Esperança sob assédio nos 100 dias de Lula como presidente
13.03.2023 – Lula durante 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima. Centro Regional das Lideranças Indígenas, Lago do Caracaranã – Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Roraima – RR
Os primeiros 100 dias de seu governo, completados nesta segunda-feira, 10, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva os consumiu na retomada do chamado processo civilizatório no Brasil e na restauração de diversos programas sociais, além de frustrar um suposto golpe. Parece muito, mas não bastou para evitar as crescentes críticas da opinião pública.
POR MARIO OSAVA
RIO DE JANEIRO – Os primeiros 100 dias de seu governo, completados nesta segunda-feira, 10, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva os consumiu na retomada do chamado processo civilizatório no Brasil e na restauração de diversos programas sociais, além de frustrar um suposto golpe.
Parece muito, mas não bastou para evitar as crescentes críticas da opinião pública, ou seja, das vozes ativas da sociedade, que reivindicam sobretudo medidas econômicas conflitantes que promovam o progresso do país, estagnado há uma década.
O governo começou perturbado pela invasão vândala das sedes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, por milhares de radicais partidários do ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, no dia 8 de janeiro, uma semana após Lula reassumir a presidência, depois de ter governado o país entre 2003 e 2010.
Uma tentativa de golpe, segundo as autoridades e a imprensa em geral, ainda sob investigação judicial e pela Câmara Legislativa de Brasília. O Ministério Público (Ministério Público) processou pelo menos 1.390 participantes da revolta, incluindo chefes da Polícia Militar por sua rara omissão diante dos atos de violência anunciados.
Então, em 21 de janeiro, Lula visitou Roraima, um estado no extremo norte do Brasil, para se encontrar e ordenar a expulsão dos “garimpeiros (garimpeiros)” cuja invasão maciça causou fome e muitas mortes entre os indígenas yanomamis, um povo milenar.
Estima-se que mais de 20 mil garimpeiros operavam ilegalmente na terra indígena onde vivem 27.144 yanomamis, segundo dados preliminares do censo nacional iniciado em agosto de 2022, dois anos atrasado devido à pandemia de covid-19 e falta de recursos orçamentários.
Bolsonaro sempre incentivou o garimpo, inclusive o garimpo ilegal em territórios indígenas, motivo pelo qual foi denunciado perante o Tribunal Penal Internacional, com sede na cidade holandesa de Haia, como o principal responsável pela tragédia.
Prioridade social
Em meio a essas crises, o terceiro governo de Lula priorizou a retomada de programas sociais distorcidos por Bolsonaro, entre eles o Bolsa Família, de transferência de renda aos mais pobres, iniciado em 2003.
O governo anterior havia fixado um valor único (600 reais, hoje equivalente a 120 dólares), sem considerar o tamanho da família, e aboliu exigências como a frequência escolar dos filhos e a vacinação de todos.
Isso aumentou as fraudes, muitos cônjuges se apresentavam solteiros para dobrar a renda. Além disso, famílias de cinco membros, por exemplo, ganham o mesmo que um beneficiário individual.
Em uma correção parcial, o novo governo acrescentou um adicional de 150 reais (US$ 30) para cada criança de até seis anos de idade e 50 reais (US$ 10) para crianças de sete a 18 anos na escola.
Além disso, trata-se de refazer o cadastro único, cadastro de todos os pobres por situação familiar e nível de renda, que norteia todas as políticas sociais, mas que foi abandonado no governo anterior.
Também foi preciso restabelecer programas de aquisição de produtos da agricultura familiar, de alimentação escolar e de abastecimento a instituições assistenciais, afetadas pela redução orçamentária.
Esta privação contribuiu para o agravamento da fome em um país com 208 milhões de habitantes, segundo dados provisórios do censo de 2021.
Em 2022, havia 33,1 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave, ante 19 milhões dois anos antes, segundo estudo da Rede de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, formada por pesquisadores de diversas universidades.
“Minha casa minha vida”, de moradia popular, e “Más médicos”, que busca colocar esses profissionais em cantos carentes, estão entre as políticas públicas reforçadas após anos de declínio em um governo que subestimou a questão social.
Sindicalistas protestam em frente à sede do Banco Central, em São Paulo, no dia 21 de março, contra os altos juros básicos fixados pela entidade, sob pressão de aliados do presidente Luiz Inácio Lula, o que agrava a tensão no Brasil entre o governo e a autoridade monetária, com impacto negativo no mercado de ações e câmbio. (Foto: Roberto Parizotti / Fotos Públicas)
Insatisfação econômica
Lula cumpre assim suas promessas de priorizar o social, vocação de seu esquerdista Partido dos Trabalhadores (PT). Mas não conseguiu definir um rumo convincente na economia, e já suscitou uma onda de críticas, tanto de adversários quanto de seus apoiadores, por motivos contrários.
Suas opiniões declaradas, como os ataques ao Banco Central por manter a taxa básica de juros alta, em 13,75% desde agosto de 2022, e contra as privatizações, geraram desconfiança entre investidores e economistas, além de desvalorizar a moeda nacional, o real, e as ações na bolsa de valores.
Provocam um efeito inverso, a persistência de juros altos que desaceleram o investimento e o crescimento econômico almejados pelo governo, segundo a opinião dominante, a dos economistas ortodoxos.
O temor, agravado pelas atitudes de Lula e de lideranças do PT, hegemônico no governo, é de uma violação da austeridade fiscal que eleve a inflação, que já chega a 5,6% no acumulado de 12 meses.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propôs uma nova política fiscal, que reduz gradativamente o déficit, limitando o aumento das despesas anuais a 70% do aumento da receita.
Mas sua execução é incerta, pois depende de um aumento da arrecadação em um país com uma carga tributária que já é uma das mais altas da América Latina, de 33% do Produto Interno Bruto (PIB), quase no patamar da países ricos. Dificilmente o legislativo Congresso Nacional, de cuja aprovação depende a proposta, aprove-a com esse viés.
Outro projeto importante do governo é a reforma tributária, que visa simplificar o sistema juntando cinco impostos em um só, sobre o valor adicionado. Isso abriria portas para o crescimento dos investimentos e, portanto, da economia.
Mas há três décadas os sucessivos governos falharam na tentativa de promover uma reforma que resgatasse alguma racionalidade no regime tributário brasileiro. Em alguns casos, buscou-se também justiça tributária, já que atualmente os pobres são tributados proporcionalmente mais que os ricos.
Esclarecer as incertezas econômicas é o maior desafio do governo Lula, cujo programa social exige crescimento do PIB.
A Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, tem papel importante no resgate das políticas ambientais do Brasil e da liderança internacional do país no tema, pelo reconhecimento de seu sucesso no desmatamento da Amazônia quando exerceu a mesma função entre 2003 e 2008. (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)
Reviravolta internacional e ambiental
Na avaliação dominante, a economia subordina tudo, inclusive os avanços nas políticas externa e ambiental, os êxitos mais reconhecidos de Lula, ainda que sejam, como os programas sociais, a retomada de projetos anteriores.
Reabilitar o Brasil como um player internacional respeitado foi a reviravolta mais rápida do governo em apenas 100 dias. É o que comprova o convite recebido por Lula para participar da reunião do Grupo dos Sete (G7) países mais poderosos em Tóquio, de 19 a 21 de maio.
Outra reviravolta, na área ambiental, contribuiu para essa retomada da diplomacia brasileira. “O Brasil está de volta” é o mote da propaganda do governo, para se referir também a questões internas, mas é mais uma reminiscência da superação da condição de pária internacional que marcou o país durante a presidência de Bolsonaro (2019-2022).
Lula retomou a luta contra o desmatamento da Amazônia e os compromissos climáticos, em sua participação na Cúpula do Clima, em novembro na cidade egípcia de Sharm El Sheikh, e ao nomear Marina Silva como Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, que retorna assim à função que exerceu de 2003 a 2008, quando desencadeou um bem-sucedido plano contra o desmatamento.
Em seu governo anterior, em muitos casos Lula priorizou projetos de desenvolvimento econômico, acima das demandas ambientais, como a construção de hidrelétricas na Amazônia, ferrovias e portos com fortes impactos socioambientais negativos.
Agora, espera-se uma inversão de prioridades.
Mas o protagonismo internacional que busca Lula em seu novo governo, e que o leva à China de 11 a 15 de abril, também tem seus pecados. Seus compromissos com a democracia e os direitos humanos sofrem arranhões devido à sua ambiguidade em relação à invasão russa da Ucrânia e às ditaduras latino-americanas, como a da Nicarágua. (ED: EG)
Publicado na Inter Press Service (IPS)
É correspondente da IPS desde 1978, e está à frente da editoria Brasil desde 1980. Cobriu eventos e processos em todas as partes do país e ultimamente tem se dedicado a acompanhando os efeitos de grandes projetos de segurança, infraestrutura que refletem opções de desenvolvimento e integração na América Latina.