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Um mega-porto industrial e energético que não contribui com o desenvolvimento local

Um mega-porto industrial e energético que não contribui com o desenvolvimento local

Com apenas dez anos de operação, o porto do Açu já é o segundo maior porto de transporte de cargas do Brasil, mas, até agora, pouco contribuiu para o desenvolvimento local.

POR MÁRIO OSAVA

SÃO JOÃO DA BARRA, Brasil – Com apenas dez anos de operação, o porto do Açu já é o segundo maior porto de transporte de cargas do Brasil e tem ambições de se tornar um polo industrial e de transição energética. Mas, até agora, pouco contribuiu para o desenvolvimento local e deixou danos ambientais e sociais.

O mega-projeto, apresentado como “o maior complexo industrial e portuário privado de águas profundas da América Latina”, ocupa 130 quilômetros quadrados no município de São João da Barra, a cerca de 30 quilômetros da cidade e 320 quilômetros a nordeste do Rio de Janeiro, no estado com o mesmo nome.

Canaliza 30% das exportações de petróleo do Brasil e 24 milhões de toneladas de minério de ferro transportadas por um oleoduto de 529 quilômetros de comprimento a partir da mina da filial brasileira da transnacional britânica Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, um município do vizinho estado de Minas Gerais, no sul do país.

Em 2023, 84,6 milhões de toneladas de carga passaram por este porto, 27% a mais do que no ano anterior. O crescimento é em média de 30% ao ano desde o início das operações em outubro de 2014, conforme a sua gestão.

“Aqui se chega e se parte por mar e terra sem as filas de caminhões que afetam outros portos, como o de Santos”, o maior do Brasil, localizado no vizinho estado de São Paulo, contou Eugenio Figueiredo, presidente da empresa gestora das Operações do Porto do Açu.

A localização fora dos centros urbanos é uma das vantagens que ele enumerou a um grupo de jornalistas, entre os quais a IPS, que visitou o porto em 4 de julho. Além disso, os principais produtos de exportação não vêm por estrada. O petróleo vem por mar, de poços offshore no Atlântico, e o minério de ferro, por mineroduto.

O Porto do Açu, o segundo maior porto de cargas do Brasil, sai ao mar para receber navios gigantes, destinados ao transporte de minério de ferro e petróleo. Imagem: Wikimedia commons.

A profundidade, de 14,5 metros nos terminais protegidos em um canal e de 25 metros no cais avançado no mar, é outro ponto favorável para facilitar o acesso de navios gigantes. O fato de ser privado agiliza as operações, sem a burocracia dos portos públicos, segundo Figueiredo.

Para esta mega-infraestrutura, a empresa informa que investiu até agora o equivalente a 3.700 milhões de dólares e prevê investir mais 4.070 milhões de dólares nos próximos 10 anos.

Petróleo, transição energética e indústria

A proximidade com a bacia de Campos, com campos de petróleo offshore descobertos nas últimas quatro décadas, a até 80 quilômetros de distância, permite que o Açu ofereça uma base não só para as empresas petrolíferas como um porto. Uma plataforma de pouso de helicópteros facilita o transporte rápido de pessoas e equipamentos leves para as plataformas de petróleo.

A grande área industrial já abriga duas fábricas de dutos flexíveis para exploração e extração de petróleo em águas profundas. Uma usina termoelétrica a gás natural, com capacidade de 1.300 megawatts, também opera na área; e outra com capacidade de 1.700 megawatts está em construção.

O presidente da Porto do Açu Operações, Eugenio Figueiredo, destaca as vantagens do porto: ser privado, estar localizado fora dos centros urbanos, não congestionar as estradas, suas águas profundas e a grande área disponível para a parte logística de indústrias e armazéns, em São João da Barra, no leste do Brasil. Imagem: Mario Osava / IPS.

Dos 130 quilômetros quadrados do complexo industrial portuário, 40 quilômetros constituem a Reserva Particular do Patrimônio Natural de Caruara, a maior área de conservação de restingas, um ecossistema costeiro de solos arenosos e pouco férteis, com vegetação rasteira. Os restantes 90 quilômetros quadrados estão sob ocupação portuária e industrial, onde já se instalaram 22 empresas.

A reserva foi criada após a demarcação da área do complexo portuário e industrial, por decisão da empresa proprietária, com dois objetivos: a proteção ambiental do estuário e, na parte mais próxima do centro urbano, evitar a invasão da população.

O complexo visa igualmente a transição energética, iniciada pelas centrais elétricas a gás natural. Os planos incluem a futura produção de hidrogénio verde, aproveitando o grande potencial da eletricidade fotovoltaica e da energia eólica gerada no mar junto à costa, onde sopram ventos favoráveis.

As pás de turbinas eólicas, cada vez maiores, terão de ser fabricadas localmente, e o espaço para essa indústria é outra vantagem do Complexo do Açu, afirmou Figueiredo.

O mapa mostra os 130 quilômetros quadrados do Complexo do Açu, sendo que 40 quilômetros em verde representam a Reserva Caruara, um ecossistema costeiro de areia, lagoas e vegetação rasteira. O restante é destinado ao porto e às indústrias que estão se instalando em seu centro logístico. Imagem: Mario Osava/IPS.

Gargalo logístico

O porto busca atrair exportadores agrícolas dos estados vizinhos de Minas Gerais e Goiás, já presentes desde 2020, mas de forma tímida. Para isso, a Minas Port, uma das empresas que operam no porto, inaugurou em 4 de julho dois armazéns com capacidade para 65 mil toneladas de grãos.

“É um super porto, com um terreno fantástico, bem sucedido na exportação de minério de ferro e petróleo, e com uma localização estratégica no centro-leste do Brasil, que exige portos de grande porte. Mas tem uma fragilidade: a ligação terrestre”, avaliou o economista Claudio Frischtak, especialista em infraestrutura e presidente da Inter.B Consultoria, em diálogo posterior no Rio de Janeiro.

O porto está distante das regiões de grande produção agroexportadora e as vias de acesso são insuficientes. A sua futura expansão depende de uma linha férrea de ligação à rede existente do grupo brasileiro Vale, o maior exportador de minério de ferro, que passa a cerca de 300 quilômetros de distância, apontou.

Essa distância poderia ser reduzida para menos de metade se a Vale construísse um trecho de 80 quilômetros já acordado com o governo local e outro de 87 quilômetros em estudo.

Já a Prumo Logística, controlada pelo fundo americano EIG e proprietária do porto do Açu, espera que seja construída uma ferrovia entre o Rio de Janeiro e Vitória, capital do Espírito Santo, o que reduziria para 50 quilômetros o trecho necessário para ligar o porto a uma extensa malha ferroviária, disse Figueiredo.

Além disso, o sucesso do projeto industrial passa pela atração de investidores, algo difícil sem uma “logística razoável”, com ferrovia e boas estradas, disse Alcimar Ribeiro, economista e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense.

São necessárias alternativas econômicas ao complexo do Açu, porque a bacia de Campos, uma fonte de petróleo próxima, já está “madura”, ou seja, a sua produção está diminuindo. “Em 2010, representava 87% da produção brasileira de petróleo, hoje representa apenas 20%”, disse Ribeiro à IPS em São João da Barra.

Tubos flexíveis utilizados na exploração de petróleo em águas profundas, fabricados pelas duas plantas industriais instaladas no Complexo do Açu, onde também foi implantada uma termelétrica a gás natural e está em construção uma segunda. Imagem: Mario Osava / IPS.

Longe do desenvolvimento local

A área de influência do Açu, principalmente São João da Barra, com seus 36.573 habitantes segundo o censo de 2022, e Campos dos Goitacazes, com 483.540 habitantes, está em declínio econômico há várias décadas, com o fim do ciclo do açúcar.

O porto oferece 7 mil empregos diretos, incluindo os das empresas instaladas na área, 80% deles para trabalhadores locais, segundo Caio Cunha, gerente de Relações Portuárias e da Reserva Caruara.

Mas a maioria são empregos temporários para a construção de ampliações portuárias e atualmente da segunda termelétrica, rebateu Ribeiro.

Além disso, os trabalhadores locais são, em geral, pouco qualificados, sendo contratados trabalhadores de fora para funções mais qualificadas, diz Sônia Ferreira, dirigente da associação de moradores SOS Atafona, um bairro de praia em São João da Barra, que já perdeu mais de 500 casas devido à erosão marítima.

Um efeito positivo do porto é o fato de ter despertado o interesse dos jovens locais pelos estudos, reconhece. Mas sua esperança é que o porto faça investimentos estruturais, em saúde, educação e infraestrutura urbana, para melhorar efetivamente a qualidade de vida local.

Caio Cunha, gerente de Relações Portuárias e da Reserva Caruara do Porto do Açu, explica o papel de educação ambiental e conservação da restinga, uma iniciativa voluntária do megaprojeto, localizada em São João da Barra, no leste do estado do Rio de Janeiro. Ao fundo, fotos de frutas nativas. Imagem: Mario Osava / IPS.

O problema central é que o megaprojeto é “um enclave sem interesses sociais, políticos e econômicos no território circundante, sem ligação com a realidade local. Só falta um muro para separá-lo, tem o seu heliporto, hotel e centro comercial para a sua autossuficiência”, resumiu o sociólogo José Luis Vianna da Cruz.

Com operações automatizadas, o porto e as empresas aqui instaladas empregam poucos trabalhadores, disse à IPS, por telefone, de Campos, este professor da Universidade Federal Fluminense com doutorado em desenvolvimento regional.

O megaprojeto aumentou a arrecadação de impostos para os municípios locais, mas não reduziu a pobreza e o desemprego na região.

Da Cruz também duvida dos sete mil empregos anunciados pelo porto e argumenta que eles não compensam o desemprego gerado pela desapropriação das terras de 1.500 famílias que viviam ali para dar lugar ao porto e ao complexo industrial.

Muitas dessas famílias receberam uma indenização inferior ao que seria justo ou ainda estão lutando pelos seus direitos, acrescentou.

Esse pecado não pertence aos atuais proprietários do porto, mas à Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin), que foi responsável pelo desmatamento do terreno onde está localizado o porto no início deste século.

Mas a salinização de lagoas e do lençol freático, que afetou vários agricultores e até a água para consumo urbano, deveu-se ao descarte inadequado da lama retirada para o aprofundamento do canal onde foram instalados 11 terminais portuários, acusou Da Cruz, autor de vários estudos sobre os impactos socioambientais de projetos locais.

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.

Foto em destaque: Um dos terminais do porto do Açu em sua parte interna, em um canal dragado a 14,5 metros de profundidade para receber navios de até 3,7 metros de calado e cargas variadas. Navios maiores, que transportam petróleo e minérios, utilizam um cais de 25 metros de profundidade no mar, no que é o segundo porto de cargas mais movimentado do Brasil. Imagem: Mario Osava/IPS.

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