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Serviços de inteligência, um risco à democracia também no Brasil

Serviços de inteligência, um risco à democracia também no Brasil

Desde 2023, PF acumula evidências de que Bolsonaro utilizou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar políticos e autoridades de oposição, em busca de vantagens pessoais.

POR MÁRIO OSAVA

RIO DE JANEIRO – Governos de extrema-direita, como o do ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil (2019-2022), servem para expor a ameaça à democracia que representam certas instituições consideradas indispensáveis aos Estados nacionais, como as Forças Armadas e os serviços de inteligência.

Investigação da Polícia Federal acumula, desde 2023, evidências de que Bolsonaro, um capitão do Exército aposentado, utilizou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar políticos e autoridades de oposição, em busca de vantagens pessoais.

O novo escândalo se soma a outras investigações policiais e judiciais que afetam o ex-presidente e seus associados. Desta vez, foram atingidos diretamente dois de seus três filhos envolvidos na política.

Carlos Bolsonaro é vereador na cidade do Rio de Janeiro. A polícia realizou buscas em sua residência e escritório, em 29 de janeiro, e apreendeu uma dúzia de computadores, três celulares e vários documentos.

O segundo filho do ex-presidente seria um dos principais receptores das informações ilegais coletadas pela chamada “Abin paralela”, suposto líder de um “gabinete do ódio” que disseminava notícias falsas em benefício do bolsonarismo, outro caso em investigação.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 31 de janeiro em Brasília, fez uma avaliação da segurança pública em seu primeiro ano de governo e anunciou mudanças na Abin, substituindo seu diretor-adjunto, um comissário da Polícia Federal, por um professor universitário graduado em História e doutor em Ciência Política. Imagem: Marcelo Camargo / Agência Brasil.

Família Bolsonaro sob fogo

Tanto ele quanto seu irmão mais velho, o senador Flavio Bolsonaro, enfrentam processos de corrupção pela suposta contratação de “funcionários fantasmas”.

No Brasil, os legisladores municipais, regionais e nacionais têm o direito de contratar dezenas de assessores pagos com dinheiro público, mas alguns deles podem ter assinado contratos falsos, em que ficam com apenas uma parte do salário e entregam o restante aos seus “patrões”.

Antes de Carlos Bolsonaro, o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagen, amigo da família Bolsonaro, sofreu a mesma busca policial com apreensão de computadores e celulares. Supostamente, ele comandou as operações ilegais. Ele é atualmente deputado federal pelo Partido Liberal, onde estão a maioria dos políticos bolsonaristas.

O uso político das agências de inteligência é um problema generalizado no mundo, segundo Daniel Aarão Reis, professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, cidade de 480.000 habitantes vizinha ao Rio de Janeiro.

“Nações espionam umas às outras e seus próprios cidadãos, mesmo em países democráticos”, disse o acadêmico à IPS. Ele exemplificou com as revelações feitas em 2013 por Edward Snowden sobre as atividades da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, da qual ele havia sido agente.

No Brasil, a “Abin paralela” é comparada ao escândalo de Watergate nos Estados Unidos, que eclodiu em 1972, quando se descobriu que o então presidente Richard Nixon tentou instalar dispositivos de escuta na sede do Partido Democrata de oposição. Dois anos depois, Nixon teve que renunciar.

Augusto Heleno Ribeiro, general do Exército aposentado, é um dos alvos da investigação sobre espionagem ilegal porque foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, responsável pela Abin, durante o governo de Jair Bolsonaro. Imagem: Lula Marques / Agência Brasil.

Riscos sem prevenção “Esta é uma questão-chave para a democracia, à qual as forças democráticas prestam pouca atenção. Mas a espionagem é usada para sujeitar os cidadãos a um Estado controlador”, lamentou Reis.

Os governos democráticos e progressistas que o Brasil teve desde o fim da ditadura militar (1964-1985) nada fizeram para inibir tais ações não permitidas pela Constituição Nacional de 1988, observou.

A Abin foi criada em 1999, para substituir agências anteriores, sob o governo do social-democrata Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Com Bolsonaro eleito presidente em 2018 para governar o país nos quatro anos seguintes, esse aspecto autoritário foi “potencializado”.

Mas falar da “Abin paralela” é absolver a “oficial”, como se houvesse uma espionagem legítima, ponderou o historiador, autor de livros sobre a ditadura no Brasil e a revolução soviética de 2017.

No entanto, como os Estados precisam de seus serviços de inteligência, seu uso democrático depende de mecanismos de controle externo, pela sociedade civil, avaliou.

No Brasil, há uma Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, composta por seis senadores e seis deputados, entre os quais estão Ramagen, o ex-diretor da Abin investigado, e Eduardo Bolsonaro, outro filho do ex-presidente.

Esta tentativa de controle institucional não é eficaz, como evidencia a investigação policial. Também não seria suficiente, mesmo com membros não interessados em abusos. “Apenas um controle social poderia evitar distorções, mas não temos uma sociedade com o nível de organização e cidadania necessários”, disse Reis.

A legislação brasileira contempla alguns mecanismos úteis, como a Lei de Acesso à Informação e o Habeas Data, que permitem que qualquer cidadão possa solicitar judicialmente informações do Estado, inclusive as mantidas em segredo.

Também está em vigor uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais que busca proteger os direitos dos cidadãos à privacidade e liberdade. “Mas são instrumentos frágeis diante de governos que dispõem de muitos recursos e pretextos de segurança nacional”, concluiu Reis.

De qualquer forma, o caso despertou um debate sobre o tema, pouco analisado no processo de redemocratização do Brasil após o fim da ditadura em 1985, assim como a questão militar.

A ditadura militar desenvolveu o Sistema Nacional de Informações (SNI), com tentáculos em todos os setores e organismos públicos e privados, sob uma doutrina de segurança nacional que tinha como principal alvo o inimigo externo, ou seja, todos os suspeitos de comunismo ou esquerdismo.

Era, portanto, uma atividade policial, para a qual os militares também foram designados, com uma ação ilimitada sobre toda a sociedade.

A redemocratização do país manteve os serviços de inteligência como uma área militar e policial, embora com novas agências e orientações. Assim, a Abin foi comandada até 2022 por um general do Exército e sob a gestão do Gabinete de Segurança Institucional, responsável pela proteção do presidente da República.

Marco Cepik, o novo diretor-adjunto dos serviços de inteligência, representa uma mudança, sendo civil, doutor em Ciência Política, graduado em História e professor universitário. Ele tem experiência na área por ter dirigido, até agora, a Escola de Inteligência da Abin. Imagem: Youtube

Distorções mantidas

Em sua segunda etapa como presidente, após governar o país entre 2003 e 2011, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores de esquerda, tentou romper esse vínculo e transferiu a Abin para o Ministério da Casa Civil, mas manteve o GSI sob a chefia de um general e a Abin dirigida por um policial, Luiz Fernando Corrêa, ex-diretor da Polícia Federal.

Além disso, ele ratificou vários diretores ligados ao ex-presidente Bolsonaro. Somente agora, após o escândalo e 13 meses de governo, Lula substituiu o diretor-adjunto da Abin em 30 de janeiro, Alessandro Moretti, também da Polícia Federal, sob suspeita de proteger antigos colegas envolvidos na espionagem ilegal.

Seu sucessor, Marco Cepik, representa uma mudança completa.

Ele é doutor em Ciência Política e graduado em História, professor universitário que até agora dirigia a Escola de Inteligência da Abin. Ele estudou muito o assunto e participou da elaboração de propostas do governo atual para a atividade.

Agora terá a oportunidade de promover mudanças efetivas no setor, origem de frequentes denúncias. Outros sete diretores da agência foram destituídos.

A questão militar, muito ligada aos serviços de inteligência, continua sem debates públicos. Não houve no país um julgamento dos crimes da ditadura de 1964 a 1985, supostamente anistiados em 1979, juntamente com os condenados por oposição aos governos militares.

Nos processos judiciais enfrentados por Bolsonaro e seus colaboradores, por tentativas de golpe de Estado, abusos de poder econômico e político e pela grande disseminação de desinformação, poucos militares estão envolvidos, embora tenham tido ampla participação em seu governo e atuado como apoio aberto ao antigo capitão.

O general reformado Augusto Heleno Ribeiro, que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional, e portanto a Abin, durante todo o governo bolsonarista, será interrogado pela Polícia Federal, mas dificilmente será julgado.

Artigo publicado na Inter Press Service (IPS).


FOTO DE CAPA: O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos envolvidos na política durante uma apresentação nas redes sociais em 28 de janeiro. No dia seguinte, a Polícia Federal realizou buscas nos escritórios e residências de Carlos Bolsonaro, o último à direita, e apreendeu seus computadores e celulares como parte de uma investigação sobre espionagem ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de seu pai. Imagem: Reprodução YouTube.

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