Devido ao acúmulo de terras e à seca, o México está com sede
O crescimento populacional de cidades como La Paz, capital do estado de Baja California Sur, no noroeste do México, aumenta o consumo de água em uma área de estresse hídrico devido à seca e à tradicional baixa pluviosidade. (Foto: Emílio Godoy/IPS)
POR EMILIO GODOY
LA PAZ, México – O aposentado Sergio Pérez conta as semanas que faltam para o calor chegar à cidade de La Paz, no noroeste do México, porque começará a via crucis da falta de água na região.
A partir de março, quando o termômetro começa a superaquecer na capital do estado de Baja California Sur, falta água nas torneiras e a população armazena o líquido como o tesouro mais precioso, situação agravada quando chega o verão setentrional em junho.
“Agora há água, porque é inverno. A temporada quente é a mais crítica, porque não há pressão. Só cai à noite, é uma vigília segura. No verão, é imprescindível. Existem outras colônias (bairros) que têm água o tempo todo, é muito desigual. Viver com pouca água é terrível”, disse à IPS Pérez, 60 anos, casado, pai de dois filhos e até se aposentar, chefe de lavanderia de um hotel.
Na estação seca, ele acerta o despertador para meia-noite e levanta de hora em hora para ver se há água. Se chegar, enche jarros enquanto o recipiente consegue despejar em dois tanques com capacidade para 500 litros. Se não, volta a dormir frustrado. A cada mês, a conta de luz é implacável: cerca de seis dólares, haja serviço ou não.
Nessa época, as tubagens transportam apenas expectativas aéreas e invisíveis para uma cidade com 292.241 habitantes, segundo o último censo de 2020, sujeita a uma distribuição diária programada de recursos para gerir o déficit. Mas o esquema não é pontual e há bairros que ficam dias sem água.
“Agora há água, porque é inverno. A temporada quente é a mais crítica, porque não há pressão. Só cai à noite, é uma vigília segura. No verão, é imprescindível. Existem outras colônias (bairros) que têm água o tempo todo, é muito desigual. Viver com pouca água é terrível”, Sergio Pérez.
Mais de metade do México enfrenta algum grau de seca, mas oficialmente ela não ocorrem na província Baixa Califórnia, conforme o Monitor de Secas da Comissão Nacional de Águas do governo. Isso apesar de, devido às suas características desérticas, a península registar baixa pluviosidade e baixa recarga de seus aquíferos.
Dos 39 aquíferos que possui o território, 21 sofrem de déficit, pois a extração supera a recarga, entre eles as jazidas subterrâneas de Cabo San Lucas, La Paz e San José del Cabo. O estado possui seis barragens para reter água, duas nas proximidades de La Paz.
Na Baja California Sur existem 1.247 concessões de águas superficiais em funcionamento, das quais a maioria, 612 do total, enquadra-se na categoria “diferentes usos” e cobrem diversos destinos do recurso; 506 para o setor pecuário; e 92 para a agricultura.
Entretanto, estão em funcionamento 3.289 licenças de águas subterrâneas, das quais diferentes usos representam 1.297, agricultura, 950; a pecuária, 782, e a doméstica, 100.
O mexicano Sergio Pérez tem em sua casa duas caixas d’água para armazenar o líquido em tempos de escassez na cidade de La Paz, no estado de Baja California Sur, no noroeste. Imagem: Emílio Godoy/IPS.
Além da escassez, a rede pública sofre vazamentos volumosos que ultrapassariam 40% do fluido, segundo entidades hídricas, devido a tubulações antigas e investimento público insuficiente.
O empresário Juan Trasviña, integrante do grupo não governamental Frente Cidadã em Defesa da Água e da Vida, sofre com a habitual crise de abastecimento. Para ter água a semana toda, ele precisou instalar uma grande cisterna, já que recebe o equivalente a oito horas de fornecimento, a cada quatro dias.
Especialista em soluções de água, sua empresa vende sistemas de reciclagem de água e tratamento de águas pluviais.
“A questão é crítica para nós, pois é o estado que tem menos água. Há cada vez menos água, fruto da péssima administração dos municípios. O desempenho tem sido bastante deplorável, porque investem em outros assuntos, quando esquecem que o mais importante é a água. Em vez de reparar canalizações, dedicaram-se a fazer outras obras”, criticou para a IPS na capital do sul da Califórnia.
Terra sedenta
No México, país de 129 milhões de habitantes e quase dois milhões de quilômetros quadrados, a faixa do centro ao norte, até a fronteira com os Estados Unidos, enfrenta o panorama mais delicado devido ao déficit hídrico, que tenderá a piorar no médio e prazo, de acordo com diversas plataformas de investigação.
Na verdade, essa área já sofre de estresse hídrico. A chamada lacuna nacional, a diferença entre consumo e recuperação, ascende a quase 45 quilômetros cúbicos, incluindo usos domésticos, industriais e de irrigação. Oito deles na Baja California Sur.
“As autoridades não levam o problema a sério, não sei o que têm em mente. O pior é que não existe uma política para tempos de seca, o modelo de gestão é muito ruim”: Delia Montero.
Por diferentes razões, a Cidade do México, com mais de oito milhões de habitantes segundo o último censo, que sobe para 20 milhões ao somar a sua área metropolitana, reflete-se na situação de todo o norte nacional, e corre o risco ficar sem água nos próximos meses, conforme as previsões.
A crise reside no empobrecimento do sistema Cutzamala, composto por sete barragens no estado adjacente do México e no estado ocidental de Michoacán, que fornece 27% da água utilizada na metrópole, além do açambarcamento irregular de indústrias e o setor imobiliário.
Esse grande sistema, que bombeia o recurso sobre as colinas e requer uma grande quantidade de energia, funciona a 40% da sua capacidade devido à seca . Além disso, 56% do abastecimento da capital vem de 976 poços.
A vítima é o aquífero do vale metropolitano, que sofre de déficit crônico, já que a extração supera a recuperação.
Os relatos sobre vazamentos de água nas ruas de La Paz, capital do estado mexicano de Baja California Sur, são constantes e ultrapassam os 200 por mês. Em alguns casos, os moradores comemoram seus aniversários com sarcasmo, pois passam vários anos sem serem consertados. Imagem: BCSN
A existência de políticas inadequadas reforça a crise, destaca Delia Montero, acadêmica da Universidade Autônoma Metropolitana pública, no campus de Iztapalapa, uma das áreas da capital que mais sofre com a escassez de água.
As autoridades “não levam o problema a sério, não sei o que lhes passam pela cabeça. O pior é que não existe uma política para tempos de seca, o modelo de gestão é muito ruim. Se não houver limites, será difícil fazê-lo. É para isso que serve o Estado, para regular e punir. As pessoas gerenciam o melhor que podem. Se não há crise, não há poupança”, disse à IPS o especialista, membro da Rede de Pesquisa da Água.
Paliativos
O pior da situação hídrica no México é que o vento do futuro não traz umidade, mas secura.
A empresa de classificação financeira S&P Global Ratings prevê que o número de estados com stress hídrico quase duplicará, para 20 do total em 2050, em comparação com 11 em 2020. Isto significa que mais de 60% do território mexicano será afetado.
Para enfrentar a crise, as autoridades locais estão construindo uma usina de dessalinização na cidade mexicana de Cabo San Lucas, município de Los Cabos, no estado de Baja California Sur, que entrará em operação em 2025. Imagem: OOMSAPAS Los Cabos.
Na década atual, os mais expostos são Baja California, Baja California Sur, centro de Aguascalientes e Cidade do México.
Na Baja California Sur, a Agência Operadora Municipal do Sistema de Água Potável, Esgoto e Saneamento de La Paz está construindo desde outubro uma estação de tratamento de água com um investimento de 8,46 milhões de dólares e capacidade de 70 litros por segundo.
Além disso, a mesma organização de Los Cabos está erguendo desde 2022 uma nova usina de dessalinização em Cabo San Lucas, naquela cidade localizada no extremo sul da península, com capacidade de 250 litros por segundo, que funcionaria a partir de 2025.
O seu custo ronda os 60 milhões de dólares de capital misto, num investimento para o qual o Fundo Nacional de Infraestruturas do governo contribui com 24 milhões.
Los Cabos já possui outra usina de dessalinização, com capacidade de 200 litros por segundo.
Os entrevistados concordaram sobre a importância de reparar vazamentos, captar chuvas e reaproveitar água para enfrentar uma crise que não vai desaparecer com a construção.
“É muito mais econômico consertar tubulações, porque o percentual que não se perde mais seria suficiente para abastecer a população. Além disso, o custo de um metro cúbico tratado é cinco ou 10 vezes menor que o da água potável”, disse Trasviña.
Soluções não são descobertas inovadoras.
O Estudo Hidrológico do estado da Baja California Sur em 1995 já propunha estimular a eficácia das estações de tratamento, promover o reúso na agricultura, promover a dessalinização da água do mar, priorizar a demanda por água potável e atividades que gerem maior renda por metro cúbico de água.
Da mesma forma, sugeriu reparar vazamentos, promover ações para modificar padrões de desperdício e otimizar o uso de líquidos, para reduzir a extração.
O Acadêmico Montero propôs aproveitar a chuva e promover a reciclagem. As autoridades “retiram toda a água da chuva e isso é um erro. Seria hora de planejar como pegar mais chuva. A água tratada pode ser usada para irrigação.”
“Cada município poderia gerir a sua própria água e instalar pequenas estações de tratamento e assim recarregar os aquíferos. Transferir água é muito caro e não faz sentido”, deu como exemplo.
Dado o cenário árido, o aposentado Pérez não espera medidas do céu, apenas um tratamento mais justo. “Eles devem consertar os vazamentos, todos nós temos que cuidar da água”, afirmou com seus dois tanques em casa, num bairro de classe média baixa em La Paz.
Publicado na Inter Press Service.
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