Petro, da Colômbia, defende Justiça Social na Sorbonne.
Como o presidente Lula, o presidente Gustavo Petro, eleito em 2022, também não tem maioria no Parlamento para aprovar as reformas que defendeu durante a campanha. Ele depende de alianças e negociações complicadas e longas e se vê boicotado pela imprensa e pelas oligarquias do país. Na Sorbonne, ele perguntou: « É comunismo dar uma aposentadoria aos…
A Cúpula do Novo Pacto de Financiamento Global, realizada em Paris dias 22 e 23 de junho, contou com a participação de apenas três países latino-americanos : Brasil, Colômbia e Cuba. O presidente Lula teve audiência privada com o presidente Macron e fez um discurso vigoroso no Champs de Mars sob a Torre Eiffeil mas sua posição não-alinhada aos países da OTAN em relação à guerra na Ucrânia não deixam de suscitar críticas, inclusive de jornais de esquerda como « Le Monde » e « Libération ».
Quando recebi o convite para ouvir o presidente colombiano Gustavo Petro na Sorbonne Nouvelle, dia 23 de junho, vibrei com a oportunidade. Queria conhecer de perto esse presidente carismático, que vem lutando contra todas as forças do atraso e as oligarquias corrompidas para tentar aprovar a reforma agrária, a reforma da saúde, do trabalho, da previdência e das universidades.
Seu programa entusiasma a esquerda colombiana e todos os que no continente sul-americano conhecem o peso das desigualdades abissais que separam ricos e pobres. Mas o economista Gustavo Petro encontra uma oposição blindada para impedir a modernização de um país no qual igualdade é um conceito abstrato considerado “comunista”, como ele ressaltou em seu belíssimo discurso de uma hora na Sorbonne, interrompido de vez em quando para aplausos.
No seu discurso, além da justiça com as classes trabalhadoras, o presidente colombiano ressaltou a dívida histórica do país para com os indígenas e os descendentes de africanos. Para integrar simbolicamente todos na sociedade colombiana, Petro escolheu uma negra como candidata a vice-presidente, a militante ecologista Francia Marquez.
Como o presidente Lula, o presidente Gustavo Petro, eleito em 2022, também não tem maioria no Parlamento para aprovar as reformas que defendeu durante a campanha. Ele depende de alianças e negociações complicadas e longas e se vê boicotado pela imprensa e pelas oligarquias do país.
O presidente colombiano estudou na mesma escola pública dirigida por padres onde havia estudado Gabriel Garcia Márquez e da qual o escritor nobelizado foi expulso por ser « comunista ». Gustavo Petro costuma dizer que seu engajamento político vem de dois acontecimentos que o marcaram : o golpe militar do Chile de 1973 e a leitura de García Márquez.
Pacto Social
O novo Pacto Social pela Paz defendido pelo primeiro presidente colombiano de esquerda é ambicioso pois pretende instaurar a paz e a prosperidade com justiça social num dos mais injustos países do planeta, gangrenado pelo narcotráfico e pelas lutas internas, com uma guerrilha que depôs as armas recentemente num acordo de paz.
Como no Brasil, a grande mídia é hostil ao presidente. Ora apresentado como populista, ora como comunista que quer transformar a Colômbia numa nova Venezuela, Petro tem grande apoio nas classes populares e nos jovens.
Por décadas atrelada aos interesses de Washington, a Colômbia foi integrada à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em 2017, uma forma de trazê-la para o seio da Aliança Atlântica que une os países da Europa aos Estados Unidos em questão de defesa, desde o fim da Segunda Guerra. Nesse contexto, a Colômbia assinou diversos acordos de cooperação com Washington.
Ecologia e pacto pela natureza
Preocupado com a crise ecológica e engajado na luta contra a destruição da natureza promovida pelo capitalismo predador, Petro foi deputado e senador antes de tornar-se prefeito de Bogotá e presidente. Durante sua vida pública foi ameaçado de morte mais de uma vez, tendo que se exilar por um tempo. Em seu país, cinco candidatos à presidência foram mortos desde o fim do século XX e 282 militantes sindicais ou comunitários foram assassinados entre janeiro de 2017 e março de 2018.
Sua gestão como prefeito de Bogotá foi exemplar na luta contra a corrupção estrutural e contra o aquecimento global. O balanço dessa gestão é de uma verdadeira revolução social e ecológica.
Mas a imprensa colombiana sempre tentou demonizar o economista Petro tentando assimilá-lo ao presidente venezuelano Nicolás Maduro ou chamando-o de « castro-chavista ». Os boatos de que iria expropriar terras levou-o a assinar um documento público afirmando que não iria fazer nenhum tipo de expropriação caso fosse eleito. Ele teve que renunciar a fazer campanha em certas partes do país pois sua vida corria risco. Como os empresários, o governo Biden manifestou clara preferência pelos candidatos de direita.
Com apenas um ano de governo, Petro já enfrenta manifestações gigantes contra sua ação. Mais de 90 mil manifestantes se reuniram dia 19 de junho nas ruas das principais cidades do país convocados pela direita e antigos chefes militares para contestar suas reformas. O presidente apelou ao povo para ir às ruas fazer pressão sobre o Congresso em defesa das reformas.
Diante da crise econômica, Petro se mostra crítico em relação à política monetária americana acusando os Estados Unidos de arruinar as economias do mundo. Com o aumento das taxas de juros da Reserva Federal Americana (FED) os países da América Latina sofrem com o consequente aumento da dívida e fuga dos capitais.
Petro restabeleceu as relações diplomáticas com a Venezuela depois de três anos de ruptura, apesar de os Estados Unidos tentarem impedir essa normalização ameaçando a Colômbia com sanções econômicas.
Profundamente preocupado com a degradação ambiental e o aquecimento global, o presidente anunciou ainda em 2022 a suspensão progressiva da exploração petrolífera na floresta amazônica, o que desagrada a grandes interesses. Uma de suas propostas é que os países que emitem mais CO2 financiem com maior peso a transição ecológica.
Em artigo publicado no « Le Monde » na semana da Cúpula do Novo Pacto de Financiamento Global, Petro pôde detalhar o projeto de um pacto pela natureza que ele propõe entre os países do Sul global e os países ricos. Este pacto prevê o financiamento de uma proteção da natureza em troca da dívida dos países em desenvolvimento.
Para um auditório lotado e um outro onde se acompanhava o discurso por um telão, o presidente Gustavo Petro defendeu com voz pausada mas cheia de energia sua proposta de Pacto Social e defesa radical do meio ambiente.
Ele falou de improviso evidenciando seu brilho e seu carisma. Gustavo Petro vem de uma militância na guerrilha mas, como católico de esquerda, é próximo do cristianismo da libertação. Em seu discurso reencontramos a eloquência de Leonel Brizola, de Allende e de Fidel Castro.
A seguir, trechos do discurso de Gustavo Petro na Sorbonne Nouvelle:
« A crise climática é cada dia mais grave, o Uruguai acaba de decretar estado de emergência pela seca, todos sabemos que a realidade da crise climática está aqui, avança e se agrava e tem um potencial de destruição da vida que deveria nos assombrar. Mas as guerras ocultam o principal problema que ameça a vida de todos, dos nossos filhos, dos nossos netos. Seja ao norte, ao sul, em todo o planeta, todas as políticas nacionais são hoje atravessadas por essa realidade que o ser humano nunca havia vivido. O maior problema hoje é a sobrevivência da humanidade. Não apenas da espécie humana mas de toda a vida no planeta terra. Omnicídio, uma nova palavra, fala do assassinato de todos e todas.
As três revoluções do século XVIII, a francesa, a norte-americana e a latino-americana carregavam uma idéia de justiça social e de liberdade que depois se rompeu. Essas revoluções mantiveram, no entanto, a escravidão que diferenciava as pessoas pela cor de dua pele baseada na idéia de raças e de uma hierarquia de raças. A república francesa, a norte-americana e as latino-americanas eram escravagistas. As desigualdades sociais que se vêem hoje nos Estados Unidos e no nosso país vêm desse fato. Passados dois séculos, não fomos capazes de completar a idéia de democracia nem de igualdade, de liberdade nem de fraternidade.
Hoje na Colômbia estamos vivendo uma realidade na qual tenta-se buscar fórmulas que permitam desconectar o governo do povo para derrotar o governo como foi feito no Equador, no Paraguai, na Bolívia ou no Brasil recentemente. As sociedades latino-americanas e em particular a colombiana é uma das mais desiguais do mundo, é uma aberração comparada com outros países. E esta desigualdade é o motor da violência, o narcotráfico apareceu porque havia essa desigualdade, as guerrilhas apareceram porque havia desigualdade. A violência nas cidades e nos pueblos tem uma raiz na desigualdade aberrante.
Se a violência na Colômbia se origina nas desigualdades a paz só pode ser construída com a diminuição das desigualdades. Esta é a tese que defendemos na campanha eleitoral respaldada por 11,5 milhões de eleitores que, pela primeira vez na história, chegaram à conclusão que a mudança era indispensável para construir uma nação e construir a paz.
Não estou propondo a igualdade extrema, talvez seja uma utopia. O arco-íris da cor de nossas peles expressa o arco-íris da cor de nossas culturas. Lula dizia aqui em Paris, dirigindo-se ao presidente Macron, que «na selva amazônica que queremos resgatar, pois é um ecossistema fundamental para a existência da humanidade, se falam 300 línguas ».
Nossa proposta da reforma do trabalho é comunista? Dizem que é comunista mas não estamos propondo a coletivização dos meios de produção. A extrema-direita diz que somos comunistas porque há uma pessoa negra na vice-presidência. A Colômbia era apenas para os descendentes dos escravagistas, os que nos condenaram à violência e à desigualdade. A reforma do trabalho visa, entre outras coisas, a que o trabalhador receba mais pelas horas trabalhadas à noite, que ganhe mais pelo trabalho nos sábados e domingos.
Nas últimas décadas a parte do trabalho na riqueza nacional diminui ano após ano.
A semana do trabalhador francês é de 35 horas e se mostrou como um avanço do capitalismo para racionalizar o trabalho e aumentar a produtividade do trabalhador. Quem citar este exemplo na Colômbia é considerado louco, populista ou comunista.
Se queremos mudança na Colômbia, a paz, a construção de uma sociedade democrática, se queremos que o narcotráfico cesse, se queremos o progresso social temos que construir justiça social.
Ou somos capazes de construir um pacto social ou nos submetemos à violência. Não estamos falando de destruir o capitalismo nacional mas de desenvolvê-lo e por isso falamos de universidades públicas e de produtividade, por isso falamos de uma reforma agrária para que a terra produza comida e não esteja nas mãos de grupos que a exploram para o narcotráfico com violência. Queremos industrializar a Colômbia porque é a base de uma sociedade moderna com novos problemas, claro. Quando viemos a Paris discutir a crise climática estamos falando dos problemas do capitalismo moderno.
Se queremos sair da violência temos que construir justiça social. »
Petro citou como exemplo o pacto social feito pelos franceses que construíram uma unidade nacional que libertou a França do nazismo, construiu uma Previdência Social para todos, defendendo os direitos dos trabalhadores e reconstruindo a indústria.
Citou a aproximação da Alemanha e da França para superar a ferida nazista, a guerra, a invasão de Hitler.
« Queremos construir na Colômbia a estabilidade pelo pacto social. Isso significa melhores condições de trabalho, melhorias na saúde pois estamos em 81° lugar entre os países quanto à qualidade da saúde. A experiência de privatização da saúde nos Estados Unidos não é um modelo. Temos que investir na prevenção, na água potável, melhor alimentação, que o médico possa ver o paciente antes que a doença se instale. Prevenir é melhor que curar, dizia minha avó. Prevenir significa levar os médicos onde estão os camponeses, os indígenas. Prevenir é mais barato que tratar. É este sistema de saúde que está nos países desenvolvidos da Europa.
Na Colômbia dizem que é comunismo, que vai destruir a saúde. Como é um mau sistema de saúde cobrir todo o território nacional com médicos tratando da prevenção e do tratamento precoce ? O dinheiro da saúde foi desviado para que se comprasse avião particular para viajar para Miami. O dinheiro da saúde foi desviado para comprar armas para matar o povo »
Depois de lembrar a luta dos franceses que saíram às ruas durante meses para protestar contra o aumento da idade de aposentadoria Petro informou que 3 milhões de idosos colombianos não têm nenhuma aposentadoria. E morrem literalmente de fome…
« A percentagem de mortes de idosos pela fome é maior que a percentagem de mortes pela violência em geral. Que sociedade pode se dizer digna se depois de uma vida de sacrifícios para educar filhos e trabalhar para viver, mulheres idosas morrem nas ruas de fome porque a sociedade não foi capaz de criar os mecanismos para lhes dar uma aposentadoria ?
A Colômbia é famosa não somente por Pablo Escobar, mas ele não é filho do povo colombiano mas da oligarquia colombiana que o gerou e o construiu. Gabriel Garcia Marquez é filho do povo colombiano.
O governo propõe uma reforma para universalizar a aposentadoria que está controlada por fundos de pensão que são os donos de bancos que são os donos da mídia e o governo é acusado de comunismo porque a reforma vai levar a uma pequena diminuição do lucro sobre o dinheiro ganho com o sistema atual. Nossos velhos morrem de fome e de tristeza nas ruas e tentar mudar esta situação é comunismo ? É comunismo querer dar um prato de sopa ao velho e à velha que trabalhou toda a vida e não tem aposentadoria ?
Vamos apresentar o projeto de reforma agrária para ver se podemos abrir as portas da terra fértil ao camponês e camponesa agora quando a crise climática vai tornar mais necessário o alimento na mesa de todo colombiano. Veremos o que diz o congresso, se defende o interesse geral, a justiça social e a paz.
Queremos que a Colômbia seja uma potência mundial da vida. »
Leneide Duarte-Plon é co-autora, com Clarisse Meireles, de « Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar » (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, lançou « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado ». Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.