O recado de Salvador Allende é ‘Não’
Tempo de lembrar o filme chileno No e o legendário último discurso do Presidente Salvador Allende, pelo rádio que ainda funcionava, e momentos antes de morrer: “Saibam que mais cedo do que tarde de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor”
*Este texto foi publicado originalmente em setembro de 2018, no site Carta Maior
Há seis anos o filme chileno No, do diretor Pablo Larraín, estreava com grande repercussão aqui e na Europa, depois de ser premiado em Cannes e indicado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Baseado em uma peça do escritor Augusto Skármeta, El Plebiscito, o tema deste documentário é significativo nesta proximidade não apenas da data trágica de 11 de setembro de 1973, quando o presidente Salvador Allende foi assassinado no palácio de La Moneda, em Santiago, pela fúria do bombardeio dos aviões de Augusto Pinochet e seus asseclas.
O mote principal do documentário fala sobre como os chilenos conseguiram começar a se livrar (em termos) da ditadura, no seu país, através do referendum de cinco de outubro de 88 – que passou à história como o dia do “no” – e respondendo à campanha agressiva do “si” planejada pelo sanguinário ditador que nutria a veleidade de continuar no poder sob a capa de uma democracia farsesca por mais nove anos; mesma espécie da democracia de baixa intensidade (eufemismo de cientistas políticos) como esta, que vivemos no Brasil há dois anos.
Mas o filme de Larraín se relaciona também com a data de sete de outubro próximo, no Brasil, porque apresenta as entranhas do marqueting político que, usado com talento, esperteza e com a parceria da mídia aliada ao poder do momento – e sempre defensora infatigável apenas dos seus interesses econômicos, como igualmente ocorre no Brasil –, como ele pode influenciar decisivamente no resultado dos pleitos.
Em 2008, Pablo Larraín (filho de uma família de direita, porém cineasta sempre firme em suas posições de esquerda) deu uma entrevista sobre No dizendo: “No Chile, a direita, como parte do governo Pinochet, é diretamente responsável pelo que aconteceu com a cultura nesses anos, não só destruindo-a ou restringindo sua propagação, mas também através da perseguição de escritores e artistas. O Chile se viu incapaz de se expressar artisticamente por quase vinte anos”.
E arrematou: “A direita em todo o mundo não está muito interessada na cultura e isso revela a ignorância que provavelmente é deles, porque é difícil para que alguém possa aproveitar ao máximo algo ou apreciá-lo se não tiver conhecimento dele”.
Atualmente, saltando na medida de tempo chileno para hoje, os correspondentes de Carta Maior em Santiago, Tebni Pino e Victor Saavedra, no texto Setembro no Chile, tempo de fantasmas, registram os números que assustam o atual governo de Sebastián Piñera. O desemprego crescente, os boias-frias, os mais de cem mil haitianos legalizados, habitantes de sórdidas moradias, sem leis sociais que os protejam no trabalho e marginalizados pela população, as violações dos direitos humanos, os desaparecidos.
Mas é sobretudo o fantasma de Allende que paira e continua assombrando o governo, a comunidade empresarial e a direita chilena, “a mesma que derrubou o presidente com medo do perigo do comunismo“.
“Ele também é um fantasma que persegue o atual governo quando vê meninos de 13, 14 ou 15 anos exigindo educação gratuita nas ruas, mais recursos para pesquisa, melhores salários para os professores. Estes sim são fantasmas, não apenas jogos prestidigitação ou luzes voadoras”, escrevem Pino e Saavedra.
Um fantasma assustador cujas palavras ainda ressoam vindas de La Moneda: “O povo deve se defender; mas não se sacrificar. Não deve ser oprimido. Muito menos deve permitir ser humilhado”.
Jornalista.