o mundo.
Assim, em que pese reconhecer o avanço na decisão de obrigar os países desenvolvidos a contribuir financeiramente para compensar as perdas e danos dos países vulneráveis, do ponto de vista da necessidade imperiosa de reduzir as emissões de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global, a COP 27 foi um fracasso ao não apresentar avanços em relação à COP 26 , realizada em 2021 em Glasgow, na Escócia, quando se esperava avançar em objetivos setoriais para acelerar a redução das emissões.
Na COP 27, mais uma vez o lobby do combustível fóssil mostrou seu poderio. O acordo final falha ao ignorar a necessidade de propor o fim dos combustíveis fósseis. A meta de não ultrapassar 1,5º na temperatura global está ameaçada. As consequências para a humanidade seriam catastróficas.
Em 2002, o historiador John McNeill alertou que a humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso total da capacidade de o planeta suportar as atividades humanas. (Something New Under the Sun, McNeill, 2002). Os eventos climáticos extremos não cessam de confirmar sua advertência: secas, inundações, desertificação, temperaturas excessivas, desastres naturais, refugiados ambientais.
Em advertência mais recente, o cientista britânico sir David King, fundador do Centro de Reparação Climática da Universidade de Cambridge, declarou: “O que nós faremos nos próximos cinco anos vai determinar o futuro da humanidade no próximo milênio. É sério assim: esta é nossa última chance” (Piauí, 28/10/2021). A situação é grave, a humanidade pode vir a estar ameaçada, mas os fatos da realidade vêm sendo desprezados pela ignorância de uns e a ganância de outros.
Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela PUC-RIO.