‘Pixo’ é arte, é transgressão
Para Cripta, ‘’a arte do ‘pixo’ é libertária e anárquica. ‘’A sociedade se incomoda com a pichação e não se incomoda com coisas muito mais importantes’’, ele diz.
‘’Pichar é se apropriar do espaço público sem o aval de ninguém’’, clama o pichador Djan Ivson, 26 anos, pintor de paredes e morador da periferia paulistana. Ivson é também conhecido como Cripta Djan, seu pseudônimo de artista plástico e um dos autores do roteiro de Urubus, filme dirigido por Claudio Borrelli com estréia esta semana nos cinemas. Borrelli e Mercedes Gameiro são companheiros de Djan no roteiro.
Para Cripta, ‘’a arte do ‘pixo’ é libertária e anárquica. ‘’A sociedade se incomoda com a pichação e não se incomoda com coisas muito mais importantes’’, ele diz.
No filme, a filosofia dos anarquistas pichadores de prédios e paredes do centro de São Paulo é apresentada através do fio da história amorosa de Trinchas (Gustavo Garcez), jovem líder de um grupo de garotos pobres, da periferia da cidade, que escalam os edifícios mais altos das principais avenidas para neles deixarem suas marcas. Uma noite, quando Trinchas conhece Valéria (personagem da atriz Bella Camero, que fez Marighella), estudante de arte de origem na classe média, a vida de um e de outro começa a mudar.
Valeria é atraída pelas ações dos pichadores, os rapazes invisíveis da cidade, e interessada pelas suas atividades deseja filmá-los para a sua pesquisa e para enriquecer os estudos que faz da obra de Peter Lamborn Wilson, o autor norteamericano que na realidade existiu e morreu há um ano em Nova Iorque, autor de livros sobre a arte de pichar* assinando com o pseudônimo de Hakim Bey.
Há quem considere que os escritos de Wilson como Hakim Bey servem de base ideológica para os hackers e acredita-se que com ele se procede a uma nova leitura da idéia clássica de anarquismo e de ação direta.
Nesse primeiro longa do paranaense Borrelli, Valeria mostra a Trinchas o livro Caos, do historiador, escritor e poeta de Baltimore, na sua edição para o português. É o que se vê em uma das sequências iniciais que acompanha o primeiro encontro dos dois jovens. Um encontro artístico, profissional e amoroso durante o qual ela procura convencer Pinchas que os seus rabiscos na verdade são artísticos, reforçando as idéias de Bey. (Confira a cena neste link.)
Urubus segue a sua trama, um misto de ficção e de documentário e se encerra relembrando, com docs históricos, a invasão dos pichadores, em 2008, da 28ª. Bienal de São Paulo. Dois anos depois, o grupo foi convidado para participar da mostra e entrou pela porta da frente na Bienal.
O que dois anos antes era chamado de arte marginal, urbana e proibida passou ao status de ‘intervenção urbana’. Além de Cripta, Rafael Guedes Augustaitiz, o Rafael Pixobomb, e Choque Focus Adriano apresentaram suas obras no evento de 2010 cujo tema foi Política da Arte.
‘’Pichação é linguagem também’’, filosofa Cripta, discípulo de Bey e agora co-roteirista de Urubus. ‘’Os muros e portões para fora das casas são públicos, mas tudo costuma ser considerado privado; e ficamos obrigados a engolir propaganda de consumo e política’’.
Provocador no seu tema, compacto porque bem montado (embora às vezes ingênuo), se trata de um filme noturno, curioso e merece atenção, inserido na onda de produções nacionais que recomeçam a surgir no Brasil. Sua excelente trilha musical, construída por Silvio Piesco, é uma seleção de raps entendidas como crônicas espertas sobre o cotidiano das populações dos jovens das periferias.
E mais: Urubus, uma produção de Fernando Meirelles, chega às telonas com um bom portofolio. Venceua 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na categoria Público como Melhor Filme de Ficção Brasileiro e foi escolhido pela crítica especializada, na mesma ocasião, como Melhor Filme Brasileiro. Recebeu prêmios no British Independent Film Festival, no Manchester International Film Festival, no Narrative Feature Film, e em Los Angeles, no Independent Film Festival Awards.
Vale assistir e conhecer Urubus onde se situa essa arte urbana.
* Livros de Bey: Zona Autônoma Temporária – Ataque Oculto às Instituições, Caos – terrorismo poético e outros crimes exemplares (Ed. Cobogó) nos quais o filósofo americano defende a guerra de guerrilha simbólica e midiática, com o formato de furtiva e oculta, contra os meios de comunicação capitalistas e as corporações.
Jornalista.