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Captação de água impulsiona agricultura no semiárido brasileiro

Captação de água impulsiona agricultura no semiárido brasileiro

Eronildes da Silva, orgulhoso ao lado de um cacho de bananas em sua fazenda, cujo bom tamanho é resultado, afirma, da eficiência fertilizante do reaproveitamento das águas servidas. Além da agricultura, ele atua no transporte escolar e na construção de cisternas em Afogados da Angazeira, ecorregião do semiárido nordestino do Brasil. (Foto: Mario Osava/IPS)

Faltam 350.000 cisternas para que elas sejam universalizadas entre as famílias que delas necessitam, segundo a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), rede composta por 3.000 organizações sociais que formulou o programa, adotado como política pública pelo governo Lula, em 2003.

POR MARIO OSAVA

AFOGADOS DA INGAZEIRA (Brasil) – “As cisternas são a melhor invenção do mundo para nós”, resume Maria de Lourdes Feitosa, cujos 46 anos lhe permitem relembrar as secas mortais do passado no semiárido nordestino do Brasil.

“Se acabaram muitas doenças” que vinham das chamadas “barreiras”, poças e pequenas lagoas, fruto do acúmulo de água em cavidades lamacentas do terreno, que as pessoas compartilhavam com os animais, contou à IPS, a agricultora da comunidade rural de Afogados da Ingazeira, município de 38 mil habitantes.

Feitosa é proprietária de uma fazenda de seis hectares e depende menos de água do que alguns de seus vizinhos, porque produz algodão agroecológico que requer menos umidade do que o cultivo de hortaliças e frutas.

Cerca de 1,2 milhão de cisternas, que captam 16 mil litros de água da chuva, “para beber” dos telhados das casas, foram incorporadas à paisagem rural da ecorregião do semiárido, de 1,1 milhão de quilômetros quadrados e 28 milhões de habitantes, que se estende por todo interior nordestino e avança pela franja setentrional da região sudeste do Brasil.

É um símbolo da transformação pela qual o Nordeste, considerada a região mais pobre do país, vem passando desde o início deste século. A seca mais longa de sua história, de 2011 a 2018, não repetiu as tragédias anteriores de mortes, êxodos em massa para o sul e saques ao comércio, como ocorreu nas décadas de 1980 e 1990.

Faltam 350.000 cisternas para que elas sejam universalizadas entre as famílias que delas necessitam, segundo a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), rede de 3.000 organizações sociais que formulou o programa, adotado como política pública pelo governo em 2003.

A cisterna de placas de concreto armazena a água da chuva coletada na cobertura e conduzida por meio de tubos. Sua capacidade de 16 mil litros garante água potável para o casal Josaída Nunes e Eronildes Silva, no Sertão de Pajeú, no semiárido do Nordeste brasileiro. (Foto: Mario Osava /IPS).

Outra batalha é multiplicar por quatro as mais de 200 mil “tecnologias” de captação de água para produção, ou “segunda água”, que já beneficiam a agricultura familiar e são decisivas para a segurança alimentar e redução da pobreza na região.

Reúso da água doméstica

Josaida Nunes da Silva, 38, e o marido Eronildes da Silva, 41, recorrem ao reaproveitamento da água do banho e da cozinha em casa, dada a escassez agravada pela altitude do morro onde vivem em Carnaíba, município de 20 mil habitantes, vizinho de Afogados da Ingazeira.

Um complexo de tubulações conduz as águas residuais para a “caixa de gordura” e logo depois para o reator Upflow Anaerobic Sludge Blanket (UASB, reator anaeróbio de fluxo ascendente com manta de lodo) e um tanque para “polimento” exposto ao sol, e outro para a água já pronta para irrigação.

Esse sistema filtra os componentes poluentes, como coliformes fecais (bactérias), e prepara a água com fertilizantes para irrigação do pomar e das fruteiras. “Cultivamos alface, cebola, coentro e outras hortaliças, além de banana, milho, mandioca (mandioca), mamão, goiaba, maracujá e até pitaia”, conta a agricultora. A pitaia é uma fruta da família dos cactos, de origem mexicana e centro-americana, que recentemente se popularizou no Brasil.

O tamanho excepcional do cacho de banana é a “prova” da eficiência da fertilização, observou o marido, que acrescente [neste processo] estrume de vaca. “Essa água tratada é uma benção. Além da água, nos dá um bom adubo”, disse Nunes.

Uma “caixa de pedra” que aproveita os buracos das rochas para armazenar a água da chuva é uma das “tecnologias” para conviver com a escassez de chuva na ecorregião do Semiárido. Ao fundo a paisagem montanhosa do Sertão de Pajeú, no nordeste brasileiro. (Foto: Mario Osava /IPS)

Silva também é pedreiro e construiu muitas cisternas na região. Ele ainda transporta as crianças da zona rural para a escola em uma velha van e conserva forragem para seus dez bovinos em sacos plásticos hermeticamente fechados.

“A seca nos atingiu fortemente. Tínhamos de trazer a água do ‘barrero’ na planície, montanha acima, no carro de boi. Compramos uma vaca, ainda quando era bezerro, por 2.500 reais e tivemos que vender por 500 reais (US$ 104)”, lamentou sua esposa.

O casal possui 8,5 hectares de terra, uma grande propriedade na região, onde predominam as propriedades de poucos hectares, produto das contínuas divisões entre herdeiros de famílias numerosas do passado. Mas como é um terreno montanhoso, com muitas rochas, a área arável é reduzida.

Nunes e Silva têm três filhos, embora apenas o mais novo, de 17 anos, more com eles.

O fazendeiro Aluísio Braz aproveita para secar e debulhar o feijão, acompanhado pela mulher, Joselita Ramos, no terraço da sua casa, que recolhe a água da chuva para encher a cisterna do fundo, com capacidade para 52 mil litros para a atividade agrícola, em sua quinta em Carnabia , no semiárido do Nordeste, no Brasil. (Foto: Mario Osava /IPS).

Conviver com o Semiárido

As técnicas que beneficiam os agricultores familiares para que possam “conviver com o semiárido” e prosperar, são difundidas nos municípios do Sertão de Pajeú pela Diaconía, organização social de igrejas protestantes.

Pajeú é o nome do rio que corta 17 municípios, em cuja bacia vivem 360 mil pessoas. As serras que circundam o território abrigam as nascentes de diversos córregos e riachos, que secam no período de estiagem, mas asseguram uma maior umidade em relação a outras áreas do Semiárido.

A prática da agroecologia é uma das orientações da Diaconia, cujo técnico agrícola Adilson Viana, que dedicou vinte de seus 49 anos ao apoio aos camponeses, acompanhou a IPS em visitas às famílias atendidas.

Uma cisterna rodoviária, que recolhe 52 mil litros de chuva para a produção, é o tesouro de Joselita Ramos (49) e de seu marido Aluísio Braz (55), em sua fazenda de dois hectares, também em Carnaíba.

É um terraço de concreto no terreno, com cerca de 200 metros quadrados e levemente inclinado para encher a caixa d’água. Braz aproveita para secar e debulhar o feijão de “corda”, típico da culinária nordestina.

O reator UASB é um importante componente do sistema de reuso de água de banheiro e cozinha para a agricultura familiar do semiárido brasileiro. (Foto: Mario Osava /IPS)

O casal cultiva as árvores frutíferas que a mulher usa para fazer polpa de manga, goiaba, acerola ou acerola (Malpighia emarginata) e um fruto nativo do Semiárido, o umbu (Spondias tuberosa), árvore xerófita da família Anacardiaceae.

Ramos interrompeu temporariamente a atividade “porque não é época de frutas na região e a energia para manter a geladeira é muito cara”. Outra dificuldade é que a prefeitura está muito atrasada no pagamento da celulose fornecida às escolas. “Só recebi o pagamento das vendas do início do ano passado em novembro”, reclamou.

Para uma maior produção de grãos, como feijão e milho, além da mandioca, Braz os cultiva na terra de quatro hectares do pai, a cerca de seis quilômetros de sua própria fazenda.

Ivan Lopes, um agricultor familiar muito empreendedor, mostra uma gravioleira altamente produtiva, graças à irrigação com água de reuso e fertilizantes naturais, em sua fazenda no semiárido do Nordeste brasileiro. (Foto: Mario Osava /IPS)

Produtividade agroecológica

Um caso excepcional, de vocação empreendedora e disponibilidade de água, é o de Ivan Lopes , 43 anos, que junto com um irmão cultiva nove hectares de várias árvores frutíferas, como banana, abacaxi, manga, uva, abacate, maracujá e muitas outras.

De uma lagoa existente na propriedade, a água é bombeada para quatro tanques que, localizados nas partes altas, permitem a irrigação por gravidade. É por isso que a eletricidade é uma das maiores despesas da fazenda. “Estou pensando em instalar uma usina de energia solar para economizar dinheiro”, disse Lopes à IPS.

O mel é outro de seus produtos. “A última colheita chegou aos 40 litros” em dezenas de colmeias distribuídas no pomar. A cana é cultivada para a venda do caldo de cana nas cidades.

A fazenda também é uma espécie de laboratório para disseminar o cultivo de tomate orgânico em estufas. “Na feira agroecológica de São José do Egito (cidade vizinha, 34 mil habitantes) há fila para comprar meus tomates, porque são reconhecidos como limpos, sem pragas e com sabor”, comemora o agricultor.

Com base em sua experiência, existem 10 projetos de produção de tomate na Associação Agroecológica Pajeú.

Para atingir sua alta produtividade, ele fabrica o seu próprio fertilizante, o húmus de minhoca. O sucesso agrícola o fez se desfazer de suas 10 vacas, para se concentrar nas plantações e na apicultura.

Artigo originalmente publicado na Inter Press Service.

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(Tradução: Tatiana Carlotti)

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