O Copom e a Selic
Durante os dias 12 e 13 de dezembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) realizou a sua 259ª reunião. Assim, pela quarta vez consecutiva, o colegiado manteve a estratégia de prosseguir com a redução lenta e gradual da taxa referencial de juros. Ao final do último encontro programado para o ano de 2023, a Selic foi diminuída em 0,5% e ficou no patamar de 11,75% ao ano.
Ora, ninguém em sã consciência pode criticar tal decisão. É óbvio que a taxa oficial de juros mais baixa é melhor do que mais elevada. Mas a questão em debate não é essa. Desde que foram conhecidos os resultados das eleições presidenciais em outubro de 2022 os membros da diretoria do Banco Central (BC) não moveram uma única palha para adequar a política monetária à nova realidade política e institucional do Brasil.
Ancorados nos dispositivos da legislação que havia concedido a independência ao BC, eles fizeram cara de paisagem à mudança na orientação de programa de governo decidida pelas urnas. Como haviam sido indicados por Paulo Guedes e nomeados por Bolsonaro e conquistaram um mandato ilegítimo e anti-republicano ao longo de 2021, passaram a boicotar a política econômica do futuro governo antes mesmo de sua posse.
Para que Lula conseguisse realizar as promessas de “fazer mais e melhor do que nos dois primeiros mandatos” e “fazer 40 anos em 4”, o ambiente geral requeria taxas de juros mais baixas pelo lado da política monetária e o fim da restrição da política de austeridade fiscal com o fim do teto de gastos. Porém, apesar de tudo isso, o Presidente Roberto Campos Neto comandou um Copom que manteve a Selic nos níveis estratosféricos de 13,75% até junho de 2023, durante 6 encontros seguidos.
Queda de 0,5% é quase nada.
Apenas a partir da reunião de número 256, em agosto, é que os integrantes do comitê aceitaram iniciar alguma redução na taxa. Assim, foram quatro reuniões de uma queda minúscula de 0,5% a cada encontro. Mas um aspecto relevante é que tal movimento para baixo na taxa nominal não significou uma redução no valor real da taxa de juros. Tal fato se deve à diminuição dos índices de inflação ao longo do mesmo período, de modo que o País continuou ostentando o vergonhoso título de campeão mundial de taxa real de juros. É bem verdade que em alguns meses ele chegou a ser ultrapassado pelo México no quesito, mas logo em seguida recuperou o pódio.
Dessa forma, o que permanece como consequências negativas da Selic nas alturas são o elevado custo de endividamento público e o alto custo financeiro de empréstimos e outras formas de crédito para famílias e empresas. Como a Selic opera na condição de patamar básico dos demais modalidades de operações no sistema financeiro, os bancos cobram muito acima dela no balcão de seus negócios. E o BC segue fazendo cara de paisagem aos “spreads” elevadíssimos embutidos nos contratos estabelecidos com a clientela. O órgão regulador fiscalizador do sistema defende, na prática, os interesses dos bancos contra as partes mais frágeis na relação comercial.
Ora se o colegiado tivesse adotado para a trajetória de baixa o mesmo procedimento que manteve na escalada altista entre 2021 e 2022, o quadro hoje seria bastante distinto. Ao longo de 12 reuniões, o Copom elevou a taxa de 2% para 13,75%, o que correspondeu a um aumento médio de 1% a cada encontro. Se tivesse diminuído, por exemplo, 0,75% em cada reunião realizada durante o governo Lula, a Selic estaria hoje em níveis muito menos deletérios para a atividade econômica real e produtiva. Mas a lógica de funcionamento e de tomada de decisões do BC seguem sendo a de atender prioritariamente aos interesses da banca e não aqueles da maioria do País.
R$ 720 bi de despesas com juros.
O interessante e revelador é que a maioria da direção do BC justifica o nível elevado da Selic apontando para o chamado “risco fiscal”. Dessa forma, eles terminam por fazer coro com os representantes do financismo, sempre atentos e vigilantes em sua cruzada em prol da austeridade fiscal a qualquer custo e a qualquer preço. No entanto, nada mencionam a respeito da rubrica que causa maior impacto negativo em termos de contribuição para a retomada de um projeto de desenvolvimento econômico e social. Todos são uníssonos em recomendar cortes em assistência social, saúde, educação, previdência social, salários de servidores, segurança pública e outros itens das chamadas contas “primárias”.
Porém, não se ouve um “a” quando se trata de questionar os valores exorbitantes das despesas financeiras do governo federal. Assim, por exemplo, não se vê nenhum “especialista” a soldo do financismo entrevistado pelos grandes órgãos de comunicação sugerindo estabelecer um teto para o pagamento de juros relativos ao processo de endividamento do Estado. Ah não, afinal esse é um gasto “não primário” e não entra no cálculo oficial do resultado fiscal (sic). Pouco importa que o próprio BC divulgue em suas páginas que o valor acumulado ao longo dos últimos 12 meses com o pagamento de juros da dívida pública tenha atingido o impressionante nível de R$ 720 bilhões.
É bem verdade que os efeitos dessa armadilha montada pelo Copom e pelo BC contra o governo Lula 3.0 poderiam ser mitigados caso os responsáveis pela área econômica apresentassem uma inciativa mais ousada pelo lado da política fiscal e mesmo pela condução da política dos bancos públicos federais. Aliás, os efeitos macroeconômicos de uma estratégia de elevação do gasto governamental e de recuperação dos investimentos públicos costumam oferecer resultados muito mais visíveis e imediatos sobre a retomada do crescimento e do desenvolvimento. No entanto, a opção até o momento tem sido a de aprofundar o austericídio e não o contrário.
Lula precisa reorientar a política econômica
Por outro lado, a importância de instituições como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e os bancos públicos regionais evidencia que uma orientação de redução de seus “spreads” poderia ter um efeito imediato até mais relevante do que aguardar mais 45 dias por uma nova reunião do Copom. Era de se esperar que o Presidente da República determinasse uma mudança de postura por parte dos dirigentes dos bancos federais. Afinal, o objetivo dos mesmos não deveria ser a busca desenfreada de lucros, a exemplo do que ocorre com a banca privada. Na condição de empresas do Estado brasileiro, eles deveriam priorizar o desenvolvimento de políticas sociais e contribuir para evitar as consequências negativas de financeirização exagerada das relações sociais e econômicas. A partir do momento em que estes bancos optarem pela redução de seus “spreads”, o mercado bancário como um todo sentirá os efeitos da concorrência e os demais bancos privados serão obrigados a seguir o mesmo caminho.
O terceiro mandato de Lula está em vias de concluir o seu primeiro ano. Apesar dos inúmeros aspectos positivos que os balanços apresentam, o fato é que na política econômica muito pouco foi feito para criar as bases de um projeto de desenvolvimento. Caso o Chefe do Executivo não chame para si a responsabilidade por mudar a rota nesse departamento, a experiência do ano que se encerra nos evidencia que nada será feito por iniciativa própria dos responsáveis na área econômica. Assim foi no caso do reajuste do salário mínimo, quando Lula se envolveu diretamente para evitar o desgaste de não ver seu governo cumprir uma promessa de campanha. Infelizmente, por outro lado, não foi o que aconteceu com o desenho da austeridade intrínseca do Novo Arcabouço Fiscal nem com a definição da meta de resultado fiscal no Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2024.
Ainda que o Copom prossiga em sua obstinação por uma política monetária arrochada e criminosa, sempre houve espaço para uma política fiscal mais afirmativa e anticíclica. Cabe a Lula determinar à sua equipe que este seja o caminho a ser trilhado a partir do ano que vem.
Doutor em Economia e membro da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) do Governo Federal.