Emprego decente continuará na fila de espera na América Latina
POR MARIELA JARA. Um relatório conjunto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) advertiu em dezembro de 2022 que, apesar dos progressos na redução do desemprego no primeiro semestre daquele ano, esta tendência seria difícil de sustentar.
LIMA – As perspectivas a curto prazo para a melhoria do emprego não são otimistas na América Latina e Caribe, uma região de 662 milhões de pessoas onde o mercado de trabalho foi um dos mais duramente atingidos pela pandemia da covid-19.
Durante o confinamento, perderam-se empregos em grande escala, mais de 30 milhões de pessoas perderam os seus meios de subsistência, sendo as mulheres as mais duramente atingidas, e a sua participação na força de trabalho na região retrocedeu para níveis de 18 anos atrás.
Um relatório conjunto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) advertiu em dezembro de 2022 que, apesar dos progressos na redução do desemprego no primeiro semestre daquele ano, esta tendência seria difícil de sustentar.
“O contexto econômico global tornou-se bastante complicado nos últimos meses e tem um impacto na dinâmica global”, disse Gerhard Reinecke, especialista sênior em política de emprego no escritório da OIT em Santiago, Chile, à IPS, numa entrevista virtual.
“Temos o mais lento crescimento na China devido à política de combate à pobreza – estávamos habituados a que a China crescesse 7, 8, 9 por cento e agora está nos 3 por cento; a guerra russo-ucraniana; e o contexto inflacionário que tem impacto nas perspectivas econômicas para o mundo e a região da América Latina”, acrescentou Reinecke, co-autor do relatório da OIT e da CEPAL, Coyuntura laboral en América Latina y el Caribe, dinámica de productividad laboral (Situação do emprego na América Latina e Caribe, dinâmica da produtividade laboral).
A CEPAL projetou que a desaceleração econômica se tornará mais pronunciada na região em 2023. Estima um crescimento de 1,3%, uma percentagem que limita o otimismo em relação à recuperação do emprego de qualidade, após os indicadores auspiciosos alcançados na primeira metade de 2022.
Nesse período, a taxa de desemprego caiu nos 16 países analisados no estudo conjunto OIT-CEPAL para 7%, inferior à taxa pré-pandémica. E o trabalho assalariado aumentou com uma maior procura no setor industrial.
Os países incluídos no estudo foram Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, Jamaica, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Trinidade e Tobago e Uruguai.
Oito deles apresentaram um crescimento de mais de 4% no emprego total em comparação com 2021: Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, México, Paraguai e Peru.
O difícil contexto global, bem como o menor investimento e crescimento econômico nos países, e o aumento da inflação, reduzem as expectativas de sustentar a recuperação do mercado de trabalho na região e de ultrapassar o problema histórico da informalidade, que faz com que a população trabalhadora perca direitos.
“A curto prazo, estas nuvens permanecerão lá, as perspectivas de um crescimento tão dinâmico como o necessário para dar um forte impulso à criação de trabalho decente não foram clarificadas”, disse Reinecke, um cientista político e economista de profissão, que vive no Chile há mais de 20 anos.
É difícil ter um emprego com direitos
Cinthya Wipin, uma migrante de 36 anos em Lima, vinda da cidade do nordeste peruano, Chachapoyas, é uma dos 8 em cada 10 trabalhadores do país andino de 33 milhões de habitantes que se encontram na economia informal e não gozam de direitos trabalhistas.
Mãe de um rapaz de 16 anos e de gêmeos de seis anos, decidiu estudar manufatura em 2018 a fim de ter uma melhor qualidade de vida e garantir a educação dos seus filhos. Uma vez terminado o seu período de formação, com as poupanças do seu então emprego como empregada doméstica e as do seu marido, um trabalhador da construção civil, mais um empréstimo familiar, conseguiu comprar o maquinário necessário para iniciar o seu negócio.
“Uma amiga me vendeu a sua máquina Singer, é velha mas boa, é para costurar. Comprei a máquina de revestimento de um primo, que é para acabamento, e em prestações recebi o overlocker, que é novo. E foi assim que comecei”, disse à IPS na sua casa, num bairro do distrito de San Juan de Miraflores, a sul de Lima.
Ela não imaginava então que em três meses a pandemia seria declarada e as famílias ficariam confinadas às suas casas entre março e julho de 2020. “Não podia acreditar, tinha investido todas as minhas poupanças, estava em dívida e as máquinas tinham parado… foi um momento desesperador”, recorda.
Em meados do ano, ela decidiu anunciar o seu serviço de costura no Facebook e as encomendas chegaram. Ela continua a fazê-lo hoje e conseguiu quitar as suas dívidas, mas teria de produzir 300 camisetas por mês a fim de ganhar dinheiro suficiente para cobrir os seus custos de produção e ser rentável o suficiente para se sustentar e crescer.
“Teria de gerar cerca de 15.000 soles por mês – cerca de 3900 dólares – para poder contratar uma pessoa e arrendar instalações. O meu sonho é ter uma oficina, dar trabalho a outras mulheres e emergir fazendo aquilo por que somos apaixonados, porque adoro costurar”, diz ela.
Em frente das suas máquinas, ela se sente realizada.
“O meu marido me diz “por que trabalha tão arduamente, por que não compra roupa a granel e vende?”. Não, digo-lhe que quero comprar eu mesma o tecido, rastreá-lo, cortá-lo, bloqueá-lo e fazer o acabamento”, explica ela, referindo-se ao processo de confecção das peças de vestuário.
Trabalha mais de 12 horas por dia fazendo trabalho produtivo e carinhoso: três vezes por semana é governanta; todos os dias é responsável pela alimentação da sua família, particularmente dos gêmeos; e todas as noites trabalha para atender às encomendas que recebe.
Não é muito, mas permite-lhe manter-se ativa na sua linha de trabalho e não ser absorvida por tarefas domésticas.
Com o seu exaustivo dia de trabalho, ela consegue prover ao seu sustento diário e poupar um pouco, pois conta com o rendimento que o seu marido lhe proporciona. Mas ela não sabe o que são férias, segurança social, indenizações por demissão ou um fundo de pensões.
“Quem tem um emprego estável nos dias de hoje, são poucos. Sinto que dependo apenas de mim, dos meus esforços, não há apoio das autoridades. Me sinto encorajada pela ideia de que dentro de cinco anos, quando os meus filhos forem crescidos e eu tiver mais tempo e um pouco de capital, poderei realizar o meu sonho de ser uma costureira que trabalha com outras mulheres”, diz ela com um sorriso.
Desafios à criação de emprego formal
Reinecke indicou que a OIT propõe aos Estados estratégias integradas para políticas destinadas a superar a informalidade, a começar pelas causas que lhe dão origem, tais como a matriz produtiva.
“Há muitas unidades produtivas que são estruturalmente fracas e têm dificuldade em assumir os custos da formalidade; e há também uma falta de conhecimento de como o fazer”, disse ele.
Referiu-se também à “informalidade oportunista” que ocorre quando uma empresa com 50 ou 80 trabalhadores decide ter 10 ou 20 sem contrato, sem cobertura, sem contribuições para a segurança social.
“Dependendo do segmento da informalidade, as medidas políticas são também diferentes”, disse ele.
Acrescentou que é necessário ajustar os fatores de desenvolvimento produtivo, o que resultará em mais recursos para poder assumir os custos da formalidade. E, ao mesmo tempo, assegurar que a formalidade seja mais atrativa, com benefícios claros, menores custos possíveis e com informação disponível para prosseguir.
“Assim, os desafios para continuar a crescer e para continuar a criar empregos formais, empregos decentes, continuam a existir”, sublinhou.
Publicado originalmente em Inter Press Service (IPS).
Mariela Jara trabalha como jornalista para a IPS no Peru desde 2017. Ela se define como uma jornalista com identidade feminista, identificada com as lutas dos movimentos sociais por uma vida digna, igualdade e liberdade. Trabalhou na mídia escrita e radiofônica peruana e fez parte de experiências de comunicação dirigidas por mulheres para a sociedade em geral. Foi diretora da Rádio Milenia, responsável pela comunicação da instituição feminista Demus, elabora campanhas de comunicação e colabora com o Centro Flora Tristán para Mulheres Peruanas.
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