Geoeconomia versus Geopolítica
O autor do livro Material World: A Substantial Story Of Our Past And Future [Mundo Material: Uma História Substancial do Nosso Passado e Futuro] (WH Allen/Penguin Random House, 2023), Ed Conway, é um jornalista-economista prolixo em suas 512 páginas. Usa palavras em demasia ao escrever e não sintetiza seu pensamento. Fica cansativo, para o leitor, por estender-se demais e arrastar-se com narrativas pessoais de suas visitas misturadas com fatos objetivos.
Separar o joio do trigo exige bastante esforço do leitor. Afinal, “separar sementes (ideias) férteis de ervas daninhas (estórias desnecessárias)” é o desafio de buscar o essencial.
No decorrer deste livro, Conway avança e retrocede no tempo de maneira desordenada. Acelera as quatro grandes transições energéticas da Era Moderna – carvão, energia elétrica, petróleo, gás – para abordar mais a quinta: lítio ou “petróleo branco”.
Acompanha a viagem dos átomos de silício e lítio ao redor do mundo até se tornarem semicondutores e baterias. Desce pelos canos de uma refinaria de petróleo, entra nas fornalhas, onde a areia é fundida em vidro, e segue ao longo dos fios de cobre, vitais para comunicação no mundo moderno.
Mas afirma, no entanto, ter sido “um mero passeio rápido” pelo Mundo Material. Abriu uma janela para estas redes ocultas de substância e inteligência “para o mundo girar”.
Longe dos humanos serem independentes do mundo físico em torno, nunca estiveram tão dependentes dele, quer seja a energia contida em uma molécula de gás natural, o betume sem o qual o mundo construído desmoronaria ou a fibra ótica através da qual transita a maior parte de nossos dados. Nessa “viagem”, o leitor conhece inúmeros materiais indispensáveis como o betume: mistura, escura e viscosa, de hidrocarbonetos pesados com outros compostos oxigenados, nitrogenados e sulfurados, usada como impermeabilizante, no asfalto de ruas e estradas, na fabricação de borrachas, tintas etc.
Em cada uma de suas seis partes (e 18 capítulos), destaca seis materiais muito especiais – areia, sal, ferro, cobre, petróleo/gás, lítio – não é apenas pela utilidade – desde a condutividade elétrica do cobre à densidade energética do petróleo – mas também pela capacidade de transformar produtos complexos em comuns como o smartphone e o computador pessoal.
Os chips de silício dentro deles são de uma complexidade surpreendente, embora sejam tão pequenos como os transistores. O sucesso é o fato de tão poucas pessoas prestarem muita atenção nos seus componentes materiais – e seus produtores monopolistas.
Estes itens não são apenas comuns, mas, na maioria das vezes, tornaram-se baratos ao longo do tempo . Por exemplo, o vidro e o aço eram antes um luxo, mas agora são baratos e onipresentes, assim como voos de aeronaves, automóveis, analgésicos, frete em contêineres ou polietileno. Quanto mais usamos, mais baratos se tornaram.
Segundo a Lei de Moore, a densidade dos semicondutores aumentou exponencialmente durante o último meio século, mas esse progresso fez o preço de armazenamento de memória em um computador ser derrubado – e ele ser massificado. Ocorre o mesmo com o preço dos módulos fotovoltaicos dos painéis solares, o silício dos semicondutores, as turbinas eólicas offshore e onshore, as baterias de íons de lítio etc.
Os íons são espécies químicas possuidores de carga elétrica agora usados em carros elétricos. São formados por átomos neutros ao receberem ou perderem seus elétrons.
Quanto mais aprendemos sobre como transformar materiais em produtos, melhor nos tornamos nisso e, na maior parte, mais baratos os produtos se tornam. A curva de aprendizado é quanto mais experiência tivermos em fazer coisas, melhor seremos em fazê-las e menores serão os custos, tanto para produtores como para consumidores.
Este círculo virtuoso é sugerido, em Economia, desde Adam Smith: ao se especializarem em certas tarefas distintas e complementares, os humanos realizam mais trabalho, ou seja, aumentam a produtividade. A noção de “divisão do trabalho” de Smith se tornou uma realidade em grande escala. Contudo, não apenas a divisão do trabalho fez baixar os preços, mas também a lenta acumulação de experiência propicia menor esforço.
A Lei de Wright é uma regra prática: sempre quando a produção de um artigo duplica, o seu custo cai cerca de 15%. Os frutos do Mundo Material se tornaram cada vez mais baratos, passaram a representar uma fração cada vez menor das despesas nacionais – e passaram a ser ignorados nas contas convencionais da atividade econômica…
Conway mostra como nossas vidas estão precariamente empoleiradas em grãos de sal e areia. Sem sal não temos cloro e sem cloro não temos água potável purificada e uma panóplia de medicamentos para salvar vidas; não haveria microchips ou painéis solares, não sendo possível transformar o silício metalúrgico em polissilício superpuro sem o cloreto de hidrogênio a partir da eletrólise do sal; não teríamos vidro (os fluxos de carbonato de sódio usados para derreter a areia são obtidos principalmente a partir do sal) e sem o vidro a civilização entraria em colapso; não haveria frascos para transportar drogas, nem lentes para ver ou treinar os lasers para gravar os chips de silício.
As histórias dos seis materiais citados estão interligadas. Somente quando o aço está enredado no concreto ambos se transformam no material de construção definitivo. As baterias dependem tanto do cobre quanto do lítio dentro delas. As lâmpadas são inúteis sem vidro. Não é possível ter um transformador sem um núcleo de aço silício ou fios de cobre enrolados em torno dele – e sem transformadores, a mais desvalorizada de todas as inovações, as nossas redes eléctricas entrariam em colapso!
A leitura deste livro com temática inusitada – e escolhido entre os melhores de 2023 na área de Negócios pelo Financial Times – permite-nos uma reflexão sobre a relação entre a geoeconomia e a geopolítica. Qual é a relação entre elas no cenário mundial?
Elas estão interligadas, pois ambas envolvem as relações entre poder, recursos econômicos e influência global. A geoeconomia analisa como fatores econômicos, tais como comércio, investimentos e recursos naturais, moldam as relações entre os Estados. A geopolítica considera a influência do poder político e militar na arena internacional. Essas abordagens ajudam a compreender as dinâmicas complexas das relações entre os países no cenário global.
A geoeconomia pode impulsionar a globalização, enfatizando a interconexão econômica e a busca por eficiência, enquanto a geopolítica pode, em alguns casos, levar a políticas mais voltadas para o protecionismo, visando interesses nacionais e segurança. No entanto, as abordagens podem variar entre os países e ao longo do tempo, e muitos Estados adotam estratégias mistas, onde combinam elementos de globalização e protecionismo para atender a seus interesses específicos.
A divisão internacional do trabalho atual é caracterizada por várias tendências:
- Especialização: países tendem a se especializar na produção de bens e serviços nos quais têm vantagens comparativas, buscando eficiência econômica.
- Globalização: as cadeias de suprimentos globais permitem diferentes estágios da produção ocorrerem em diferentes países, maximizando lucro ao reduzir custos.
- Tecnologia: avanços tecnológicos, como a automação e as comunicações instantâneas, facilitam a coordenação entre diferentes partes do mundo.
- Desigualdades: alguns países se beneficiam mais diante de outros, devido a fatores históricos, políticos e econômicos, perpetuando desigualdades.
- Serviços e conhecimento: alguns países especializados em tecnologia, finanças e outros serviços intangíveis ganham na economia do conhecimento.
- Integração regional: blocos econômicos regionais facilitam o comércio e a cooperação entre países vizinhos em Cadeias Globais de Valor (CGV).
A disponibilidade de materiais estratégicos desempenha um papel significativo na colocação dos países na divisão internacional do trabalho. Países com acesso ou controle sobre recursos naturais cruciais têm vantagens competitivas em certos setores da economia global. Influencia a especialização econômica de um país e determina seu papel na cadeia de suprimentos global.
Por exemplo, nações ricas em recursos minerais se especializam na produção dessas commodities, enquanto aquelas com tecnologia avançada lideram em setores de alta tecnologia. Recursos estratégicos moldam as relações geopolíticas e as estratégias econômicas dos países, influenciando sua posição na divisão internacional do trabalho.
Os principais produtores dos citados materiais estratégicos são na ordem. Cobre: Chile, China e Peru; Minério de Ferro: China, Austrália e Brasil; Petróleo: Estados Unidos, Arábia Saudita, Rússia; Gás Natural: Rússia, Estados Unidos e Catar; Lítio: Austrália, Chile e China. Embora o Chile seja um líder na produção de cobre e lítio, existem outros fatores para o fato de o país não ser considerado uma potência econômica em termos globais: dependência de commodities; estrutura econômica desigual; condições geográficas e demográficas; instabilidade política e social; diversificação limitada. A disponibilidade de materiais é necessária, mas não é suficiente…
No destaque, imagem da capa do livro ‘Material World: A Substantial Story Of Our Past And Future’, de Ed Conway
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.