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Consciência Negra: Movimento e Universidade

Consciência Negra: Movimento e Universidade

Marina Mello, Luciana Alves, Milton Barbosa, Simone Nascimento, Regina Lúcia e Diana Mendes (Foto: Leonardo Rodrigues)

Movimento Negro Unificado (MNU) estreia, neste 20 de Novembro, a série de entrevistas do Observatório de Violência Racial (OVIR) sobre “as singularidades de quem se organiza, luta e resiste tendo como pauta a igualdade étnico-racial’ no país.


20 de Novembro é Dia da Consciência Negra. 

Data marcada pelo assassinato de Zumbi dos Palmares, em 1695, a mando do governador da capitania de Pernambuco, atual Alagoas. Seu crime? Ter liderado, ao longo de quinze anos, o maior foco de resistência à escravização dos povos africanos, inclusive, promovendo ações para libertar as pessoas na então colônia portuguesa. Em seu auge, e sob o comando de Zumbi, Palmares chegou a abrigar mais de 30 mil pessoas.

Um legado de força e resistência que atravessa os séculos.

Em 1971, o Coletivo Palmares de Porto Alegre sugeria a adoção do “20 de novembro” como Dia Nacional da Consciência Negra. A proposta ganharia força apenas sete anos depois, durante o ato público de 7 de julho de 1978, organizado pelo Movimento Negro Unificado (MNU) que, em plena ditadura, conseguiu reunir duas mil pessoas nas escadarias do Theatro Municipal, em São Paulo.

Criado, dias antes, em 18 de junho de 1978, foi neste ato que o MNU abraçou a proposta do Dia da Consciência Negra, apresentando um programa de ações e um manifesto, lembra Milton Barbosa, fundador do MNU e um dos organizadores do ato.    

Miltão, como é chamado, participou, em setembro deste ano, juntamente com a educadora social Regina Lúcia dos Santos e a deputada estadual eleita Simone Nascimento (PSOL) de um encontro organizado pelas professoras Diana Mendes, Luciana Alves e Marina Mello do Observatório de Violência Racial (OVIR), do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) na Unifesp.

A conversa, de quase três horas, é a primeira de uma série de entrevistas do OVIR que buscarão analisar “as singularidades de quem se organiza, luta e resiste tendo como pauta a igualdade étnico-racial’, como detalham as professoras no artigo “Quem movimenta o Movimento”, publicado na última edição do Boletim OVIR (acesse a íntegra aqui).

Origens 

“Uma casa parecida com essa”, comenta Miltão, ao relembrar como eram as reuniões na casa do sociólogo Florestan Fernandes, nos anos 1970. “A gente ia lá fazer reunião com ele. Um cara avançado, por exemplo, “A Integração do Negro na Sociedade de Classes” ainda é a perspectiva do branco sobre o negro. Foi a discussão com o movimento negro que mudou a cabeça dele”, avalia.

Em 1978, ano de surgimento do MNU, Miltão atuava no Centro Cultura e Arte Negra (CECAN), co-fundado pela atriz, teatróloga e ativista Thereza Santos. É quando chega a notícia do assassinato de Robson Silveira da Luz, comerciante negro e pai de família, perseguido por um policial branco e torturado por 14 horas na 44ª.Delegacia de Guianases.

A comoção em relação à morte de Robson, em plena ditadura militar, aliada a outros episódios de racismo explícito, levou à organização do grande ato no Municipal pelo MNU, que acabava de ser criado, em 18 de junho. A maior dificuldade, conta Miltão, foi conter os manifestantes para que eles não embarcassem na provocação da polícia que, dentro das viaturas, provocavam. “Nós tínhamos que garantir a manifestação”.

Eles inclusive conseguiram, por intermédio da jornalista Mirna Grzich, uma ampla cobertura de mídia nacional e internacional, repercutindo entre os brasileiros que estavam no exílio. O ato no Municipal foi “de fundamental importância e daria rumo para a luta toda, em nível nacional. Infelizmente, por ter o racismo introjetado, a esquerda não percebeu a importância que era essa questão” naquele momento, avalia.

Milton Barbosa, Simone Nascimento e Regina Lúcia dos Santos (Foto: Leonardo Rodrigues)

Educadora social e militante do MNU, Regina Lúcia dos Santos chegou ao Movimento em meados de 1990, após uma trajetória de militância nos movimentos estudantil, sindical, de mulheres, a começar pelas mobilizações contra a carestia que marcaram a vida nacional. 

Destacando o papel central do MNU na sua conscientização política e letramento racial, ela cita o peso de figuras como a atriz e dramaturga Thereza de Souza, e do sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira, professor de Ciências Sociais da USP, na formação dos grupos que fundaram o MNU.

Autor de O mulato, um obstáculo epistemológico”, artigo publicado em 1974 na revista Argumento, Oliveira e Oliveira organizou o primeiro encontro de acadêmicos negros na USP, e foi o escolhido pelos jovens do recém fundando MNU, para convencer Erasmo Dias, o poderoso Secretário de Segurança Pública de São Paulo, a autorizar o ato na frente do Municipal.

Dez meses antes, em setembro de 1977, Erasmo Dias havia comandado a brutal invasão na PUC-SP.  Como lembra Regina, militar na Ditadura era correr riscos, ainda mais a militância negra. “Na ditadura você não podia se indispor. O pessoal classe média até tinha uma rede de proteção, mas o povo preto e pobre, ´dançou está dançado´”. O fato é que Oliveira e Oliveira conseguiu a autorização.

Em meio às leituras e conversas com os militantes do MNU, Regina viveu o seu processo de letramento racial. Ela conta ter se percebido negra, ao reparar que, contrariamente com o que acontecia com suas amigas brancas, ela “era cobiçada do ponto de vista sexual, mas preterida do ponto de vista emocional” em suas relações afetivas. 

Horizontes

Uma experiência diferente da vivida por Simone Nascimento, militante do movimento negro, filiada ao MNU. No seu caso, a consciência racial começou na identificação com as mulheres negras de sua família, em particular, a sua mãe, “uma mulher negra muito bonita”, orgulha-se.

 Simone Nascimento (Foto: Leonardo Rodrigues)

Nascida em Pirituba, na periferia de São Paulo, já no colégio, ela teve contato com as ações da ONG Viração, despertando o interesse pelo jornalismo, área em que se formou na PUC-SP.

Além da Comunicação, outra descoberta impactou a adolescência: a sua primeira Marcha da Consciência Negra, que descobriu existir, graças a um professor de Filosofia, no Ensino Médio. 
Ali, Simone compreendeu que existiam pessoas que lutavam contra o racismo no país, e que ela também poderia fazer isso. 

“Eu sabia que sofria racismo desde o berço, por estar com a minha mãe sendo perseguida em mercado, em loja. Pelos desabafos dela, que foi empregada doméstica e é doceira. Por todas aquelas coisas entre uma mãe e sua filha. E ela só tem você de amiga praticamente, porque ela só trabalha. Eu fui entendendo o que as mulheres negras sofrem pelas próprias mulheres negras”.

“Eles quiseram frear a gente”

Primeira da família a ingressar numa universidade, a PUC-SP, a “jovem negra da quebrada, feminista e anticapitalista” já articulava os colegas negros, colando cartazes pelo prédio da universidade, questionando: “Onde estão os estudantes negros da PUC?” E assim surgia o segundo coletivo negro na história da PUC de São Paulo. Militante no movimento estudantil, ela chega à diretoria da UNE em um momento muito especial: quando começa a implementação das cotas em todo o país, durante os governos petistas.  

“Quando eu entro, a UNE está diferente, porque ali estavam outros estudantes negros, fruto desse mesmo processo das federais e do PROUNI, que agora são diretores da UNE”. E ela relata o impacto desse processo. “A gente começou a receber uma série de estudantes negros, e começa a explodir coletivos de estudantes negros em todo o Brasil”.

Um cenário de transformações, também, na ação do movimento estudantil que passa a focar mais na questão da permanência do estudante na universidade e no acesso. “Os estudantes negros começam a fazer grupos de estudos” e a fundar uma série de coisas” e, em meio à eferverscência, a história se refaz…

No ano do golpe, ela ajuda a organizar o “maior encontro de estudantes negros da UNE”, reunindo duas mil pessoas, agora, na Universidade Federal da Bahia, a UFA, em Salvador.  “No pré-golpe de Temer, os estudantes negros estavam no ascenso ali. Eles quiseram frear a gente”. 

Nas eleições deste ano, Simone Nascimento foi eleita deputada estadual pela bancada coletiva de mulheres negras do PSOL. E a história continua…

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Confira a íntegra do BOLETIM OVIR

https://www.unifesp.br/reitoria/caaf/images/CAAF/OVIR/BOLETIM_UM_OVIR_FINAL_11_2022_RED.pdf

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