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O professor e o dedo-duro

O professor e o dedo-duro

São dois filmes que ampliam esse fenômeno em andamento e é foco atual do estudo de especialistas no assunto: a influência do soft power do cinema americano no Brasil, um dos seus principais mercados consumidores, está começando a declinar?

No prenúncio de um mundo multipolar, a geo-cinematografia também emite sinais de mudança. No rastro dos estratificados centros tradicionais de produção de filmes – Hollywood, cinema francês, britânico, italiano e alemão, e no Oriente, o japonês -, há efervescência e sinais da prontidão dos mercados de criação, distribuição e exibição que começam a trabalhar com novidades em grande escala.

Pacotes de filmes realizados por uma nova geração alemã, e também da Espanha, Brasil, Argentina, Cuba, outros países de língua espanhola, e da China, Coréia do Sul, Tailândia, Índia, da Turquia (se reafirmando um interessante pólo cinematográfico) assim como de dezenas de países africanos, são pacotes de filmes comprados por plataformas exibidoras e por alguns cinemas interessados em trabalhos antes considerados cult e de pouca bilheteriae  hoje híbridos de cinema de autor/ comercial.

Dois deles se encontram em cartaz neste momento: o argentino O Suplente (El Suplente) e o turco Os encurralados (Boga Boga).

O diretor portenho Diego Lerman (47 anos) já é conhecido no Brasil. Esteve presente na Mostra Internacional de Cinema de 2017 com Uma espécie de Família, co – produção Argentina, Brasil, França, Alemanha, Dinamarca e Polônia. Aliás, outra característica da onda de filmes desse momento multipolar é o seu financiamento por grupos numerosos de países reunidos.

A trama de O Suplente é esta: Lucio, professor universitário de literatura na capital, decide imprimir outro sentido à vida de acordo com sua ideologia. Deixa a cidade e vai ensinar em uma escola pública de Isla Maciel onde nasceu, periferia pobre de Buenos Aires na qual seu pai mora até aquele momento e onde é uma liderança popular importante.

As filmagens foram realizadas em Avellaneda, outro subúrbio proletário da capital, que assim como Isla Maciel não é exatamente região de interesse turístico.

O bom ator Juan Minujín, que trabalhou no filme Os Dois Papas, vive o papel do professor Lucio lutando para interessar alunos carentes na literatura, na beleza da poesia e em textos de autores especiais. Como é filho de El Chileno, famoso ativista do bairro, (interpretado pelo ótimo ator Alfredo Castro), o mestre suplente se envolve em uma história de contrabando de drogas dentro do colégio e com a gangue de um chefe traficante local. Mas quer e vai proteger seus alunos.

Já Encurralados, o primeiro colocado na seleção dos dez filmes mais procurados on line nos recentes feriados, é de um cineasta turco, Onur Saylak, de 45 anos. O plot é protagonizado por casal de jovens ricos, de família da alta burgesia de Istambul que se refugia na vila de veraneio de ricaços, Assos, na costa do Mar Egeu. O homem, Yalin, é o empresário que foge de um escândalo financeiro nacional no qual é pivô. Uma pirâmide em que  centenas de pessoas perderam as aplicações roubadas por ele. Yaklin se livrou da prisão delatando seus sócios no negócio criminoso e vai aguardar em Assos o julgamento e a sentença final que, ao que tudo indica será a de absolvê-lo caso ele se mantenha longe dos holofotes e hibernando em Assos.

Tema rico e complexo de autoria de Hakan Gunday, um festejado roteirista de Istambul, a produção turca, embora mais sofisticada, não deixa de ceder também à superficialidade assim como o filme/ perfil do professor de El Suplente, esse mais autoral e menos comercial do que o suspense de Saylak. O final imprevisto e mais que realista, cínico, de Encurralados é velho conhecido das aventuras lavajistas que foram vividas no Brasil.

Se por um lado a história do professor argentino reforça o recado da solidariedade necessária e sempre urgente para nos salvarmos num mundo-cão com a ajuda, uns aos outros, (a moral socialista do  cartaz do filme é: ’’vamos nos dar as mãos’’), a biografia do milionário turco sublinha o pragmatismo cínico vigente dos usos e abusos capitalistas. Terá enlouquecido com o peso da culpa, esse empresário encurralado em Assos e pronto para fugir para a Grécia, do outro lado do mar? Ou todos podem ser comprados com uma boa mala cheia de dinheiro deixando-o em liberdade?

São dois filmes que ampliam esse fenômeno em andamento e é foco atual do estudo de especialistas no assunto: a influência do soft power do cinema americano no Brasil, um dos seus principais mercados consumidores, está começando a declinar?

* Filmes na Netflix.

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