Lula: exigências da União Europeia para acordo com Mercosul são uma “ameaça”
Em discurso durante a Cúpula para o Novo Pacto Global de Financiamento, em Paris, presidente também tratou da fome e da desigualmente e pediu reforma das instituições multilaterais
O presidente Lula qualificou como uma “ameaça” as exigências apresentadas pela União Europeia para concluir o acordo com o Mercosul, informa a agência Prensa Latina. Durante seu discurso na Cúpula para o Novo Pacto Global de Financiamento (leia na íntegra), em Paris, ele fez menção a dispositivos que incluem sanções consideradas severas pelo governo brasileiro no caso de descumprimento das obrigações pelos países participantes. “Estou doido para fazer um acordo com a União Europeia. Mas não é possível. A carta adicional que foi feita pela União Europeia não permite que se faça um acordo. Nós vamos fazer a resposta, e vamos mandar a resposta, mas é preciso que a gente comece a discutir. Não é possível que nós tenhamos uma parceria estratégica e haja uma carta adicional fazendo uma ameaça a um parceiro estratégico. Como a gente vai resolver isso?”, indagou.
As tratativas entre os dois blocos tiveram início em 1999. Em 2019, as discussões comerciais foram concluídas, seguidas, dois anos depois, pelas questões políticas e de cooperação. Desde estão, o acordo passa por uma fase de revisão antes de ser firmado. Entretanto, a política ambiental adotada pelo governo Bolsonaro, que resultou em um aumento no desmatamento, tem dificultado as negociações.
Uma das ameaças a que Lula se refere diz respeito a uma lei aprovada pelo Conselho Europeu, em maio de 2022, que proíbe a importação de produtos provenientes de áreas desmatadas após 2020, prevendo a imposição de multas. O Itamaraty negocia com os outros membros do Mercosul para apresentar uma contraproposta em resposta a essa lei.
Lula também afirmou que a Organização Mundial do Comércio “acabou”, reiterando que o ex-presidente dos EUA George W. Bush (2001-2009) se afastou da instituição e que seu sucessor, Barack Obama (2009-2017), tampouco a priorizou, e concluiu: “A OMC hoje faz muito pouco. É por isso que temos a volta do protecionismo”. De acordo com o Brazilian Report, a última rodada de negociações lideradas pela OMC, a Rodada Doha, começou em 2001 e nunca foi concluída.
Além de abordar a fome e a desigualdade social em sua fala, o presidente voltou a defender a utilização de moedas alternativas para transações comerciais internacionais, levantando questionamentos sobre a necessidade da conversão para a moeda dos Estados Unidos. “Eu não sei por que Brasil e Argentina têm de fazer comércio em dólar. Por que a gente não pode fazer nas nossas moedas. Não sei por que Brasil e China não podem fazer nas nossas moedas. Por que eu tenho que comprar dólar? Então essa é uma discussão que está na minha pauta e, se depender de mim, ela vai acontecer na reunião dos Brics, que será em setembro. E vai acontecer também na reunião do G-20”, disse.
O Página/12 enfatiza a reflexão e o pedido de reforma das instituições multilaterais – em especial ao Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, dando grande destaque às críticas direcionadas ao FMI e a Mauricio Macri, embora sem citá-lo nominalmente. “Muitas vezes os bancos emprestam dinheiro e o dinheiro emprestado é o resultado da falência do Estado. É o que estamos vendo na Argentina hoje. A Argentina, da forma mais irresponsável do mundo, o FMI emprestou 44 bilhões de dólares para um senhor que era presidente, não se sabe o que ele fez com o dinheiro, e a Argentina hoje está passando uma situação econômica muito difícil, porque não tem dólares nem para pagar o FMI”, disse Lula.
Junto a outros cinco presidentes latino-americanos – Luis Arce (Bolivia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Andrés Manuel López Obrador (México) e Mario Abdo Benítez (Paraguai), Lula assinou uma carta enviada a Joe Biden, pedindo ao presidente estadunidense que interceda nas negociações entre a Argentina e o FMI. “Os líderes da região acreditam que é possível encontrar uma solução consensual que permita à Argentina atravessar a conjuntura em que se encontra. Não é viável e nem desejável que as demandas que não consideram adequadamente a mudança das circunstâncias afundem a Argentina em uma crise desnecessária que interrompa a recuperação em curso. A inflexibilidade do FMI em revisar os parâmetros do acordo (…) corre o risco de transformar um problema de liquidez em um problema de solvência”, diz um trecho da carta, em publicação do argentino La Nación.
Depois de sua participação na Cúpula para o Novo Pacto Global de Financiamento, Lula se reuniu nesta sexta-feira com o presidente da França, Emmanuel Macron, no Palácio do Eliseu, em Paris. Segundo o argentino Clarín, durante o encontro, que durou cerca de uma hora e meia, os presidentes discutiram o impasse no acordo UE-Mercosul, além de tratarem sobre a guerra na Ucrânia, intercâmbio cultural e mudanças climáticas.
*Imagem em destaque: Lula participa da abertura da Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global (Ricardo Stuckert/PR)