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O Brasil se (re)descobrindo

O Brasil se (re)descobrindo

Como escreveu alguém da crítica cinematográfica, trata-se de um filme-bomba que arrebatou prêmios em Gramado, com sua força e sua poética maldita.

A partir de Pernambuco, o Brasil está se redescobrindo através do cinema realizado com suor, lágrimas e um esforço hercúleo como produtor de filmes que chegam às telas sofisticadas dos Jardins paulistas e do Leblon carioca, mas idealizado e criado nos confins de Minas Gerais, da Bahia, do Ceará e do país profundo que nos joga agora na cara (ou na tela; e de preferência na telona) o quanto condescendentes fomos nós nos últimos quatro anos em que o país mergulhou em um processo de deterioração  agora reconhecido na sua inaudita agressividade.

Mais ainda – talvez – que o resto do país, a região Norte, estados do Amazonas, Rondônia e Acre, mostra o quanto sofreu e sofre ainda atropelada que foi pela rota do narcotráfico internacional nessa região do continente. O filme Noite Alienígenas (90 minutos, produção acreana) está aí, estreando esta semana em circuito nacional de cinemas, imperioso e insistente nos chamando para assisti-lo. É imperdível.

Como escreveu alguém da crítica cinematográfica, trata-se de um filme-bomba que arrebatou prêmios em Gramado, com sua força e sua poética maldita. Conseguiu desbancar outra produção de excelência sobre o país de hoje, o favorito mineiro Marte Um, no festival de 2022. Evento considerado um marco na história do cinema brasileiro, Gramado apresentou vários filmes mostrando realidades que a imensa maioria do país não conhece ou sobre a qual sabe muito pouco. Noites Alienígenas foi o grande destaque da festa e levou seis prêmios incluindo o de Melhor Filme e Melhor Ator.

O autor, Sergio de Carvalho, escritor e produtor, nascido em São Paulo e criado no Rio de Janeiro, há vinte anos se dedica a pesquisar a vida (e o desastre) na periferia da capital acreana de Rio Branco. Este é o seu primeiro longa-metragem.

“Quando cheguei ao Acre, no governo Jorge Vianna (PT), o Estado vivia clima de euforia. Os Pontos de Cultura da gestão Gilberto Gil fervilhavam, o movimento artístico-cultural se enriquecia com a Escola Livre de Cinema de Maurice Capovilla e grandes profissionais participavam de oficinas artísticas; o ator Chico Diaz era um deles”. Hoje, Chico Diaz é um dos brilhantes protagonistas de Noites Alienígenas.

“Ser chamado de seringueiro,” lembra Carvalho, ” não era mais pejorativo naquela época; identificava nossa identidade. Hoje, infelizmente, o Acre está entre os Estados campeões de desmatamento da floresta. Mas estamos lutando para ver se conseguimos mudar este estado das coisas”.

Um dos grandes trunfos do filme de Sergio Carvalho, além do elenco excepcional e da trilha sonora, dos raps e das lembranças musicais de Raul Seixas (Cachorro Urubú, por exemplo,cantado na longa sequênciade introdução), é a fotografia de Pedro von Krüger que imprime o tom sobrenatural, estrangeiro, a esse conto cinematográfico baseado no romance de título homônimo de autoria do diretor.

Noites Alienígenas tem como protagonista Rivelino – ator Gabriel Knox -, jovem da periferia da capital do Acre, Rio Branco, envolvido com o traficante local Alê (Chico Diaz). A relação entre os dois começa a desandar quando o crime organizado e super profissional chega aos bairros pobres fronteiriços entre a cidade e a floresta, e costumes ancestrais da Amazônia mágica, como as cerimônias de consumo do Santo Daime, o chá de ayahuasca que entre outras propriedades alivia o estado depressivo, passam a se confundir com a compra, venda e exportação de cocaína por parte das quadrilhas que chegam do Sudeste.

Roteiro enxuto de Sérgio de carvalho com Camilo Cavalcanti e Rodolfo Minari, o elenco é composto, acompanhando Chico Diaz, de Gabriel Knoxx (acreano), Joana Gatti, Adanilo Reis (ator de ascendência indígena), Gleici Damasceno, Chica Arara, Bimi Huni Kuin e Duace que vivem as figuras do jovem viciado, do traficante experiente que vem dos grandes centros urbanos, da mãe desesperada, da namorada que ”gostaria de ir embora para ”estudar Medicina na Bolívia”.

”Fala-se muito pouco, ” diz Sergio de Carvalho em recente entrevista,” sobre o impacto da chegada do crime organizado ao Norte, dessa ocupação da Amazônia inclusive da sua penetração nas aldeias indígenas. A dependência química dos jovens é crescente nas populações do Norte. E mostrar isso foi o meu objetivo nesse filme”.

”Ele trata de um Brasil bélico, de um Brasil que se arma, de um Brasil que cada vez mais se torna violento na violência de todos, em todos os sentidos. A violência contra a juventude. E a violência contra indígenas”.

Infelizmente, um registro de Carvalho mais do que atual com as duas tragédias, esta semana, em escolas de ensino médio do Rio de Janeiro e de São Paulo. 

No final desse filme com essas ”noites inquietantes”, uma cartela fornece o dado brutal:  ”Desde a invasão das facções  criminosas do Sudeste do Brasil à Amazônia aumentou em 183% o assassinato de crianças e jovens nos últimos dez anos no estado do Acre”.

* Coletiva de Sergio de Carvalho comentando seu filme em https://www.youtube.com/watch?v=gvNZMilowic

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