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Os erros da carta dos economistas a Lula

Ao defenderem a conservação da austeridade fiscal,  Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan cometem erros contrafactuais na argumentação

    Antes mesmo de sua posse, o presidente eleito por uma Frente Ampla, liderada pelo Partido dos Trabalhadores, sofre o costumeiro discurso de ex-tecnocratas detentores no passado do poder de comando estatal. Buscam apenas soluções técnicas, para os problemas, sem levar em conta os aspectos humanos e sociais pelos quais Lula foi eleito.

   O debate público, no reducionismo costumeiro da mídia, resume-se ao binarismo entre a responsabilidade fiscal ou a responsabilidade social. O dilema estaria entre a Regra do Teto ou a alimentação dos famintos necessitados de assistência social.

   Três notáveis economistas com todo acesso à mídia – Armínio Fraga (ex-BCB), Edmar Bacha (CdG), Pedro Malan (ex-MinFaz) –, ao defenderem a conservação da austeridade fiscal, cometem erros contrafactuais na argumentação. Em contraponto, outros cincos – José Luis da Costa Oreiro (UnB), Luiz Fernando Rodrigues de Paula (UFRJ), Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV-SP, ex-MinFaz), Kalinka Martins da Silva (IFG), Luiz Carlos Garcia de Magalhães (IPEA) – em necessária contra-argumentação também os cometeram.

   Todos esses erros demonstram certo desconhecimento de causa ao não tratar o sistema financeiro de acordo com as evidências empíricas e a análise holística necessária para obter uma visão macrossistêmica focada. Pelo contrário, apresentaram uma visão embaçada, turva e, portanto, desfocada. Vamos demonstrar isso em partes, pela ordem apresentada, devido ao espaço concedido para artigos.

    Primeiro, o trio FBM (Fraga-Bacha-Malan) afirma: “a alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados”. Será verdade? Há razão, sob o ponto de vista social, para tratar altas e baixas súbitas nos mercados de ações e câmbio, como algo relacionado aos fundamentos da economia?

   Vamos inicialmente dimensionar o mercado secundário de ações, onde se troca as propriedades privadas de ações sem correlação causal precisa com o valor adicionado por cada sociedade aberta com ações listadas. A cotação de qualquer ação dependerá mais das expectativas correntes dos participantes especuladores do mercado de ações sobre a predominância de suas próprias expectativas futuras.

   Cotações, na verdade, dependem da resultante entre diversas especulações sobre futuro. Os acionistas acham a precificação refletir, de imediato, as expectativas dos especuladores quanto aos dividendos, mas também quanto aos ganhos de capital.

   Nessa avaliação, seja como fundamentalistas, seja como os especuladores grafistas: uns buscam se antecipar aos outros. Um discurso do Lula ao anunciar a prioridade para a responsabilidade social face à responsabilidade fiscal, sem abandonar esta, tem a capacidade de alterar os fundamentos futuros da economia?!

   Especular é buscar entender por meio da razão o futuro desconhecido e incerto por ser resultante de interações entre decisões descentralizadas, descoordenadas e desinformadas umas das outras, mesmo porque muitas sequer foram tomadas. Especulação financeira, sob condições de incerteza, é a compra de ativos não visando o usufruto de dividendos ou rendimentos, mas sim a venda futura com lucro.

   Ora, o trio FBM não acredita na capacidade de manipulação da raquítica bolsa de valores brasileira com “comportamentos de manada”, liderados por especuladores? “Sobe no boato e cai no fato” é uma expressão muito utilizada nela porque logo quando os boatos começam a circular, os investidores começam a comprar a ação, impulsionando a cotação dela. Logo após, antes do fato falsear o rumor, quem vender realiza o ganho, e em baixa os especuladores colocam à venda para recomprar mais barato pouco adiante.

   Quando há predominância de vendedores no mercado, os atrasados aceitam receber cada vez menos pelos ativos, impulsionando o preço das ações em um movimento baixista. Os tomadores de empréstimos em ações lucram com a baixa e a recompra barata delas, após vende-las com cotações mais elevadas, para as devolver no prazo estipulado. Ora, isso não é especulação sobre o futuro, FBM?

   Compare a B3 com as maiores bolsas mundiais e veja a possibilidade de poucos investidores com muito dinheiro a manipularem. Basta seguirem a tendência especulativa a cada rumor – e anteciparem pouco antes a esperada reviravolta.

   Quais são as participações dos investidores no volume de compra e venda de ações? A das Pessoas Físicas saiu de 18,2% em 2019 para 21,3% em 2020, quando a Selic esteve em 2% aa, caiu para 19,5% em 2021, quando a Selic voltou a ser elevada, e para 16,9% em setembro de 2022, quando a Selic permanece em 13,75% aa, equivalente a 1,08% ao mês. Houve fuga da renda fixa para renda variável – e depois refugo, isto é, a bolsa de valores foi colocada de lado pela maioria dos investidores prudentes aversos ao risco.

   Em paralelo, as participações de investidores institucionais (fundos de ações e de pensão) caíram de 31,5% em 2019 até 26,4% em setembro de 2022. Os investidores estrangeiros sempre predominaram na raquítica bolsa de valores brasileira: saíram de 45,1% em 2019 para 50,6% em setembro de 2022. Empresas (1,2%) e instituições financeiras (4,9%) tinham participações pouco expressivas.

   De fato, o número de investidores PFs na negociação aumentou consideravelmente nos últimos anos. Desde 2020, a média de investidores com ao menos um negócio no mês está acima de 1 milhão. Só.

    Nos últimos 12 meses, houve um aumento de 1,26 milhão de investidores pessoa física no mercado de capitais. Eles já representam 17% do total de recursos investido em Equities, considerando-se Ações à Vista, FII, ETF, BDR e outros produtos de Equities na B3. Os 4,4 milhões de investidores pessoa física na B3 – eram 700 mil em 2018 – investem apenas um total de R$ 453 bilhões no mercado brasileiro.

    Mas 64% dos 14,8 milhões de CPFs cadastrados eram investidores apenas em títulos de Renda Fixa, ou seja, CDB, RDB, LC, LCI, LCA, CRA, CRI, Debentures, LH etc. Em contraponto, 14% deles investiam apenas em Equities.

    O aumento do número de investidores em ações à vista – de 600 mil em 2018 para 3,2 milhões no 2º. Trimestre de 2022, vem acompanhado de uma queda no saldo mediano em custódia na B3, hoje aproximadamente de R$ 3 mil. É risível deduzir “isso mostra a força e o avanço da democratização do mercado de capitais nos últimos anos”. Comparemos com os 33 milhões de famintos no Brasil – e deduzimos a prioridade social!

   De fato, o interesse dos portadores de ações “fundamentalistas” – e não “grafistas” ou especuladores para ganhos de capital (comprar barato e vender caro) – se encontra mais no mercado de lançamento primário de ações, seja nos IPOs (Oferta Pública Inicial), seja nas follow-ons (Ofertas Subsequentes de Ações). Acompanham sim a política empresarial de distribuição dos dividendos e verificam o risco de diluição da participação acionária com emissões de novas ações.

   Buscam a obtenção da maior taxa de retorno possível de suas ações, considerando sua aversão ao risco. A taxa de retorno de uma ação, em dado período, depende de 
três fatores: da cotação no início do período, do valor dos dividendos líquidos distribuídos durante o período, e do valor do ganho ou perda de capital, descontados impostos e custos de transação com ações, resultante da alteração de sua cotação no período.

   Quando observamos o número de operações no mercado de capitais brasileiro, constatamos como é ridícula sua supervalorização por “economistas Faria Limers” ao o colocar como pauta principal para manchetes no jornalismo econômico tupiniquim. Os números de IPO’s e follow-ons foram, respectivamente, 1 e 8 em 2016, 9 e 17 em 2017, 4 e 2 em 208, 5 e 37 em 2019, 27 e 25 em 2020, 46 e 26 em 2021, 1 e 17 em 2022. Os valores no ano corrente foram R$ 406 milhões no IPO e R$ 52 bilhões em follow-ons. Só.

    O número de operações de lançamento de debêntures é maior. Atingiu 481 em 2021 e 384 até setembro de 2022, com valores respectivos de R$ 250 bilhões e R$ 226 bilhões.

   No entanto, não se deve confundir esses diminutos números e valores com o Patrimônio Financeiro, registrado na Matriz (MPF) divulgada pelo Banco Central do Brasil. No 1S22, no total, aponta R$ 28,5 trilhões de ações, participações e cotas, sendo R$ 17,6 trilhões nos dois primeiros e R$ 10,9 tri em cotas. As listadas (R$ 4,4 trilhões) são minorias.

   Nas ações cotadas, a MPF registra valor de mercado. Para as não cotadas, a referência é o Patrimônio Líquido das empresas. A maior parte das cotas de fundos refere-se aos fundos com aplicações majoritárias em renda fixa. Para entendimento da complexidade do sistema financeiro nacional temos de pesquisá-las. Continuaremos em outro artigo.

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