A Terra está em perigo porque seus limites foram transgredidos
Estudo Limites seguros e justos do sistema terrestre, publicado na revista Nature, sustenta que seres humanos estão correndo riscos colossais para o futuro da civilização e de todos os seres que vivem na Terra; e propõe tomar os limites biofísicos do planeta como ponto de partida para ação holística e transformadora em direção a um…
Por CORRESPONDENTE IPS
O mundo enfrenta um risco colossal porque já foram violados os limites justos e seguros do clima, dos ecossistemas naturais, dos fluxos de água e sua carga de fertilizantes, alertaram os cientistas da Comissão da Terra em um estudo divulgado na revista Nature.
“O sistema Terra está em perigo porque vários elementos críticos climáticos estão prestes a serem cruzados, promovendo uma mudança irreversível”, afirmou Dahe Qin, copresidente da Comissão e chefe do Comitê Acadêmico da Academia Chinesa de Ciências.
O estudo “Limites seguros e justos do sistema terrestre” sustenta que os seres humanos estão correndo riscos colossais para o futuro da civilização e de todos os seres que vivem na Terra; e propõe tomar os limites biofísicos do planeta como ponto de partida para uma ação holística e transformadora em direção a um mundo seguro e justo.
“Pela primeira vez, apresentamos quantificações e uma base científica sólida para avaliar o estado de nossa saúde planetária”, afirmou Johan Rockström, também copresidente da Comissão da Terra e diretor do Instituto Potsdam de Pesquisa de Mudanças Climáticas da Alemanha.
A avaliação foi feita “não apenas em termos de estabilidade e resiliência do sistema terrestre, mas também do bem-estar humano e da equidade/justiça”, enfatizou.
A Comissão da Terra, instituída desde 2019 pelaFuture Earth, rede global de cientistas, pesquisadores e inovadores que colaboram para um planeta mais sustentável, reuniu mais de quarenta entre os principais especialistas para essa quantificação dos limites seguros e justos do sistema terrestre.
No que diz respeito ao clima, considera-se seguro, para evitar a elevada probabilidade de ocorrência de múltiplos pontos críticos climáticos no globo, o limite de 1,5 graus Celsius acima da temperatura média da era pré-industrial (1850-1900).
Essa fronteira foi estabelecida como um limite que não deve ser ultrapassado antes de 2050 no Acordo de Paris, adotado por 193 países em 2015, com o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa que aquecem a atmosfera, e a Comissão assinala que ainda não foi transgredido.
Por outro lado, considera que o justo deveria ser um aumento limitado a um 1 grau Celsius, para evitar a elevada exposição a danos significativos das alterações climáticas. Esse limite já foi transgredido em 1,2 graus.
Quanto à biosfera, considera-se como limite seguro e justo que a natureza intacta global tenha ao menos entre 50% e 60% de superfície de ecossistema natural. Esse limite já foi transgredido para 40% e 50%.
Para a natureza manejada localmente, deve haver pelo menos entre 20% e 25% de ecossistemas naturais em cada quilômetro quadrado. Esse limite foi transgredido em dois terços superfície terrestre dominada pela atividade humana.
No que diz respeito à água, considera-se um limite seguro e justo a alteração mensal de 20% de vazão em águas superficiais. Esse limite já foi ultrapassado para 34% da superfície global do planeta.
Para as águas subterrâneas, a margem segura e justa estabelece que sua diminuição anual seja inferior à recarga, o que já foi transgredido em 47% da superfície global.
Também foram estudados os ciclos dos nutrientes (fertilizantes), cuja utilização excessiva pode afetar os ecossistemas, por exemplo, com o crescimento excessivo de algas ou pela contaminação das águas freáticas (subterrâneas), que podem ser tóxicas para os seres humanos.
Assim, um nível seguro e justo de nitrogênio deve ser inferior a 2,5 miligramas por litro nas águas superficiais, entre 5 e 20 quilos por hectare ao ano nos solos, e um excedente global de 61 milhões de toneladas/ano, já transgredidos para 119 milhões de toneladas/ano.
Para outro fertilizante, o fósforo, considera-se segura e justa a concentração local entre 50 e 100 miligramas por metro cúbico; e um excedente global, entre 4,5 e 9 milhões de toneladas/ano. Esse limite foi transgredido com um excedente mundial que chega a 10 milhões de toneladas/ano.
“Os resultados são bastante preocupantes. A menos que ocorra uma transformação a tempo, é muito provável que seja inevitável cruzar os pontos críticos de mudança irreversível (tipping points) e, consequentemente, um impacto generalizado no bem-estar humano”, alertou Rockström.
Wendy Broadgate, diretora executiva da Comissão, disse que “uma transformação segura e justa requer urgentemente uma ação coletiva de múltiplos atores, especialmente governos e empresas, para agir dentro dos limites e manter intacto o sistema que sustenta a vida no planeta”.
Por fim, a terceira copresidente da Comissão da Terra, Joyeeta Gupta, professora da Universidade de Amsterdã, salientou que “a justiça é uma necessidade para a humanidade viver dentro dos limites planetários. É uma conclusão que a comunidade científica tem verificado em múltiplas avaliações ambientais de grande importância”.
“Não é uma opção política. Há evidências contundentes de que uma abordagem justa e equitativa é essencial para a estabilidade planetária. Não podemos ter um planeta ‘seguro’ em termos biofísicos se não houver justiça”, concluiu.
Artigo publicado pela Inter Press Service.
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