Lavagem de Dinheiro Futebol Clube
A maior “bolha de ativo”, em prazo médio, talvez seja o passe contratual de jogadores de futebol. Basta ser bem-sucedido, em início da carreira profissional, para ser supervalorizado, porque muitos empresários o usam para ganhar e/ou lavar dinheiro.
O atacante Vitor Roque, formado nas categorias de base do Cruzeiro, teve ligeira passagem pelo Athletico-PR e já deve ser vendido para o Barcelona. O Diario As noticiou: o time catalão pagará cerca de 40 milhões de euros (R$ 209,6 milhões na cotação atual) pelo jovem de apenas 18 anos, artilheiro da Seleção Brasileira sub-20 na Sul-americana.
Com apenas 17 anos, Vitor Roque marcou seis gols e deu uma assistência em 11 partidas pelo time principal do Cruzeiro em 2022. No Athletico-PR, o centroavante disputou 61 jogos, tendo feito 17 gols e distribuído sete assistências.
O Cruzeiro cobra do Athletico-PR, na Justiça, R$ 56 milhões pela negociação de Vitor Roque. A ação, tramitando na CNRD (Câmara Nacional de Resoluções e Disputas), é referente a uma regra em relação à renovação de contrato de Vitor Roque.
A alegação é ter feito uma proposta de extensão de vínculo com ele antes de o Athletico-PR depositar o valor referente à multa rescisória do jogador em abril de 2022. O time mineiro possuía preferência para renovar com o atleta, mas seu ex-diretor de futebol foi para o clube paranaense e usou a inside information para contratar o jovem talento.
O clube celeste chegou a protocolar a renovação na Federação Mineira de Futebol (FMF), mas, ainda assim, o Athletico-PR depositou o valor referente ao contrato antigo. Para o Cruzeiro, ele precisava ter acionado o clube sobre a proposta para Vitor Roque e o time celeste teria, então, a possibilidade de igualar as cifras oferecidas ao atleta.
No Brasil, para o mercado nacional, a multa rescisória é definida de acordo com o salário do jogador. Portanto, uma extensão automática do contrato de Vitor Roque, com valorização salarial, aumentaria o valor necessário para tirar o atacante do Cruzeiro.
Há ainda uma segunda ação preventiva na qual o Cruzeiro pede correção do valor pago pelo Athletico-PR. De acordo com o clube mineiro, o paranaense depositou R$ 24 milhões, mas algumas valorizações salariais recebidas por Vitor Roque antes de deixar o time celeste elevariam o valor para R$ 27 milhões.
Apesar da pequena recuperação em 2022 com relação a 2021 (+10% em euros), as receitas com negociação de atletas brasileiros em moeda forte ainda estão 31% abaixo de 2019, segundo o Relatório 2023 das consultorias Convocados, Galapagos e OutField. A justificativa é a demanda por atletas mais jovens e, consequentemente, com valor de multa menores.
Além disso, os atletas estão levando seus contratos até o fim, deixando os clubes sem direito a ressarcimento financeiro. Esta prática tem sido vista também na Europa.
São Paulo (R$ 229 milhões) foi o maior destaque em termos de negociações. No caso, suas receitas foram impactadas em cerca de R$ 100 milhões pela revenda de atletas formados já na Europa: Antony para o Barcelona e Casemiro para o Manchester United.
Os clubes não podem depender só das receitas com negociações de atleta, pois são incertas, embora elas façam parte do negócio do futebol. O principal aspecto a ser avaliado é o nível de dependência dos clubes brasileiros em relação a esse tipo de receitas. As simulações das citadas consultorias apontam o intervalo ideal ficar entre 10% e 25% das receitas totais, caso tenham alguma recorrência.
A pandemia reduziu o volume de negociações na Europa, impactando nas negociações de atletas do Brasil para o continente. A Inglaterra segue sendo o país de destino da maioria das negociações. Na principal janela de transferência, a do verão europeu (agosto), dos 10 maiores valores de transferência, 7 envolviam chegadas de atletas na Inglaterra. Na janela de inverno (janeiro), lá se comprou 8 entre as 10 maiores vendas.
A Inglaterra movimenta mais dinheiro, mas menos atletas. O valor médio de contratação por atleta é mais alto diante do registrado nas demais ligas. Itália e Portugal movimentam muitos atletas, mas de menor valor.
Maior movimento e menor valor tem relação direta com o perfil da liga. Na Itália, há muita movimentação interna, enquanto Portugal, Países Baixos e França recebem atletas jovens para finalizar formação e revender.
Em 2022, houve aumento da presença de negociações abaixo de € 2 milhões como reflexo da redução na ideia média das contratações. Mas foram também retomadas as negociações acima de € 50 milhões, indicando o mercado estar se recuperando.
Comparando 2019 com 2022, a Inglaterra passou a optar por contratações de atletas mais maduros. Ter mais dinheiro permite acessar atletas com maior experiência e chance de acertar logo. Exceto na da Espanha, no meio termo, as demais ligas optam por atletas mais jovens, adotando a prática de formação, especialmente, na Alemanha, França, Países Baixos e Portugal.
Negociar atletas é parte (ou arte) do negócio. Há o exemplo italiano de instabilidade, onde historicamente o lucro na negociação de atletas representava mais de 20% das receitas, e houve queda brusca para 12%, em 2020-2021, por conta da pandemia. É preciso fazer as escolhas certas, formar bem e se apropriar do ganho pela formação.
Outra parte do negócio do futebol é escuso, ou seja, incita desconfiança, tende a ser misterioso, porque não está em conformidade com a lei e, portanto, é ilícito. A lavagem de dinheiro no futebol pode ocorrer de várias maneiras como os seguintes exemplos.
Uma forma comum de lavagem de dinheiro no futebol é a compra de clubes de futebol. Indivíduos com fundos ilícitos adquirem clubes para usar o futebol como uma fachada legítima para justificar a origem de seu dinheiro.
Outra forma de lavagem de dinheiro é através de investimentos em jogadores. Muitos bilionários compram jogadores, investem em seus direitos econômicos em conluio com os administradores de carreiras de atletas, capazes de intermediar suas transferências, e usam essas transações como meio de introduzir dinheiro ilegal no sistema financeiro.
A lavagem de dinheiro também pode ocorrer por meio de pagamentos não declarados a jogadores e agentes. Parte do dinheiro ilegal é mascarada como salários ou comissões “por fora” concedidas a jogadores e agentes envolvidos em transações de jogadores.
Lavadores de dinheiro realizam transferências financeiras complexas e obscuras entre diferentes países e contas bancárias, dificultando o rastreamento e a identificação da origem do dinheiro. Paraísos fiscais são utilizados para ocultar a verdadeira identidade dos envolvidos e facilitar a transferência de dinheiro de forma a dificultar a rastreabilidade dos recursos.
Também empresas fictícias ou controladas por lavadores de dinheiro são usadas para firmar contratos de patrocínio ou adquirir direitos de transmissão de partidas de futebol. Permite o dinheiro sujo ser injetado nele sob a aparência de investimento legítimo.
Há um sistema ilegal dedicado a maximizar lucros de indivíduos em detrimento dos clubes. É um sistema de divisão de comissões bastante experimentado. Um clube compra um jogador de outro por um valor de transferência acordado entre eles. Os agentes recebem uma comissão na forma de um percentual do valor dessa transação.
Eles repassam então parte de sua comissão aos demais indivíduos facilitadores da transação. Muitos técnicos participam das “jogadas de troca-de-favor”: contratam, indicam ou escalam jogadores para receber comissão (“prêmio”) com a valorização deles e sua venda posterior.
Essa propina é discretamente paga em dinheiro vivo ou por meio de “presentes” como relógios de luxo ou até carros premium. É evasão fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro!
Esses abusos se devem à concentração de grandes somas de dinheiro em uma mesma transação na qual diferentes partes estão interessadas, ao poder discricionário de uma única pessoa como o diretor de futebol, ao valor subjetivo da “mercadoria”, sem baliza para avaliação do preço de um jogador de futebol, e à flexibilidade da legislação em matéria de conflitos de interesse: atuar em causa própria ao ocupar cargo de decisões.
Tudo isso ocorre em contexto de fragilidade financeira do futebol profissional. A maioria dos clubes encontra-se em situação precária e necessita das transferências de jogadores para tentar equilibrar as contas.
Para investigar, o follow the Money é facilitado porque os valores anunciados nas transferências nunca são pagos à vista de uma única vez, mas em parcelas, semestrais ou anuais, de acordo com a duração dos acordos. O agente de jogadores paga as várias partes interessadas ou corruptas no mesmo ritmo e para isso precisa manter registros. Basta a polícia fazer busca e apreensão em residências e escritórios para os encontrar.
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Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.