O Mágico Encontro de Tom e Elis
Documentário torna pública a filmagem, quase clandestina, com os dois gigantes da música popular brasileira, em um exíguo ambiente de um estúdio da MGM, da gravação do disco ‘Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você’
Uma pequena joia, uma pérola, neste caso um pequeno filme de uma hora e quarenta, com o making-of imperdível dos bastidores da gravação, na cidade de Los Angeles em fevereiro de 1974, do disco Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você.
De Roberto de Oliveira com coautoria de Jom Tob Azulay, só agora, quase meio século depois, o produtor musical e empresário de Elis naquela época, torna pública a sua filmagem, quase clandestina, com os dois gigantes da música popular brasileira em um exíguo ambiente de um estúdio da MGM.
A dupla gravou ali um dos discos que perduram como um dos mais emocionantes, e para muitos, o melhor registro da MPB dos anos 60/70. Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você é o primeiro longa-metragem de Roberto.
Em fevereiro de 74 Tom Jobim vivia nos Estados Unidos. Saíra do Brasil e vivia, naquele instante, uma fase quieta e meio depressiva. O maestro era um dos músicos e compositores mais famosos e respeitados no mundo inteiro.
Elis arrastava multidões aos seus shows no Brasil. Mas não era muito bem-vista naquele instante. Cantara nas Olimpíadas do Exército, dois anos antes, e se encontrava numa fase em suspenso da sua carreira. A ditadura civil-militar fazia dez anos e o mundo artístico era severamente punido pelos censores militares. No ambiente musical da época a preferência dos fãs se dividia com paixão pela voz opulenta da Pimentinha e, do outro lado do espectro, daqueles que se identificavam com a de Maria Betânia.
Acompanhando Elis na aventura do encontro com Tom, em Los Angeles, o seu segundo marido, o pianista e autor dos arranjos do disco, Cesar Camargo Mariano (o primeiro tinha sido Ronaldo Bôscoli).
Roberto Oliveira montou uma pequena equipe e com sua sensibilidade percebeu que estava diante de um acontecimento histórico ao testemunhar a gravação que conseguira efetivar com a colaboração de diversos intermediários, entre eles o legendário produtor musical então radicado nos Estados Unidos, Aloisio Oliveira.
O seu documentário é contextualizado com diversas entrevistas recentes. Beth Jobim, filha de Tom, João Marcelo Bôscoli, filho de Elis, os extraordinários Paulo Braga, baterista; Luizão Mario, baixo; Helio Delmiro, guitarra elétrica, são algumas delas. Oscar Castro Neves, no violão e Chico Batera na percussão completam o time de ouro.
André Midani, outro personagem ícone da indústria fonográfica daquele tempo, a Polygram, comenta no filme, em entrevista concedida em 2018, antes de morrer: “Elis, botando para fora o sentimento, era uma escrava do seu talento; ele, Tom, era o banquinho e um violão”.
Já o jornalista Nelson Motta, outro participante ativo do mundo musical da época, chama a atenção para os belos acordes, “o ambiente aberto, livre, moderno, daquela música distante de uma ditadura”. Ele escreveu: “Elis detestava a Bossa Nova; gostava de jazz, samba e de boleros”.
No começo, o encontro entre os dois não foi fácil. Questão de estilo e de personalidades. Elis e Tom se respeitavam, mas não eram aficionados do trabalho um do outro. Ela interpretava de modo exuberante, expansivo. Tom fazia música minimalista. Ambos começaram discutindo se cada nota, cada respiração estava no lugar certo. A discórdia entre Tom e Cesar Mariano era permanente sobre o uso do piano elétrico do marido de Elis, apontado como uma ‘heresia’ pelo maestro.
Depois, tudo foi se ajeitando.
Ao apresentar o seu lindo filme no site Papo de Cinema, Roberto lembra: “Montei uma equipe nos Estados Unidos e dei a sorte de ter nela um fotógrafo brasileiro muito bom, o falecido Fernando Duarte, e também dei a sorte de ter meu grande amigo Jom Tob Azulay, estudante de cinema na UCLA e vice-cônsul do Brasil em Los Angeles, fazendo o som direto”.
Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você está estreando nos cinemas, já conquistou a crítica e foi reconhecido como o Melhor Filme Brasileiro na 46ª Mostra de São Paulo. Sua carreira começou com exibições especiais no Festival do Rio, ano passado.
Quanto a Roberto Oliveira, há cerca de 50 anos ele atua no audiovisual da MPB. É autor das séries Chico, sobre Chico Buarque, Maestro Soberano, sobre Tom Jobim, Biograffiti, com Rita Lee, e Falso Brilhante, de Elis Regina.
E estão no horizonte um projeto de livro e uma exposição, agendados para 2024, onde o filme é o personagem principal. São desdobramentos do documentário sobre o histórico álbum.
Sobre esse disco memorável, consta que o excelente artista gráfico Elifas Andreato, falecido ano passado, mais um personagem relevante da cultura da época, poucas semanas antes da morte da cantora, em 1982, em uma visita a sua amiga, encontrou-a ouvindo Elis & Tom e ela teria comentado: “Elifas, nunca mais vai acontecer uma coisa dessas. Jamais! É muito bonito!”.
Realmente: trata-se de um disco emocionante, com Águas de março, Soneto da Separação, Por toda a minha vida, Modinha, Retrato em branco e preto e outras faixas de clássicos memoráveis; e de um documentário também muito especial.
Jornalista.