Lula e o meio ambiente
Convidado pelo presidente do Egito, Lula, como presidente eleito do Brasil, vai à Conferência do Clima, a COP-27, em Sharm el-Sheikh, Egito, de 6 a 18 de novembro. Na prática, vai atuar como presidente de fato e influenciar a delegação brasileira.
Convidado pelo presidente do Egito, Lula, como presidente eleito do Brasil, vai à Conferência do Clima, a COP-27, que se realizará na cidade de Sharm el-Sheikh, Egito, de 6 a 18 de novembro. Na prática, Lula vai atuar como presidente de fato e influenciar a delegação brasileira. Afinal, o atual presidente se tornou o que na gíria política norteamericana se chama “lame duck”, pato manco. Mas essa expressão não é adequada à nossa atual situação. Nem manco esse pato anda.
Depois de quatro anos anunciando golpe e estimulando rebelião, na hora H o presidente recuou por falta de apoio político e militar. Incentivou a organização e ação de bloqueio de estradas por parte de caminhoneiros, financiados por empresários bolsonaristas, mas acabou dando meia volta. Quis dar uma no cravo, outra na ferradura. Anunciou ser contra o bloqueio e tentou não desagradar sua radicalizada base de apoio, alimentada há anos com mensagens insurrecionais.
O novo governo já começou a funcionar com a equipe de transição coordenada pelo vice-presidente Alckmin. Enquanto isso, Lula vai reassumir seu protagonismo internacional na luta contra a crise climática durante a COP-27. Muitos analistas afirmaram que o caminho mais rápido e eficaz para Lula assumir posição de destaque na política internacional é atacar o problema das mudanças climáticas que, no atual Governo, foi desprezado e levou à desmoralização do Brasil em todo o mundo.
Ao aceitar o convite para ir à COP-27, Lula declarou: “Em nosso governo, fomos capazes de reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia, diminuindo de forma considerável a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia.” E a ex-Ministra Marina Silva afirmou: “A questão climática agora é uma prioridade estratégica do mais alto nível de governo”.
Novos tempos. No primeiro governo Lula, um Ministro, cujo nome a prudência recomenda omitir, afirmou que meio ambiente é entrave ao desenvolvimento. Em seu discurso após a proclamação do resultado eleitoral pelo TSE, Lula declarou: “O Brasil está pronto para retomar o protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a floresta amazônica”. Mais adiante, afirmou que “uma árvore em pé vale mais do que toneladas de madeira extraídas ilegalmente por aqueles que pensam apenas no lucro fácil, às custas da deterioração da vida na Terra”. E prosseguiu: “quando uma criança indígena morre assassinada pela ganância dos predadores do meio ambiente, uma parte da Humanidade morre junto com ela”. Como proposta, declarou: “vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia e combater toda e qualquer atividade ilegal, seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida”.
Lula deverá se encontrar em novembro com António Guterres, secretário-geral da ONU, para o lançamento de uma iniciativa internacional de combate às mudanças climáticas, tendo em vista a gravidade da crise. As concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera atingiram níveis recordes em 2021, de acordo com o boletim anual divulgado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) em 26 de outubro último. Este efeito estufa adicional leva a um aumento da temperatura global, à multiplicação de eventos extremos como secas, inundações, terremotos, furacões e até inundações de áreas e cidades costeiras pelo aumento do nível do mar, ameaçando a sobrevivência de países insulares.
A concentração de CO2, o principal gás de efeito estufa, atingiu um nível nunca visto há mais de 2 milhões de anos. As concentrações de metano, o segundo gás de efeito estufa, tiveram um aumento “excepcional”, segundo a OMM. No entanto, após breve redução durante a pandemia, o recorde de 2021 já era esperado, pois as concentrações decorrem das emissões de CO2, que continuam a aumentar como resultado das atividades humanas, em particular a exploração de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) e o desmatamento. Segundo Pierre Friedlingstein, diretor de pesquisa do CNRS, na França, somente a neutralidade de carbono, ou seja, o princípio segundo o qual as emissões não devem exceder a capacidade de absorção dos sumidouros naturais (florestas, oceanos etc.) permitirá que a concentração de CO2 se estabilize e depois diminua lentamente na atmosfera.
Após a vitória de Lula na eleição, a Noruega declarou que retomará a ajuda financeira ao Brasil contra o desmatamento da Amazônia, congelada durante o governo Bolsonaro, segundo anunciou em 31 de outubro último o ministro norueguês do Meio Ambiente. A Noruega era a maior doadora do Fundo Amazônia, responsável por 93,8% do total das verbas. Entre 2008 e 2018, repassou US$ 1,2 bilhão para o Brasil prevenir, monitorar e combater o desmatamento. O ministro da Noruega, Espen Barth Eide, lembrou que o desmatamento no Brasil caiu sob a Presidência de Lula — na Floresta Amazônica, a queda foi de 80% entre 2004 e 2012. Já com Bolsonaro, nos três primeiros anos do governo, houve um aumento de 73% no desmatamento, que ele descreveu como “escandaloso”.
A Alemanha, o segundo maior doador, com 5,7% do total, também suspendeu os repasses e agora anunciou a retomada da contribuição ao fundo de proteção da floresta. O fundo tem atualmente R$ 2,5 bilhões em recursos, congelados desde 2019, quando o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, extinguiu seus comitês gestores sem consultar os países financiadores. O STF, em 3/11/2022, determinou a volta do Fundo Amazônia, parado desde 2019.
No Brasil, as emissões de gases causadores do efeito estufa tiveram em 2021 sua maior alta em 19 anos, segundo relatório divulgado recentemente pelo Observatório do Clima. Os vilões são a energia, a pecuária e, principalmente, as taxas recordes de desmatamento na Amazônia durante o governo Bolsonaro — no ano passado, a destruição dos biomas brasileiros poluiu mais a atmosfera que todo o Japão. Em 2021, o Brasil emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de dióxido de carbono (CO2). O volume representa cerca de 4% das emissões planetárias, atrás apenas de China, EUA, Índia e Rússia. As emissões brutas brasileiras em 2021 foram 12,2% mais altas que em 2020, segundo os dados compilados pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima. As emissões líquidas cresceram 17%.
Ainda segundo o Observatório do Clima, a emissão bruta per capita dos brasileiros é de 11,4 toneladas de CO2, acima da média global de 6,7 toneladas, mas os números variam bastante conforme a região, indo de 2 a 94 toneladas — a meta global é que o índice se aproxime de uma tonelada de CO2 por habitante em 2050. O número brasileiro é similar ao chinês, de 9 mil toneladas, menor que o dos EUA, onde o número chega a 18 mil, e mais que o dobro do indiano, de 4 mil. Os Estados que mais emitem são Pará, devido às mudanças no uso da terra, seguido por Mato Grosso, graças à agropecuária, São Paulo e Amazonas. A destruição dos biomas brasileiros por si só foi responsável por lançar 1,19 bilhão de toneladas brutas de CO2 na atmosfera em 2020.
As emissões cresceram em todos os setores, exceto resíduos, mas 49% delas vieram de mudanças no uso da terra, ou seja, causadas pelo desmatamento. O Brasil contraria as promessas feitas na COP 26 e confirmadas à ONU em abril deste ano: cortar as emissões em 37% até 2025, em comparação com 2005, e reduzi-las pela metade até o fim da década. E está longe de zerar o desmate ilegal, como disse que faria nos próximos seis anos. A área mais devastada é principalmente a Amazônia. Nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, a área desmatada cresceu 73%, segundo dados do sistema Prodes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Ainda segundo o Observatório do Clima, outros biomas também sofrem, já que os gases-estufa emitidos pela destruição da Mata Atlântica e do Cerrado subiram respectivamente 65% e 4%. O desmate não é o único vilão, já que as emissões do setor de processos industriais e usos de produtos cresceram 8,2%. No setor de energia, o incremento foi de 12,2%, o maior desde 1973. O setor energético emitiu 435 milhões de toneladas de CO2 em 2021, contra 387 milhões do ano anterior.
A agropecuária também teve as maiores emissões de sua série histórica, após um crescimento de 3,8%: foram 601 milhões de toneladas de CO2, contra 579 milhões em 2020. A África do Sul inteira polui menos que todo o agro brasileiro. A maior responsável pelo recorde é a pecuária, que representa 79,4% das emissões do setor, após o rebanho bovino aumentar 3,1% em 2021, três vezes mais que a média dos últimos 18 anos, chegando ao record de 224 milhões de cabeças. O arroto desses animais, contudo, é responsável por quase um terço de todas as emissões globais de metano, gás que é até 80 vezes mais potente que o CO2 no aquecimento do planeta. O aumento vai na contramão de outro pacto assinado pelo Brasil no ano passado, em que 103 nações se comprometeram a cortar em 30% as emissões de metano até 2030.
Como se vê, o Brasil chega com péssima reputação na COP-27, mas a presença de Lula, como presidente eleito, sinaliza ao mundo seu compromisso com uma nova política de desenvolvimento sustentável com proteção ambiental e redução da desigualdade social. Na realidade, as Conferências da ONU sobre clima sempre ficam muito aquém do mínimo necessário para a redução do aquecimento global. Mesmo assim, as resoluções nem sempre são cumpridas pelos países membros, como foi o caso do Brasil, e de muitos outros países. Segundo a ONU, metas climáticas dos países reduzem em menos de 1% as emissões de gases-estufa projetadas para 2030.
Manda a praxe, porém, que o Secretário Geral das Conferências sobre Clima divulgue declarações otimistas e esperançosas. Algumas vezes, chegam a enxugar gelo, como foi o caso da atual secretária executiva da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC), Patrícia Espinosa. Ela declarou há alguns meses que, se quisermos alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e, em última análise, a meta de 1,5 grau, precisamos acelerar as ações.
O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS) enviou carta ao presidente Lula pedindo que o Brasil seja recolocado no centro das negociações climáticas globais. A carta do FBOMS pede que Lula sinalize a vontade de o Brasil sediar a COP 30 em 2025. Segundo o sistema de rodízio, a América Latina deverá receber o evento daqui a três anos. O Brasil deveria ter sediado a COP 25, em 2019, mas o governo Bolsonaro recusou alegando restrições orçamentárias. A carta destaca ainda a Convenção de Diversidade Biológica, a COP15, a ser realizada de 5 a 17 de dezembro no Canadá, afirmando que o Brasil, por abrigar expressiva diversidade de espécies e ecossistemas, deve voltar a ter participação significativa nas negociações globais sobre biodiversidade.
Lula está destinado a assumir uma importante liderança internacional em matéria de meio ambiente, e não só. Sua estreia na COP-27 é o primeiro passo dessa nova caminhada que vai elevar o Brasil à posição de destaque que merece ter e que perdeu pelo desastre do governo neofascista que agora termina.
Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela PUC-RIO.