Brasília: crise ou oportunidade?
O corte de recursos do Fundo Constitucional é tão ruim para Brasília? Quais são os desafios para Brasília crescer com as próprias pernas, sem sugar volumosos recursos de tributos gerados nas 26 unidades da federação?
Morei e trabalhei em Brasília de setembro de 1985 à agosto de 2022. Naqueles 37 anos nasceram meus filhos e filhas. Em 27 de janeiro de 2023 estreiou Lucas, o neto brasiliense. Portanto, as minhas raízes do presente e do futuro, estão fincadas no solo da cidade que me acolheu como se fosse filho seu. Tenho dezenas de amigas e amigos no Plano Piloto e nas Cidades Satélites. Gente de diferentes tribos, raça, sexo, religião e interesses profissionais, culturais e esportivos. Sobretudo, gente da gente.
Entre 1987 e 1991, trabalhei na Secretaria de Orçamento Federal (SOF). Na primeira coordenação técnica, antes de atuar na assessoria econômica da SOF, coube-me monitorar o orçamento do Governo do Distrito Federal (GDF). Naquela época não existia o Fundo Constitucional do Distrito Federal, criado há 20 anos. Portanto, foi instituido no primeiro mandato do presidente Lula.
Desde 21/4/1960, quando ocorreu a inauguração de Brasília, gestou-se a responsabilidade da União (leia-se dos 26 estados da federação) manter o orçamento do GDF nas áreas de educação, saúde e segurança pública.
As despesas com pessoal e encargos sociais nas citadas áreas correspondem à, aproximadamente, 60% da despesa total com pessoal e encargos sociais. Atualmente e desde sempre policiais, bombeiros, educadores, médicos e enfermeiros lotados no GDF, percebem vencimentos acima da média nacional.
Logo, cabe indagar: qual é a posição do Distrito Federal no ranking nacional de educação? A quantas andam a eficiência, a eficácia e a resolutividade da saúde pública do Distrito Federal com relação à média nacional? Por que a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública – bem pagas pelo tesouro nacional – deixaram os golpistas invadirem os prédios dos três poderes da República Federativa Brasileira? Não são regiamente pagas para proteger o patrimônio nacional e as embaixadas estrangeiras sediadas em Brasília?
Os argumentos para reivindicar a manutenção dos recursos do Fundo Constitucional são idênticos aos apresentados pelos ex-governadores José Aparecido e Joaquim Roriz, há mais de 36 anos. Brasília, Brasil e o mundo não mudaram neste longo tempo histórico?
Chega de acomodação! Brasília tem todas as condições para andar com as próprias pernas na atual configuração econômica e tecnológica mundial.Já perdeu prazo de validade o surrado argumento da impossibilidade de instalar indústrias poluentes na capital federal. A economia criativa pode e deve ser o carro chefe da economia brasiliense, e se posicionar dentre as 5 maiores, mais diversificadas e mais eficientes do país. Mire-se no bom exemplo de Singapura, também cidade-estado.
Relembrando o velho e surrado aforismo chinês “crise também é oportunidade”. Por que não aproveitar o freio de arrumação para dar novo impulso político, econômico, social, cultural e institucional ao território de 400km2 e 3 milhões de habitantes? Brasília possui capital-dinheiro, ótimas universidades, centros de pesquisa e pessoas qualificadas, imaginativas e criativas. O que não existe é coragem e estímulo para investir e inovar visando correr os riscos inerentes ao capitalismo.
Para a expansão e diversificação econômica de Brasília, proponho que o governador do Distrito Federal desengavete os estudos liderados pelos três últimos presidentes da Codeplan. Tais estudos serviriam de bússola para a sensibilização e mobilização de atores políticos, econômicos, sociais, Institucionais e ambientais visando a elaboração participativa do Plano de Desenvolvimento com EQUIDADE (Econômica e Social) e Sustentabilidade Ambiental – PLANDESA (2023-2035).
Paralelamente, proponho a redução gradativa dos recursos do Fundo Constitucional até alcançar o limite mínimo de 50%, em termos reais.
Durante os anos de 2024 e 2025 os valores atuais do Fundo Constitucional devem ser mantidos, de modo a possibilitar a maturação e o retorno dos investimentos públicos e privados. A partir de 2026 ocorreria a redução anual de 5% dos recursos do Fundo Constitucional.
Considerando a imperiosa necessidade de estimular a transição econômica de Brasília e dos municípios do Entorno do Distrito Federal, sugiro a criação de linhas de crédito dos bancos públicos para financiar projetos de investimentos prioritários, em linha com o PLANDESA 2023-2035.
Basta! Chegou a hora de Brasília cortar o cordão umbilical da dependência do trabalho e suor, de mais de 215 milhões de brasileiras e brasileiros.
Salvador, 8/6/2023.