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A armadilha (parte 2): a economia.

A armadilha (parte 2): a economia.

Como o governo Lula pretende dinamizar a economia de modo a ampliar e melhorar aqualidade do emprego, aumentar os salários e a renda dos trabalhadores? Como vaimelhorar as condições de vida e o nível do consumo? Como vai enfrentar a brutaldesigualdade na distribuição de renda que hoje inibe a expansão do mercado interno?

Há um consenso entre os economistas de que a herança maldita do governo Bolsonaro
é um desafio gigante em si mesma. O executivo está horrivelmente fragilizado em
todos os seus instrumentos de ação. Faltam quadros e equipamentos em toda parte,
os salários em setores vitais estão super comprimidos, organismos de controle estão
sucateados. Só para recuperar a capacidade operativa, que mesmo em seus melhores
momentos era carente, vai ser necessário investir muito.

Por outro lado, a infraestrutura de utilidade pública também está sucateada, com
centenas de milhares de quilômetros de rodovias em condições precárias, obras
paradas e/ou mal orientadas, investimentos em geração de energia e saneamento
paralisados. A lista é longa e a superação do desgaste e dos atrasos vai ser cara.

A economia, de modo geral, vai se recuperando devagar e em sentido discutível, do
ponto de vista social e ambiental. Inúmeras fábricas, grandes, médias e pequenas
foram fechadas e a saúde financeira das empresas abalada, haja visto o escândalo das
Lojas Americanas, premiada como modelo de gestão. A participação da indústria na
economia vem caindo há tempos, mas levou um baque mais forte nos últimos 10 anos.

Crescem serviços precários, sem qualificação profissional e com remuneração baixa. O
setor de construção civil vem retomando algum fôlego recentemente, mas não por
acaso, vem privilegiando o setor mais rico. O déficit habitacional gigante está longe de
estar equacionado e um novo Minha Casa, Minha Vida vai ter que ser muito turbinado,
além de ter que se adaptar a uma lógica de sustentabilidade no desenho urbano que
não foi a tônica do seu antecessor. O que segue rentável e crescendo é o extrativismo e
o agronegócio. No primeiro, as atividades ilegais de garimpo e extração de madeira vão
ter que ser combatidos (ver adiante) e isto vai representar um freio nesta economia
criminosa. Mas a atividade mais importante, a mineração legal, também poderá sofrer
inibições, se o governo fizer o que tem que ser feito e obrigar as empresas de
mineração a cuidar dos riscos ambientais de suas atividades. Nem Lula, nem Dilma
tentaram botar freios na expansão desenfreada das minas de todo tipo durante os seus
governos, com uma legislação frouxa e uma vigilância mais frouxa ainda. Sorte deles
que os desastres ocorreram nos governos de Temer e Bolsonaro, mas eles têm uma
parte da culpa.

Como setor apontado como o mais dinâmico da nossa economia nos últimos 30 anos,
o agronegócio é um capítulo à parte e que será discutido mais a fundo em outro destes
artigos. Neste momento o que cabe lembrar é que as condições internacionais que
permitiram a expansão inédita deste setor não devem ser manter nos próximos anos.

Os custos de produção, que vem em processo de ascenso há tempos, tendem a se
acelerar, enquanto as restrições dos importadores para produtos oriundos de
desmatamento ou do emprego de transgênicos tendem a aumentar. O freio nas
economias dos países importadores, China e Europa em primeiro lugar, também
devem colocar um efeito inibidor para a manutenção da expansão notável do nosso
agronegócio. Agregue-se a isso, o aumento do custo Brasil, em particular no que tange
o transporte terrestre e o funcionamento dos portos, para que possamos dizer que não
teremos a repetição do dinamismo recente neste setor.

Como o governo Lula pretende dinamizar a economia de modo a ampliar e melhorar a
qualidade do emprego, aumentar os salários e a renda dos trabalhadores? Como vai
melhorar as condições de vida e o nível do consumo? Como vai enfrentar a brutal
desigualdade na distribuição de renda que hoje inibe a expansão do mercado interno?

As ideias genéricas avançadas sobretudo pelo presidente do BNDES, Aluísio
Mercadante, apontam para o financiamento de pequenas e médias empresas, o que é
uma boa ideia para aumentar a demanda da mão de obra, hoje no desemprego e no
subemprego, já que são elas as que oferecem mais vagas por real investido. É um
avanço em comparação com os programas dos !campeões nacionais” dos governos
petistas anteriores. Investir na economia verde é um bom princípio, mas é preciso
saber o que isso significa concretamente. Vamos colocar recursos na substituição do
uso de combustíveis fósseis? Na eliminação das perdas energéticas de todo tipo? Na
diminuição do uso de adubos químicos e agrotóxicos na produção de alimentos? Não
há um plano de governo claro, nem na campanha eleitoral, nem na transição, nem até
agora.

O governo está concentrado ainda em buscar os meios para investir, sem definir
exatamente em que. A meu ver, isto é um erro porque significa discutir a reforma
tributária apenas em termos de aumentar o cacife do executivo e de sua capacidade de
investimento. Como já escrevi antes, este vai ser um debate crucial e ele está sendo
travado sem o argumento do emprego futuro dos novos recursos que o governo vai
buscar. Há uma ênfase no financiamento dos programas sociais e este é um objetivo
importante e que tem que ficar muito claro para todos os contribuintes. Há também
referência à questão da justiça redistributiva e isto não está tão claro para o público em
geral. Mas se deixarmos o debate da reforma ficar centrado apenas na racionalização
dos inúmeros impostos, estaremos agradando as empresas. No entanto, estas não
deixarão de urrar se houver algum movimento de aumento de impostos nesta
racionalização. Esta é a reforma que o Lira quer colocar em votação. O que ele não
quer, é ver o aumento das taxas para os mais ricos, em particular para os rentistas da
economia financeira.

Se o governo quiser mobilizar a opinião pública para apoiar a reforma tributária ele vai
ter que mostrar a importância dos recursos para tocar a economia e montar um
programa onde o homem/mulher comum possa encontrar uma resposta concreta para
suas preocupações quotidianas. Ou seja, precisamos de um programa que, claramente,
se dirija para prover as necessidades do povo em alimentação, moradia, educação,
saúde, emprego, saneamento, acesso à água, transporte, energia, lazer e cultura.

A discussão em curso sobre a taxa de juros está mal explicada. Baixar a SELIC é uma
necessidade admitida por quase todo mundo, até o setor bancário, embora da boca
para fora. Mas, no passado, isto não teve qualquer efeito maior nas taxas de juros
pagas pelas pessoas, no cartão de crédito, no cheque especial (em extinção), nos
crediários das lojas. Com 70% da população com atrasos nos pagamentos das contas e
um terço destes inadimplentes, são estes juros escorchantes os que interessam e não a
abstração econômica (para o grande público) da SELIC. Anistiar as dívidas dos mais
pobres é uma medida paliativa, embora necessária. Sem uma reforma bancária de
fundo que baixe as taxas de juros para o consumidor, o reindividamento vai acontecer
paulatinamente. A argumentação dos bancos em defesa de seus juros estratosféricos,
os maiores do mundo, não se sustenta. Seria um spread para cobrir os riscos de
inadimplência, mas ele provoca o próprio risco. Aliás, se este argumento se
sustentasse, os bancos deveriam reduzir as taxas dos empréstimos consignados para
meio por cento ao mês, já que o risco é zero.

A taxa SELIC e´ “justificada” por ser um mecanismo de controle da inflação. Se
estivéssemos com uma economia com forte pressão de demanda poderia até ser o
caso, embora, tomado isoladamente, este mecanismo de controle tenha um efeito
perverso de punir os mais pobres, e, em casos extremos (acredito ser o nosso) mais do
que uma inflação moderada o faria. Mas não estamos diante de uma inflação de
demanda, com a economia estagnada, a população endividada e os salários
comprimidos. No caso dos alimentos, pelo menos, temos claramente uma inflação de
custos e um contínuo aumento de preços devido à dolarização da produção do
agronegócio e à alta dos preços das commodities no mundo. Para quem acha que o
pesadelo da inflação de alimentos acabou com a queda nos índices do mês de
fevereiro, é melhor examinar melhor o quadro mais amplo. As grandes quedas nos
preços de alimentos se concentraram nas carnes, em particular a bovina. Isto é um
efeito conjuntural da suspensão temporária das exportações para a China, fruto de
questões sanitárias. Por outro lado, o fato de que os frigoríficos e criadores se
voltaram, por razões contingentes, para o mercado interno, mostra que é
perfeitamente possível adotar políticas dirigidas para o abastecimento interno sem que
se instale uma crise entre estas empresas. É óbvio que elas têm mais lucros com as
exportações, mas são perfeitamente viáveis vendendo para o consumidor nacional.

No meio de tantas questões sobre o presente e o futuro da economia, o debate sobre a
!autonomia” do Banco Central é quase obsceno. Para começar, o BACEN foi declarado
autônomo em lei com um único objetivo: tirar o controle da economia monetária das
mãos do executivo. Tudo bem, tiraram. E quem controla o BACEN? Um corpo de
funcionários, na sua maior parte vinculados historicamente ao setor financeiro. Em
outras palavras, a autonomia em relação ao poder executivo é trocada pela
subordinação a um setor da economia, os bancos e financeiras. E os burocratas de
plantão se mostram fiéis às suas origens e interesses. Haja vista a oposição do atual
presidente do BACEN, tanto às pressões eleitoreiras de Bolsonaro no ano passad como
as de Lula este ano. Os bancos agradecem e os rentistas também. Entre parênteses, sei
que nem todo aplicador em papéis do governo é um desalmado sugador das
economias do povo. A grande maioria são pequenos aplicadores que buscam a
proteção de suas parcas economias. Mas o grosso, e bota grosso nisso, dos detentores
de títulos do governo são grandes bancos e financeiras. Este mecanismo de
financiamento do Estado através de títulos do governo, não tem nada de errado,
intrinsecamente. O complicador é quando ele passa a ser utilizado como um enxugador
de moeda a pretexto de controle de inflação, em qualquer circunstância, seja qual for o
diagnóstico sobre a natureza desta inflação.

A autonomia do BACEN é uma aberração. Os mecanismos de gestão da economia não
podem ser fatiados entre agentes diferentes que podem estar em contradição, como é
o caso aqui e agora. É uma jabuticaba brasileira (pleonasmo), salvo exceções aqui e ali
e que eu gostaria de estudar, como no caso do Chile.

Para resumir, a economia é o ponto chave da armadilha colocada para o governo Lula.
É o típico enigma da Esfinge: !decifra-me ou te devoro”. Se Lula não conseguir reanimar
a economia e, mais ainda, se não conseguir reanimá-la na direção correta, ele vai
naufragar no governo, por mais que faça bons programas sociais, por mais que
reestruture o Estado dilapidado por Bolsonaro, por mais que defenda as instituições
democráticas, por mais que proteja o meio ambiente, a cultura, as mulheres, os negros
e os LGBTQIA+.

E para fazer isso, Lula depende apenas, por enquanto, de um congresso hostil, de uma
classe dominante tacanha e de uma imprensa que vive no passado, com cacoetes de
um neoliberalismo abandonado até pelos seus patronos, os americanos. Haja visto o
orçamento de Biden, com trilhões de investimento estatal para recuperar a economia.

Se prevalecesse a versão tupiniquim do estado mínimo, os EUA estariam falidos.

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