Chantal Akerman, uma mulher no topo
O filme mais votado por críticos, programadores, curadores, arquivistas e cineastas internacionais para a revista britânica Sight and Sound é “Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles” da diretora belga
Surpreendente, este ano, que o filme mais votado por 1.639 críticos, programadores, curadores, arquivistas e cineastas internacionais para a tradicional revista britânica mensal Sight and Sound, editada pelo British Film Institute, aponte “Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles” (foto acima), da diretora belga Chantal Akerman. A melhor produção de todos os tempos ocupa agora o topo da relação de nada menos que os melhores 100 filmes realizados até aqui.
A lista da Sight and Sound é publicada e sempre atualizada uma vez em cada década, desde 1952, e dias atrás a relação de 2022 foi renovada e divulgada com a cineasta belga no primeiro lugar.
“Jeanne Dielman” pulou para esse posto em relação à lista anterior, a de 2012, na qual ocupava o 36º lugar. E mais: naquele elenco esse era um dos dois únicos filmes dirigidos por mulher. O outro mais votado permanece no quadro de 2022: é “Bom Trabalho”, da francesa Claire Denis.
Há um outro salto que muda o perfil da lista da Sight and Sound.
A relação atual tem onze filmes dirigidos por mulheres: Cléo das 5 às 7, de Agnès Varda; Tramas do Entardecer, de Maya Deren e Alexander Hammid; As Pequenas Margaridas , de Věra Chytilová; Retrato de uma Jovem em Chamas, de Celine Sciamma; Wanda , de Barbara Loden; O Piano, de Jane Campion; News From Home, outro de Akerman; Filhas do Pó, de Julie Dash, e Os Catadores e Eu, o segundo de Agnès Varda.
Mas há quem critique esse célebre repertório da revista comentando que os filmes que nele constam são cada vez mais recentes. O filme belga saltou 35 pontos em relação a uma década atrás para reivindicar o primeiro lugar que era de Vertigo, de Hitchcock, o qual por sua vez empurrou “Cidadão Kane” do topo, em pesquisa anterior. Mas Orson Welles sempre foi votado como o maior diretor de cinema de todos os tempos embora “Ladrões de Bicicletas” tenha sido o primeiro colocado na primeira relação de 1952.
Quarenta por cento dos dez primeiros filmes são agora do século 21, o que parece ser uma distorção para uma relação que pretende ser de produções de ‘todos os tempos’ visto que há centenas de bons filmes realizados antes de 2000. É o que dizem vários analistas.
A biografia de Chantal é especial. Judia, sua família pereceu em Auschwitz e apenas sua mãe sobreviveu. Ambas eram especialmente ligadas e viveram juntas durante anos em Bruxelas onde Chantal estudou cinema no Instituto Nacional Superior das Artes do Espetáculo e de Técnicas de Difusão.
Com 25 anos a autora estreou seu primeiro longa, Jeanne Dielman*, depois de dirigir diversos curtas e ser premiada em vários festivais. O filme, minimalista, acompanha a rotina doméstica de uma mulher que é interpretada pela atriz Delphine Seyrig. Uma mãe solo, dona-de-casa aplicada, que trabalha para sustentar a ela e ao filho e é prostituta profissional.
Também atriz, roteirista, produtora e professora de cinema, Chantal fez parte da chamada segunda onda do movimento feminista. Mas não gostava de ser conhecida como cineasta feminista porque ”quando as pessoas dizem que há uma linguagem de cinema feminista é como dizer que só existe uma maneira para as mulheres se expressarem”, comentava a diretora.
“Akerman apresenta imagens meticulosas”, escreveu o crítico Richard Brody na revista New Yorker sobre Jeanne Dielman. “Do ponto de vista cinematográfico elas provam que as vidas domésticas das mulheres são arte; que as vidas privadas das mulheres são devastadas pela História e pela pressão do confinamento no âmbito doméstico que as restringem aos papéis familiares, o que significa uma loucura social que leva à ruína; uma forma de violência que gera violência.”
Expoentes do cinema como Claire Denis, o hiper essencial Apichatpong Weerasethakul, Gus Van Sant e Todd Haynes são cineastas que também utilizam da linguagem minimalista, meticulosa e reflexiva de Ackerman. No jornal francês Libération, Haynes descreveu Jeanne Dielman como ”uma daquelas experiências que mudam a sua maneira de pensar, de ver e de imaginar cinema”. Não é pouca coisa.
Mulher muito bonita e comunicativa, Chantal Akerman morreu em Paris em 2015. Suicidou-se aos 65 anos.
* Nas plataformas Filmicca, Supo Mungam Plus, HB Max, Prime Video, Criterion Channel.
RELAÇÃO DA REVISTA SIGHT AND SOUND DE 2022
1. Jeanne Dielman, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles (Chantal Akerman, 1975)
2. Vertigo (Alfred Hitchcock, 1958)
3. Citizen Kane (Orson Welles, 1941)
4. Tokyo Story (Ozu Yasujiro, 1953)
5. In the Mood for Love (Wong Kar-wai, 2001)
6. 2001: A Space Odyssey (Stanley Kubrick, 1968)
7. Beau Travail (Claire Denis, 1998)
8. Mulholland Drive (David Lynch, 2001)
9. Man with a Movie Camera (Dziga Vertov, 1929)
10. Cantando na Chuva, de Stanley Donen (1952)
Top 10 dos Críticos 2012
* Um Corpo que Cai (1958), o maior filme de todos os tempos, segundo a enquete dos críticos em 2012.[8]
* Um Corpo que Cai (191 menções)
* Cidadão Kane (157 menções)
* Era Uma Vez em Tóquio (107 menções)
* A Regra do Jogo (100 menções)
* Aurora (93 menções)
* 2001: Uma Odisseia no Espaço (90 menções)
* Rastros de Ódio (78 menções)
* Um Homem com uma Câmera (68 menções)
* A Paixão de Joana d’Arc (65 menções)
* 8½ (64 menções)
Top 10 dos Cineastas 2012
* Era Uma Vez em Tóquio (1953)
* Era Uma Vez em Tóquio (48 menções)
* 2001: Uma Odisseia no Espaço (42 menções)
* Cidadão Kane (42 mentions)
* 8½ (40 menções)
* Taxi Driver (34 menções)
* Apocalypse Now (33 menções)
* O Poderoso Chefão (31 menções)
* Um Corpo que Cai (31 menções)
*O Espelho (30 menções)
* Ladrões de Bicicletas (29 menções)
* Os Maiores Diretores de Todos os Tempos
Top 10 dos Críticos 2002
* Orson Welles
* Alfred Hitchcock
* Jean-Luc Godard
* Jean Renoir
* Akira Kurosawa
* Charlie Chaplin
* Federico Fellini
* John Ford
* Sergei Eisenstein
* Francis Ford Coppola
* Yasujiro Ozu
Top 10 dos Cineastas 2002
* Orson Welles
* Federico Fellini
* Akira Kurosawa
* Alfred Hitchcock
* Francis Ford Coppola
* Billy Wilder
* Ingmar Bergman
* Stanley Kubrick
* David Lean
* Jean Renoir
* Martin Scorsese
Jornalista.