Produtores de petróleo e carvão querem pisar no acelerador
Estudo sobre 20 países produtores de petróleo e de carvão, o Brasil entre eles, projeta uma produção de 460% a mais de carvão, 82% a mais de gás e 29% a mais de petróleo do que os limites estipulados para a contenção do aquecimento global cujas consequências já se fazem sentir em todo o globo.
POR CORRESPONDENTE IPS
ESTOCOLMO – Os governos planejam duplicar a produção atual de combustíveis fósseis até 2030, o que equivale a pisar no acelerador, e não frear, na corrida que visa diminuir o aquecimento global, alerta um estudo divulgado nesta quarta-feira (8) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Inger Andersen, diretora executiva do PNUMA, afirma que “os planos dos governos para expandir a produção de combustíveis fósseis estão minando a transição energética necessária para atingir a meta de emissões líquidas zero e estão colocando o futuro da humanidade em xeque”.
Zero emissões líquidas é um objetivo global para que até 2050, as emissões de gases com efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) gerado pela produção e consumo de combustíveis fósseis, sejam reduzidas e equilibradas (nível zero) com as emissões absorvidas pela atividade antropogênica.
No entanto, o novo relatório sobre a lacuna de produção de 2023 mostra que os principais produtores de combustíveis fósseis, apesar de seus compromissos climáticos, planejam mais extrações e até 110% acima do nível necessário para limitar o aquecimento global. Isto caso se pretenda atingir uma temperatura média do planeta em 2050 que não ultrapasse 1,5 graus Celsius acima dos níveis da era pré-industrial (1850-1900).
Considerada apenas a meta de não mais que 2 graus de aumento de temperatura, os planos para aumentar a produção de petróleo, gás e carvão mostram um excesso de 69%.
“Os planos dos governos para expandir a produção de combustíveis fósseis estão a minar a transição energética necessária para atingir a meta de emissões líquidas zero e estão a colocar em xeque o futuro da humanidade”, afirma Inger Andersen, diretora-executiva da PNUMA.
O estudo foi elaborado pelo PNUMA, pelo Instituto Ambiental de Estocolmo, pelo Instituto Internacional Canadense para o Desenvolvimento Sustentável e pelos grupos de análise americanos e europeus E3G e Climate Analytics.
O PNUMA destaca que os planos para expandir a produção de combustíveis fósseis não são consistentes com as promessas feitas por 151 governos nacionais para atingir a meta de emissões líquidas zero. Da mesma forma, as estimativas científicas mais recentes sugerem que a procura global de carvão, petróleo e gás atingirá o seu pico nesta década (2020-2029), mesmo sem ter em conta as novas políticas pró-extração.
Devido a ambos os fatores, os atuais planos dos governos levariam a um aumento na produção mundial de carvão até 2030, e na produção mundial de petróleo e gás pelo menos até 2050, criando uma lacuna cada vez maior na produção de carvão e combustíveis fósseis ao longo do tempo.
O estudo observa que, dados os riscos e incertezas envolvidos na captura e armazenamento de carbono e na remoção de CO2, os países devem ter como objetivo eliminar quase completamente a produção e utilização de carvão até 2040.
Por outro lado, deverão reduzir a produção e utilização de gás e petróleo em pelo menos 75% até 2050, em comparação com os níveis de 2020.
Naquele ano, o mundo produziu 4.175 milhões de toneladas de petróleo bruto (a uma taxa de 88 milhões de barris de 159 litros por dia), 3.860 trilhões de metros cúbicos de gás e 7.740 milhões de toneladas de carvão, segundo o relatório do Instituto de Energia britânico.
O relatório apresenta perfis detalhados de 20 países com maior produção de combustíveis fósseis: Alemanha, Arábia Saudita, Austrália, Brasil, Canadá, China, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, Índia, Indonésia, Cazaquistão, Kuwait, México, Nigéria, Noruega, Catar, Reino Unido, Rússia e África do Sul.
Embora 17 dos 20 países tenham se comprometido com emissões zero (e muitos tenham lançado iniciativas para reduzi-las), nenhum se comprometeu a reduzir a produção de carvão, petróleo e gás alinhado com objetivo de limitar o aumento das emissões e da temperatura em 1,5 graus.
Pelo contrário, o perfil desses vinte países mostram que a maioria de seus governos continua a fornecer apoio político e financeiro significativo à produção de combustíveis fósseis.
Ploy Achakulwisut, do Instituto de Estocolmo e coautor do relatório, disse que “muitos governos promovem o gás fóssil como um combustível ‘transicional’ essencial, mas sem planos aparentes de abandoná-lo mais tarde”.
“Estamos a caminho de produzir 460% mais carvão, 82% mais gás e 29% mais petróleo nesta década do que o compatível com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius”, lamentou Angela Picciariello, investigadora do instituto canadense que participou do estudo.
Para manter viva a meta de 1,5 graus Celsius, “descobertas científicas indicam que devemos começar o mais rápido possível a reduzir a produção e o consumo globais de carvão, petróleo e gás; aumentar a energia limpa e reduzir as emissões de metano de todas as regiões”. disse Achakulwisut.
O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, lamentou que “os governos estejam literalmente duplicando sua produção de combustíveis fósseis, o que significa duplicar os problemas para as pessoas e para o planeta”.
“Não podemos enfrentar a catástrofe climática sem erradicar a sua causa principal: a dependência dos combustíveis fósseis”, complementou Guterres.
Na sua opinião, a 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), que começa a 30 de novembro no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, “deve transmitir uma mensagem inequívoca de que a era dos combustíveis fósseis já acabou e que sua eliminação é inevitável”.
A produção diária de milhões de toneladas de combustíveis fósseis é uma das principais causas do aquecimento global. E apesar dos seus compromissos de limitar as emissões de gases com efeito de estufa, os governos de todo o mundo mantêm planos para produzir mais carvão, petróleo e gás. (Foto: Marek Piwnicki/Unsplash)
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