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Energia solar na pendência de boas baterias na Amazônia

Energia solar na pendência de boas baterias na Amazônia

POR MARIO OSAVA. Na Amazônia brasileira, cerca de um milhão de pessoas vivem sem eletricidade, segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente. Outros três milhões estão fora do Sistema Interligado Nacional de Energia Elétrica. Assim, sua energia depende principalmente do diesel transferido de outras regiões, com um custo que atinge todos os brasileiros.

BOA VISTA, Brasil – “A energia que temos não tem qualidade, queima aparelhos elétricos”, reclamou Jesus Mota, 63 anos. “Em outros lugares funciona bem, aqui não. Só porque somos indígenas”, protestou sua esposa, Adélia Augusto da Silva, da mesma idade.

A Comunidade Darora, do povo indígena Macuxi, exemplifica a luta de povoados, comunidades e aldeias isoladas na Amazônia por energia elétrica. A maioria o obtém de geradores a diesel, um combustível poluente e caro, já que é transportado de longe, por barcos que atravessam rios há dias.

Localizada a 88 quilômetros da cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima, no extremo norte do Brasil, a Darora comemorou em março de 2017 a inauguração de sua usina solar, instalada pela prefeitura da capital. Era a modernidade chegando com uma fonte limpa e estável.

Uma rede de postes e cabos de 600 metros permitiu a iluminação do “centro” da comunidade e a distribuição de energia elétrica para suas 48 famílias.

Tuxaua (cacique) Lindomar da Silva Homero, 43, motorista de ônibus escolar, durante uma visita à comunidade. A aldeia teve que voltar ao barulhento e incerto gerador a diesel, com abastecimento limitado a algumas horas

Felizmente, cerca de quatro meses depois, a distribuidora de eletricidade da Boa Vista lançou os seus cabos até Darora, integrando-a na sua rede.

“Os painéis solares ficaram aqui, inúteis. Queremos reativá-los, seria muito bom. Precisamos de baterias mais potentes, como as que colocaram no terminal rodoviário de Boa Vista”, disse Homero, referindo-se a uma das muitas usinas fotovoltaicas que a prefeitura instalou na capital.

O tuxaua (cacique) Lindomar Homero, da Comunidade Darora, exige novas baterias adequadas para reativar a usina solar, pois a energia elétrica que recebem da rede geral de distribuição é muito cara para o nível de renda dos indígenas. Atrás dele o predecessor tuxaua,Jesus Mota. Foto: Mário Osava /IPS

Energia muito cara

A eletricidade da distribuidora Roraima Energia é muito cara para o nível de renda dos indígenas, disse ele. Em média, cada família paga de 100 a 150 reais por mês (20 a 30 dólares), estimou.

Além disso, há surpresas desagradáveis. “Minha conta de novembro chegou a 649 reais” (130 dólares), sem explicação”, lamentou. A luz do sol era gratuita.

“Se você não pagar, eles cortam sua energia. Além disso, a eletricidade da rede falha muito”, e por isso os equipamentos estão danificados, disse Mota, que foi tuxaua* de 1990 a 2020.

Além da instabilidade e dos frequentes apagões, essa energia não é suficiente para irrigar a agricultura, principal fonte de renda da comunidade.

“Podemos fazer com bombas a diesel, mas fica caro, a venda da melancia no preço atual não cobre os custos”, disse.

“Este ano de 2022 choveu muito, mas há verões secos que exigem irrigação para nossas lavouras de milho, feijão, abóbora, batata e mandioca. A energia que recebemos não é suficiente para a bomba”, frisou.

As três cisternas da aldeia de Darora, uma delas com água potável graças ao tratamento químico. O maior e mais longo edifício é a escola secundária, que funciona dentro da comunidade Macuxi, que vive em Roraima, no norte do Brasil. Foto: Mário Osava /IPS.

O calcanhar de Aquiles

As baterias ainda limitam, aparentemente, a eficiência da energia solar em sistemas isolados ou autônomos, chamados com o termo inglês “off grid “, com os quais o governo e diversas iniciativas privadas tentam universalizar o fornecimento de energia elétrica e substituir os geradores a diesel.

Algumas das famílias Darora que vivem fora do “centro” da aldeia e têm painéis fotovoltaicos também tiveram problemas com as baterias, explicou Homero.

A comunidade reúne 18 famílias isoladas, além das 48 do “centro”. No total somam 265 habitantes.

Outra comunidade formada por 22 famílias indígenas do povo Warao, emigrados da Venezuela, chamada Warao a Janoko, a 30 quilômetros de Boa Vista, também obteve uma usina fotovoltaica. Mas das oito baterias que o compõem, duas já estragaram após alguns meses de uso. O abastecimento só está garantido até às 20h00.

“As baterias melhoraram muito na última década, mas ainda são o elo fraco da energia solar. O mau dimensionamento e a baixa qualidade dos equipamentos eletrônicos de controle de carga agravam esse quadro e reduzem a vida útil das baterias”, disse à IPS desde a capital paulista o consultor Aurelio Souza, especializado no assunto.

A baixa qualidade da energia fornecida a Darora deve-se à discriminação sofrida pelos indígenas, segundo Adélia Augusto da Silva. A água que bebiam também sujava e causava doenças, principalmente em crianças, até que o serviço de saúde indígena tratou quimicamente o recurso. (Foto: Mário Osava/IPS)

Na Amazônia brasileira, cerca de um milhão de pessoas vivem sem eletricidade, segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente, organização não-governamental de São Paulo. Mais precisamente, seu estudo de 2019 identificou 990.103 pessoas nessa situação.

Outros três milhões de habitantes da região, incluindo os 650 mil de Roraima, estão fora do Sistema Interligado Nacional de Energia Elétrica. Assim, sua energia depende principalmente do diesel transferido de outras regiões, com um custo que atinge todos os brasileiros.

O governo decidiu subsidiar esse combustível fóssil para que a eletricidade não tenha um preço proibitivo na Amazônia.

Esse subsídio é pago por outros consumidores, o que contribui para tornar a eletricidade brasileira uma das mais caras do mundo, apesar do baixo custo de sua principal fonte, a hidráulica, que responde por cerca de 60% da geração.

A energia solar fotovoltaica tornou-se uma alternativa viável, pois os componentes de sua usina ficaram mais baratos. Multiplicaram-se as iniciativas para “levar luz” a comunidades remotas e reduzir o consumo de diesel.

Mas em usinas isoladas, aonde os cabos não chegam, são necessárias boas baterias para armazenar energia para as horas noturnas.

Parte do chamado “centro” de Darora, com os postes de iluminação, as casas, o campo de futebol e um barracão onde a comunidade se reúne. Aldeia Macuxi , perto de Boa Vista, capital do estado de Roraima (Foto: Mario Osava / IPS)

Um caso único

Darora não é um caso típico. Faz parte do município de Boa Vista, com 437 mil habitantes e bons recursos, fica próximo a uma estrada asfaltada e dentro de um ecossistema de cerrado, chamado de “lavrado” pela população local.

É no extremo sul da terra indígena São Marcos, onde vivem muitos macuxis, mas menos do que na Raposa Serra do Sol, outro grande território indígena de Roraima. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) estimou 33.603 macuxis em Roraima em 2014.

Mas esse povoado se estende até o país fronteiriço da Guiana, onde vive um número semelhante ao de Roraima, segundo os indígenas. Sua língua faz parte da família Karib.

Não há grandes florestas no entorno, mas Darora leva o nome de uma árvore, que oferece “madeira muito resistente, boa para construir casas”, explica Homero.

A comunidade surgiu em 1944, fundada por um “patriarca” que viveu até os 93 anos e que atraiu outros macuxis.

A sua evolução é especialmente perceptível no Middle School (secundário), instalado no “centro”, que conta atualmente com 89 alunos, e 32 funcionários, “todos de Darora, com exceção de três professores de fora”, orgulha-se Homero.

Uma nova e maior escola de Ensino Fundamental (primário, nove anos), foi construída há alguns anos a cerca de 500 metros da comunidade.

A água era um problema sério. “Bebíamos água suja e vermelha, crianças morriam de diarreia, mas agora temos água boa e tratada”, conta Adélia da Silva.

“Cavamos três poços artesianos, mas a água não prestava, era salgada. A solução foi trazida por um técnico da Sesai, que com uma substância química tornou potável a água da lagoa”, disse Homero.

A comunidade possui três caixas d’água elevadas, duas para banho e água de limpeza e apenas uma para água potável. Não houve mais problemas de saúde por causa da água, garantiu o tuxaua.

Sua preocupação atual é encontrar novas fontes de renda para a comunidade. O turismo é uma alternativa.

“Temos uma praia no Rio Tacutu a 300 metros, uma grande produção de frutas, artesanato e uma gastronomia típica, milho e mandioca”, apontou como possível atrativo para os visitantes.

Publicado originalmente na IPS (Ed:GE)

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